nossa campanha é a vida

[tradução do capítulo 13 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Então, nós queremos mudar o mundo. Por onde começar? Um emaranhado de problemas e campanhas nos cercam por todos os lados, cada uma delas exigido atenção. Deveríamos lutar para preservar as últimas das florestas ancestrais, ajudar a comunidade empobrecida no fim da nossa rua, advogar pelos sem-teto, lutar contra o supremacismo branco, combater a violência policial, fechar locais de trabalho precário, ajudar o Movimento dos Sem Terra no Brasil? Os problemas parecem grandes de mais para uma só pessoa ser capaz de compreender. O mundo sofre de mais injustiça e dor que qualquer pessoa sozinha poderia sonhar em curar sozinha. Nós temos que fazer absolutamente tudo e ainda mais.

Ao nosso redor, há uma gama de ideologias oferecendo respostas prontas, seja no mais recente séquito dissidente do comunismo ou a visão de mundo Hare Krishna. Para os de nós que vem “mudando o mundo” por muitos anos, é fácil se tornar cínico sobre o supermercado de ideologias que os ativistas modernos podem comprar. Nós precisamos uma maneira de salvar nosso mundo enquanto evitamos respostas fáceis e falsos atalhos.

Focar em uma só campanha é uma via que comumente impede o avanço de ativistas. Cada campanha tenta se vender como a próxima e crucial batalha contra Os De Cima, onde objetivos finalmente serão alcançados. O inimigo de uma campanha específica é comumente apresentado como o real mestre dos títeres por de trás de todos os males do mundo, e os inimigos de todas as outras campanhas em competição, nada mais que fantoches manipulados. Cada campanha compete por membros dentro de um conjunto limitado de ativistas, tomando o tempo não só de outras causas mas da via cotidiana do ativista, levando a exaustão. Cada campanha busca que a compremos; poderia haver uma maneira de lutar por mudança sem tratar o ativismo como um mercado para justiça? Foco obsessivo em campanhas de uma só causa podem levar a acabarmos tratando causas, e uns aos outros, como objetos com um valor específico para expor ou consumir. Praticamente toda campanha é conectada e necessária, e nós precisamos vencer todas para de fato conseguirmos alcançar qualquer mudança; as vencendo de uma forma que o governo e as corporações jamais consigam se preparar. A anarquia tem flexibilidade o suficiente para superar os problemas tradicionais do ativismo, focando na revolução não como mais uma causa mas uma filosofia de vida. Essa filosofia é concreta como um tijolo arremessado em uma janela ou flores crescendo em jardins. Ao tornar nossas vias cotidianas revolucionárias, nós destruímos a separação artificial entre ativismo e a vida comum. Por que nos contentarmos com camaradas e colegas ativistas se podemos ter amigos e amantes?

Você Não Pode Explodir uma Ecologia Social

[tradução do capítulo 12 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

A anarquia se baseia na premissa que líderes não são nem necessários, nem desejáveis, ainda assim essa máxima tem tido pouco impacto na ala autoritária do movimento antiautoritário! Certos indivíduos (quase sempre homens velhos barbudos) desenvolveram cultos de seguidores que seguiram em um contexto histórico completamente diferente, muito depois da morte deles. É triste que muitos anarquistas se identifiquem com um ou outro clique, leiam somente certas revistas, tentam em vão convencer a todos que sua versão particular de anarco-purismo é o Único Caminho Correto™. Se nos insultamos mutuamente por causa de questões teóricas grandiosas, é claro que menos pessoas fora do círculo anarquista levarão nossas ideias a sério. Anarquistas não deveriam ler uns aos outros como competidores em algum campo cultural ou político, mas como potenciais amigos e camaradas desesperadamente precisando de pessoas com diferentes ideias e estratégias.

Nós não somos perfeitos, e assim como qualquer um escapando de uma experiência traumática como a sociedade ocidental moderna, a maioria de nós ainda carrega maus hábitos como dogmatismo, sexismo, e paternalismo. Um pouco de paciência entre nós, faria toda diferença. A última coisa com que nossas comunidades deveriam se parecer é com partidos políticos com expurgos e jogos de poder; melhor que nos tornemos uma tribo que cuida dos seus. Sobrevivência seja nas savanas da África ou nos shopping centers dos Estado Unidos, significa cuidar uns dos outros. Antes de nos obcecarmos sobre entrarmos em contato com organizações externas, as massas despolitizadas da classe trabalhadora, ou qualquer um fora das nossas comunidades, nós devemos primeiro aprender a nos relacionarmos uns com os outros baseados em solidariedade, apoio mútuo, compreensão e respeito. A empatia usada quando cuidamos uns dos outros é a ferramenta mais criativa que temos para nos envolvermos com o resto do mundo.

Picuinhas intelectuais nos dizem que essas facções competindo jamais poderiam ter um debate tranquilo enquanto tomam café, muito menos trabalharem juntos em um projeto prático, certo? Entretanto, trabalhar em projetos em comum é exatamente o que anarquistas de diferentes históricos mais têm feito. Nós não precisamos de unidade teórica, nós precisamos de solidariedade prática. Uma vez que nós reconheçamos e abracemos nossas diferenças coletivas, seremos capazes de espalhar a prática da anarquia por nossas comunidades e pelo mundo. Ir além das posições políticas caricatas (coloque uma faixa verde na sua estrela negra, e de repente o anarquismo está reduzido a salvar árvores; coloque uma faixa vermelha na sua estrela negra, e o anarquismo agora é apenas sobre guerra de classes) é absolutamente vital. Sectarismo leva diretamente ao autoritarismo, assim que você se identifica com o anarco-séquito correto, todas outras pessoas estão erradas. O fundador da ideologia correta inevitavelmente ganha mais poder do que seus seguidores, e o séquito reúne suas forças para travar uma guerra santa contra todas as outras espécies do arco-íris anarquista. Não precisamos repetir os erros de outros grupos de esquerda. É muito mais fácil para nós atacarmos uns aos outros do que destruir o Estado. Pessoas têm diferentes visões de libertação e qualquer sociedade anarquista terá uma diversidade de táticas e projetos. Hoje, nós precisamos de sindicatos anarquistas radicais capazes de pararem as máquinas, escritores radicais que inspirem e espalhem conhecimento, militantes para lutar contra os policiais nas ruas, e tree-sitter para salvar o que sobrou da natureza: em outras palavras, nós precisamos de mais anarquia!

