Um Sonho de Massa

[tradução do capítulo 03 do livro Anarchy in the age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

A falha mortal do pensamento dinossauro é seu insaciável desejo por massa. As raízes desse impulso histérico podem ser traçadas de volta ao século 19, uma longa noite da qual ainda não saímos. As origens exatas desse desejo em se tornar massa não nos interessa: ao invés disso, nós queremos entender como esse pensamento dinossauro fez seu caminho até nossas culturas de resistência do presente, e o que podemos fazer para substituí-lo.

O desejo de massa dita praticamente tudo que um dinossauro faz. Esse tesão insaciável governa não apenas suas decisões, mas sua própria organização. Organizações de massa, mesmo na sua apresentação para outros (sejam potenciais aliados ou a mídia) engajam em primitivos, estufando o peito para fingir que eles são mais massivos do que realmente são. Assim como os primeiros dinossauros passavam quase todo momento de suas vidas em busca de alimento, os dinossauros da Esquerda gastam a maior parte de seus recursos e tempo perseguindo a quimera da massa: mais corpos no protesto, mais assinaturas, e mais recrutas.

A contínua atração por massa é sem dúvidas um sonho vestigial dos dias de revoluções do passado. Toda alma solitária vendendo publicações radicais sob a gigantesca sombra dos brilhantes outdoors capitalistas e sob o olhar de policias bem armados, secretamente sonha acordado com as massas invadindo a Bastilha, as multidões avançando no Palácio de Inverno, ou as fileiras marchando em Havana. Nessas fantasias, um indivíduo insignificante é magicamente transformado em um tsunami de força histórica. O sacrifício de sua individualidade parece ser um preço pequeno pela chance de ser parte de alguma coisa maior que as forças de opressão. Esse sonho é nutrido pela maioria da Esquerda, incluindo muitos anarquistas: a metamorfose de um pequeno, frágil mamífero em um gigante, imparável dinossauro.

O sonho da massa é mantido vivo pela iconografia tradicional da Esquerda: desenhos de imensas multidões anônimas, trabalhadores maiores que a vida representando o crescente poder do proletariado, e fotografias aéreas de legiões de manifestantes enchendo as ruas. Essas imagens tendem a ser atraentes, românticas e empoderadoras: em resumo, propaganda da boa. Entretanto, não importa quão sedutoras sejam, nós não devemos nos deixar enganar em pensar que elas são reais. Essas imagens não são mais reais, ou desejáveis, que a publicidade cinicamente oferecida a nós pelo sistema capitalista.

Tradicionalmente, anarquistas têm sido críticos a homogeneidade que vem com qualquer massa (produção em massa, mídia de massa, destruição em massa) ainda assim muitos de nós parecem incapazes de resistir a imagem do oceano de pessoas inundando as ruas cantando “Solidarity Forever!”. Termos como “Mobilizações de Massa”, “Classe Trabalhadora”, e “Movimento de Massa” ainda dominam nossa propaganda. Sonhos de usurpação e revolução têm sido impressos em nossa visão de lutas do passado: nós compramos um cartão-postal de outros tempos e queremos experencia-lo nós mesmos. Se mudança massiva, global e imediata são nosso único referencial, os esforços de um pequeno coletivo ou grupo de afinidade sempre parecerá destinado ao fracasso. A sociedade de consumo enche nossas cabeças com slogans como “maior é melhor” e “quantidade sobre qualidade”. Não deveria ser surpresa que o sonho de um movimento de massa maior e melhor é tão prevalente entre radicais de todas as espécies. Nós não devemos nos esquecer quanta criatividade, vitalidade e inovação flui daqueles que se recusam a serem assimilados. Muitas vezes é esse pequeno grupo que despreza o maisntream que faz as mais fantásticas descobertas. Sejam campesinos em Chiapas ou uma criança esquisita no ensino médio, essas são as pessoas que se recusam a ser mais um rosto na multidão. O desejo de atingir massa leva a muitos comportamentos e decisões desfuncionais. Talvez o mais insidioso seja o desejo de amenizar nossas políticas para ganhar apoio popular. Essa tendência comum até de mais leva a campanhas homógenas, sem sal, que são o equivalente político aos cartazes profissionalmente impressos que vemos nos protestos e marchas, monotonamente repetindo o dogma da mensagem dos organizadores. Apesar do suposto apoio a lutas e campanhas locais só são úteis para os dinossauros se eles puderem ligar isso a (ser consumido pela) massa. A diversidade de táticas e mensagens que facilmente surgem de grupos heterogêneos deve ser suavizada e comprometido para focar em uma slogan, ou objetivo facilmente digerível. Nesse pesadelo, nossa mensagem e ações simplesmente se tornam meios para aumentar o fluxo de inscrições, adicionar assinaturas ou chamados pra ação: todas medidas de massa. Nós pagamos por esses números com o sufocamento da criatividade e objetivos comprometidos. Ideias que afastem a mídia ou expandam uma mensagem simples para além de um slogan (“No Blood for Oil” ou “Not My President”) são evitadas pois podem vir a provocar discussão e desacordos, e assim reduzir a massa. Os saudáveis debates internos, discordâncias, e variações regionais precisam ser diminuídas. Ainda assim essas são as mesmas diferenças que fazem nossa resistência tão fluída e flexível, elevando as mais ousadas inovações.

