Uma mensagem anárquica vinda do território peruano [24.01.23]

Considerando as distorções de informação que as esquerdas e direitas fazem sobre a rebelião peruana, desejamos compartilhar nossa percepção anarquista do que acontece nas mesmas entranhas desse corrupto e apodrecido estado chamado “Peru”.

Os protestos tem como vanguarda o campesinato, os primeiros a se mobilizarem. Ainda que as exigências sejam de caráter político (novas eleições, assembleia constituinte, etc.) estas passaram para o social e pouco a pouco vão se aderindo diversas reivindicações (que tanto a mídia de massas como a esquerda trata de maquiar como sendo políticas). No início os protestos foram esvaziados mas a repressão indignou o povo a ponto de acontecer um levante geral; o sentido de identidade unificou a nós andinos para lutarmos contra o opressor (quechuas, wanks, aymaras, chankas, etc.)

E agora estamos na etapa onde à força se fará cair a autoritária Dina Boluarte, que está escondida no castelo da extrema direita do Peru: Lima (a capital).

Essa crise desmascarou o que sempre foi maquiado com algo chamado: “democracia representativa”. Assim, a pobreza e a violência estatal extrema nas alturas dos andes, deliberadamente ignoradas pelas instituições do ESTADO e do CAPITAL, têm sido explícitas. O genocídio de Dina Boluarte e seu açougueiro Otarola, são uma pequena mostra do que historicamente se viveu e do que experimentaram nossas famílias e/ou etnias.

Xs assassinados pelas forças repressoras do Estado do PERU não deixam de aumentar, no exato momento em que nos encontramos escrevendo, os policiais e milicos mataram mais de 60 pessoas; crianças ou idosxs todxs faleceram frente os disparos a seus torços e cabeças… enchendo necrotérios e hospitais dos andes e do território do altiplano. Os feridos, detidos e torturados aumentam, a perseguição se aprofunda a ponto de censurar textos e perseguir editoriais e livrarias. Se mete bala ao transeunte e se paga bônus a polícia por seu trabalho de açougueiro.

Em 21 de janeiro a polícia fez operações em espaços autônomos como as universidades (as quais abrigavam manifestantes das províncias dessa região), casa de gente que deu guarida a seus conterrâneos de província, associações e coletivos que oferecem primeiros socorros. A polícia se sente empoderada pela presidenta assassina e apela para a violência para calar a boca de qualquer crítico (não se salva nem o pacifista, o legalista, todxs levam pau por serem “bocones”). E eis que a democracia peruano deu seus frutos, e nos faz viver o “agradável” caráter “legal” dos ESTADOS DE EMERGÊNCIA… momentos no qual as forças repressoras têm total liberdade de assassinar sem nenhuma responsabilidade penal. Enquanto os endinheirados das cidades celebram, aplaudem e beijam os assassinos. Outros são encarceradxs, perseguidxs, torturadxs ou assassinadxs.

Os ESTADOS DE EMERGÊNCIA também significam corrupção, algo que é da genética destas instituições repressoras, já que têm total liberdade de gasto e toda boa vontade do Ministério da Economia (o qual se caracteriza por ser dos mais tecnocratas e discriminatórios, quase um quarto poder).

Saem de Lima: Helicópteros, caminhonetes, ônibus, aviões de guerra, munição, e pessoal (desde a velha polícia de trânsito até o iniciante inexperiente do primeiro ano da escola de policiais). E logo, de acordo com que planejaram os açougueiros, distribuem a polícia nas zonas de bloqueios. As Forças Armadas, graças ao apoio dos EUA, se encontram empoderadas e mandam seus soldados matar na altura dos andes e infiltram suas equipes nas manifestações com o objetivo de ter caguetas, voyueristas e sabotadores.

Ao perceber que a resistência persiste e suas munições estão por acabar, mandam seus lambe-botas a loja de doces com 661 mil 530 dólares para adquirir todo tipo de guloseimas pelas quais são viciados (balas de borracha, gás lacrimogênio, sprays de pimenta, munição, etc.), dão bônus aos policiais e lhes prometem mais dinheiro por sua efetividade (até se financia contramarchas de fascistas, se compra líderes comunitários, etc.). Buscam todo tipo de apoio que seja… mobilizam pessoas dos círculos mais ilógicos (desde udex, trânsito, turismo), disfarçam carros de guerra dos milicos para os tornar democracy friendly, usam a mobilidade e a equipe de serenazgo (espécie de segurança municipal) e logo celebram (O PODER ECONÔMICO-POLÍTICO SEMPRE RECOMPENSA AO AÇOUGUEIRO)

Assim chegamos a uma encruzilhada onde fazer frente a esta loucura sangrenta significa ser um número a mais no necrotério. Onde o limenho racista te considera sub-humano por protestares. Onde te assassinar não trás problemas éticos ou religiosos (ao contrário as forças religiosas o celebram).