Às Portas da Comunidade Anarquista

[tradução do capítulo 11 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Às Portas da Comunidade Anarquista

Desde sua infância, o anarquismo (como muitos movimentos sociais internacionais) tem sido definido por suas políticas. Nenhum problema até aí, nós somos seres políticos. Anarquistas possuem uma lista bem definida de inimigos: o Estado, o capitalismo, e as hierarquias. Nós temos uma lista igualmente bem definida de desejos: apoio mútuo, autonomia, e descentralização. Enquanto fazemos apostas de que a anarquia vai oferecer vidas melhores que a dos dinossauros, há pouco impedindo o anarquismo de se transformar em outra ortodoxia: tão ruim quanto o Comunismo, Socialismo, Liberalismo, Reformismo, Capitalismo, Mormonismo, ou qualquer outro “ismo”. Há muito, desenvolvimentos na América do Norte têm mostrado que a uma tendência específica ou tipo restrito de políticas anarquistas não são tão importantes quanto as comunidades compartilhadas que estamos criando por conta destas políticas. Essas comunidades se mantêm unidas através de práticas, táticas, e cultura. Nós não precisamos ser uma monocultura. Invés disso, pense no anarquismo como uma ecologia de culturas (como micróbios em uma placa petri ou como uma manifestação nas ruas) algo que demanda e floresce na diversidade.

Como qualquer grupo de amigos que trabalham e vivem juntos, nós estamos desenvolvendo uma cultura compartilhada apesar das nossas origens diversas. Cada grupo de anarquistas (incluindo pessoas que vivem sob princípios anarquistas sem nunca terem aberto um livro de Kropotkin, Emma, ou CrimethInc.) cria suas próprias práticas e cultura.

Nós estamos fartos de qualquer nova ortodoxia, apesar de ser isso que as pessoas criadas no Ocidente são treinadas para desejarem: a Próxima Grande Parada, seja um autor, programa de TV, movimento, ou qualquer outra coisa que não seja o que estamos fazendo com nossas vidas. Como a cultura pode ser bastante fluida, transferível, e mutável, isso tem funcionado em nossa vantagem. Ao invés da anarquia de cima, ditada pela mídia ou especialistas, existem dúzias de versões da anarquia competindo, divergindo e mutando. Essa é uma construção fundamentalmente boa. A maioria dos anarquistas é feliz com essa fluidez e diversidade. A monocultura dos dinossauros pode ser rejeitada em favor das vibrantes, anarquias folclóricas.

Comunidade é algo que os anarquistas compreendem e aspiram. Ainda que, o que essas comunidades deveriam fazer tem sido a causa de muitos debates ácidos. Dependendo para quem você perguntar pode ser uma estação de rádio pirata que chegue até o vizinho, travar combate em guerrilhas urbanas, uma casa coletiva, incendiar hoteis de luxo, ou uma manifestação gigante. Essas diferenças levam a argumentos banais que raramente ajudam as culturas ou comunidades pelas quais os críticos anseiam. Invés de gastar tempo se exibindo no pódio, todos nós podemos passar mais do nosso tempo criando algo que se pareça com sociedades anarquistas dentro da cultura transtornada na qual vivemos hoje! Essas comunidades de resistência estão acontecendo em todo mundo através da criação de zonas autônomas semi-permanentes como infoshops e hortas comunitárias, clínicas grátis e fazendas orgânicas, casas coletivas, e espaços de performance. Nós vemos lampejos de um mundo melhor em zonas autônomas temporárias como mobilizações e convergências, okupas e tree-sits [NT1], festas de rua e bocas-livres. Por que criar comunidade é uma trabalho duro, nosso trabalho é melhor aplicado manifestando e expressando nossas paixões nessas arenas, não meramente falando sobre elas.


[NT1] “tree sits” – ato de desobediência civil onde a manifestante se mantém em cima de uma árvore, arriscando a própria segurança física para desmotivar a derrubada de uma árvore específica. 

Zonas autônomas são manifestações físicas de ideias que cresceram tanto nos últimos anos, mesmo que elas pareçam ser pequenas fachadas de lojas, bibliotecas em porões, e galpões espalhados ao redor da América do Norte. Esses são os laboratórios e oficinas da anarquia. Conforme nossas redes se expandem, também cresce nossa habilidade de falar uns com os outros. Nossa capacidade de comunicação tem sido extremamente bem sucedida e prolífica: música, escrita, e performance. Dúzias de jornais anarquistas, milhares de zines, e um punhado de livros têm criado um meio de expressão e discórdia. O que temos hoje é mínimo comparado com o maquinário da mídia capitalista, mas nós devemos tentar competir com eles. Rejeição a massa não quer dizer que os anarquistas estão condenados a serem poucos, uma minoria irrelevante para o resto da nossa existência. É possível que centenas de milhares de coletivos e grupos de afinidade trabalhem juntos em solidariedade e respeito por suas diferenças.