Nessas situações tristemente previsíveis, o discurso pronto reina. A todo momento, os olhos permanecem no prêmio: tamanho. O desejo por massa e homogeneidade (que estão sempre de mãos dadas) limita iniciativas não conformistas e radicais daqueles que querem tentar algo novo. Uma reclamação comum sobre criatividade ou ações militantes é que ela não vai soar bem na mídia, que irá apagar nossa mensagem ou que talvez possa alienar um ou outro constituinte. Chamados à conformidade, normalmente no formato de cínicas demonstrações de“unidade”, são ferramentas poderosamente efetivas para censurar a resistência apaixonada daqueles que não se limitam as políticas de massa. O que está faltando em nossos atos de rua e em nossas comunidades não é unidade, mas solidariedade genuína.

Ao assegurar seus próprios objetivos, dinossauros usam medo como uma ferramenta. Eles utilizam os perigos reais que encaramos em nossas vidas cotidianas em nossas comunidades de resistência. Organização de massa nos prometem segurança e força nos números. Se você deixar que suas ideias, desavenças e inciativa sejam consumidas pelo dinossauro, você estará protegido em sua espaçosa barriga. Sem dúvida, muitas pessoas estão dispostas a temporariamente acomodar suas mensagens e formas particulares de resistência por segurança. Porém a promessa de segurança, seja assegurada por permissão para protestar ou uma grande lista de apoiadores, são vazias. O Estado tem uma longa história desmobilizar movimentos de massa: a suposta força de um dinossauro vêm de seu imenso tamanho. Tudo que o Estado precisa fazer é se livrar de qualquer movimento que seja através de prisões, cooptação, pequenas concessões, intimidação, e “assentos na mesa”.

Conforme o movimento é dividido em grupos que podem ser cooptados e uma minoria de radicais, sua força se dissipa, e a moral despenca. Isso tem se provado repetidamente como uma forma efetiva do Estado de se livrar de qualquer movimento buscando por mudança social e política. Existem outros sonhos, sonhos de anarquia, que não são assombrados por imensos proto-dinossauros. Esses não são sonhos d”A Revolução” mas de centenas de revoluções. Esses incluem formas locais e internacionais de resistência que dão conta de serem inventivas e militantes. A monocultura de Um Grande Movimento buscando pela Revolução a experiência vivida por pessoas comuns. Anarquistas na América do Norte estão criando alguma outra coisa. Algumas vezes sem nem saber conscientemente, nós estamos soltando a pele morta da barriga do dinossauro da Esquerda e nos aventurando para criar resistências selvagens e imprevisíveis: uma multiplicidade de lutas, todas elas significativas, todas elas interconectadas. Os sonhos de anarquistas são os pesadelos dos pequenos dinossauros: tomem eles a forma de políticos de Washington, oficiais bem pagos dos sindicatos, ou burocratas de partidos. Com um enxame de indivíduos diversos e pequenos grupos, a resistência pode estar em qualquer lugar a qualquer hora, em todo lugar e a todo tempo. Em uns poucos anos desde o final dos anos 90, a mistura de convergências anti-globalização, ativismo local e campanhas, viajantes, tecnologicistas, e solidariedade com resistências internacionais têm criado algo novo na América do Norte. Nós estamos substituindo o Movimento de Massa com um enxame de movimentos onde não há necessidade de sufocar nossas paixões, esconder nossa criatividade ou acomodar nossa militância. Para os impacientes, parecerá que nós somos muito poucos e ganhando apenas pequenas vitórias. Porém uma vez que deixemos as pretensões da supremacia da massa de lado, nós podemos aprender que pequeneza não é apenas bela, também é poderosa.