Também expomos que a luta que se observa nesta região é diversa, não acreditamos nos meios de comunicação ou influencers que expõem os protestos como “pacíficos”, “civilizados” ou “pela assembleia constituinte”, ou mesmo o delírio de serem “pela liberdade de Pedro Castilho”, não se deixem enganar. Tão pouco se deve dar atenção a propaganda de direita que superdimensiona a atividade de esquerda nos protestos, ao ponto e quererem levar o Peru a uma guerra com a Bolívia (por uma suposta “ingerência política”) ou de forçar uma guerra civil nesta região.

Para concluir; nós, mulheres, trans, machonas, maricones, lesbianas, trakas, não bináries, qhariwarmis, cabrxs, bissexuais e diversidades anarcas marrones, andines, aymaras, precarizadas que não sabemos de “justiça” aqui ou no exterior e sofremos o racismo continuamente… manifestamos que nunca estivemos fora dessa crise, jamais seremos indiferentes ao abuso de quem tem poder. Jamais esqueceremos os assassinatos, balas, golpes e agressões, e vamos devolvê-los. E a toda esquerda conservadora que quer se apropriar da luta como veículo político (Perú Libre, Antauristas, UPP, etc.) e que desejam que nos desapareçam, lhes dizemos: resistiremos e lutaremos pela libertação total!

SAÚDE Y ANARQUIA.

[DE ALGUMA PARTE DOS ANDES DO ESTADO GENOCIDA PERUANO]

O Modelo shac (II de II)

parte I publicada aqui.

O Futuro da SHAC

Apesar dos contratempos e sérios desafios que encontra nos Estados Unidos, a campanha SHAC continua até hoje. Algumas organizações regionais permanecem ativas, e ações autônomas continuam acontecendo, mas não existe organização em termos nacionais, não existem mais newsletters, nem sites confiáveis para publicizar alvos e reportar ações. Consequentemente existem menos alvos estratégicos e eventos nacionais, o que leva a um menor alcance e dificulta a criação de redes. O ponto positivo é que essa configuração torna mais difícil para as empresas saberem quem precisam intimar judicialmente, mas esse é um ponto positivo bastante limitado.

Esse declínio pode ser atribuído de maneira geral a repressão do governo e de maneira mais específica ao julgamento dos Sete da SHAC. O medo de repercussões legais aumentou ao mesmo tempo em que os principais organizadores foram tirados de ação. Com novas leis locais proibindo piquetes em residências, e o Animal Enterprise Terrorism Act de 2016 tornando ações contra alvos terciários interestaduais ilegais, muitas táticas que antes envolviam baixo risco hoje não são mais viáveis.

Agora que formas mais públicas de organização estão sendo punidas de maneira mais agressiva, parece possível que a próxima geração de ativistas pela libertação animal terá mais foco em táticas clandestinas. Uma das características mais fortes da campanha SHAC era a combinação de abordagens públicas e clandestinas, então essa não é necessariamente uma boa notícia para o movimento.

É bastante surpreendente que a HLS ainda exista; meia década atrás, organizadores da SHAC deviam estar apostando em já ter vencido a essa altura. Quando a Stephens Inc. retirou seu investimento, seus empréstimos eram tudo o que mantinham a HLS em pé; foi apenas outra intervenção do governo britânico que permitiu a HLS negociar um refinanciamento e continuar existindo. Essencialmente, a SHAC venceu, mas teve sua vitória roubada. A mesma situação aconteceu quando a SHAC forçou a Marsh Inc. a retirar sua participação, e HLS foi posta na situação de talvez ter de operar sem os seguros obrigados por lei. Outra vez, o governo britânico interveio, e a HLS obteve uma cobertura sem precedentes pelo Departamento de Comércio e Indústria. Sem a proteção desse bastião do poder, HLS já teria desaparecido há muito tempo, mas é precisamente pra isso que governos existem: para proteger corporações e preservar a tranquilidade do funcionamento do sistema capitalista. Talvez tenha sido inocente acreditar que os governos dos EUA e da Inglaterra permitiriam que mesmo a mais feroz das campanhas de libertação animal pudessem encerrar os negócios de uma empresa influente. Não é possível lutar como se não houvesse amanhã, indefinidamente, e as repetidas vezes que a HLS voltou dos mortos deve ter sido o suficiente para enlouquecer os organizadores mais antigos da SHAC, que deram tudo de si várias vezes no que sempre parecia ser o golpe final. Os participantes não tem acordo sobre quão significante foi o fator da exaustão, mas seria tolice desconsidera-lo. A campanha SHAC tem sido orientada como ativismo em tempo integral desde o começo, a mentalidade sendo, da mesma forma que os funcionários da HLS trabalham todos os dias, seus oponentes deveriam trabalhar no mínimo com o mesmo afinco. Artigos como “Rotina de Exercícios do SHACtivista” indicam uma abordagem com bastante pressão, que provavelmente se correlaciona com o alto nível de exaustão. Por mais difícil que seja, encontrar diferença entre os efeitos da exaustão do medo da repressão, muitos ativistas se afastaram da SHAC não voltaram a se aproximar de outras campanhas. A SHAC continua ativa no continente europeu e na América Latina, e incansável na Inglaterra. A campanha britânica da SHAC talvez ofereça um melhor modelo de como lidar com a repressão federal; parece que os ativistas britânicos já estavam preparados para isso, com pessoal pronto para assumir os postos de organizadores centrais, e mais abertos para o envolvimento de novas pessoas. Mas a Inglaterra é mais densamente populosa que boa parte dos Estados Unidos e tem uma história mais rica de luta pelo direito dos animais , então é injusto comparar tão de perto as duas campanhas.

A SHAC um dia vai conseguir fazer a HLS fechar as portas definitivamente ? É possível, apesar de que parece menos provável do que parecia alguns anos atrás. Alguns ainda acreditam que o mais importante é fechar a HLS custe o que custar, para obter uma vitória que inspiraria ativistas e aterrorizaria executivos pro décadas. Outros pensam que a HLS fechando ou não, a SHAC serviu seu propósito, demonstrando a força e as limitações de um novo modelo de organização anticapitalista.

Características do Modelo SHAC

Quando as pessoas pensam na SHAC, elas pensam em protestos na frente da casas de empregados e investidores; alguns anarquistas não se referem a nada além disso quando citam o “modelo SHAC”. Mas manifestações na frente de residências são uma pequena parte do que permitiu a SHAC aterrorizar a HLS. Para compreender o que fez a campanha efetiva, nós precisamos olhar para a totalidade de suas suas características essenciais.

Alvos secundários e terciários: O objetivo da campanha SHAC era negar a HLS sua estrutura de apoio. Assim como um organismo vivo depende de todo um ecossistema para recursos e relações que o mantém vivo, uma empresa não consegue funcionar sem investidores e parceiros de negócios. Nesses ternos, mais do que em qualquer boicote, destruição de patrimônio, ou campanha pública, a SHAC confrontou a HLS da maneira mais ameaçadora possível para uma empresa. A Starbucks poderia pagar facilmente dez mil vezes o prejuízo das vidraças quebradas pelos blackblocs durante os protestos de Seattle, mas a história seria bem diferente se ninguém repusesse aqueles vidros, ou se os vidros quebrados fossem das casas dos investidores, fazendo com que ninguém quisesse investir na empresa. Os organizadores da SHAC aprenderam as maquinações internas da economia capitalista, assim atacavam de modo mais estratégico.

Alvos secundário e terciários funcionam pois os alvos não tem um interesse tão firme em continuar seu envolvimento com o alvo primário. Existem outros lugares para onde eles podem levar seus serviços, e não há nada que os impeça. Esse é um aspecto vital para o modelo SHAC. Se uma empresa está sendo pressionada, ela irá lutar até a morte, e nada além da força bruta que cada parte é capaz de exercer sobre a outra fará diferença; o que não tende a ser vantajoso para os ativistas, já que empresas podem acionar a polícia e o governo. É por isso, que exceto pelo incidente com os cabos de machado, tão poucos esforços na campanha SHAC foram direcionados a HLS em si. Em algum lugar entre o alvo primário e as empresas associadas que provém sua estrutura de apoio, parece haver um nervo exposto, onde a ação se torna mais efetiva. Pode soar estranho agir contra alvos terciários que não tem conexão direta com os alvos primários, mas incontáveis aliados da HLS cortaram relações após um de seus clientes sofrer algum constrangimento.

• Relação de apoio entre ações públicas e clandestinas: Mais do que qualquer outra campanha de ação direta na história recente, a campanha SHAC alcançou uma simbiose perfeita entre organização públicas e ações clandestinas. Para esse fim, a campanha era caracterizada por um uso bastante sofisticado da tecnologia e networking moderno. Os sites da SHAC disseminavam informações sobre alvos e ofereciam um fórum para relatos de ações para aumentar a moral e as expectativas, permitindo que qualquer um simpático aos objetivos da campanha pudesse contribuir, sem chamar atenção para si.

• Diversidade de táticas: Ao invés de colocar um tipo de tática em oposição a outra, a SHAC integrou todas as táticas possíveis em uma campanha, onde cada abordagem complementava a outra. Isso significava que seus participantes podiam agir dentro de uma gama ilimitada de opções, o que manteve a campanha acessível para um público amplo e preveniu conflitos desnecessários.

• Alvos concretos, motivações concretas: O fato de que haviam animais específicos sofrendo, cujas vidas podiam ser salvas por ação direta específica, tornou essas questões concretas e deu a campanha um senso de urgência que se traduziu em uma vontade de alguns dos participantes de arrancarem a si mesmos de suas zonas de conforto. Do mesmo modo, a cada conjuntura na campanha SHAC, haviam objetivos intermediários que podiam facilmente serem alcançados, assim a tarefa monumental de enfraquecer toda uma empresa nunca pareceu algo grandioso de mais. Isso contrasta drasticamente com o modo como o impulso de certos círculos do anarquismo verde morreu após a virada do século, quando os objetivos e alvos se tornaram muito vastos e abstratos. Até então era fácil para indivíduos motivarem a si mesmos a defender árvores e áreas naturais específicas, mas uma vez que o objetivo de alguns participantes se tornou “destruir a civilização” e qualquer coisa menor que isso fosse mero reformismo, se tornou impossível construir qualquer ação significativa.

Vantagens do Modelo SHAC

Quando o modelo criado pela SHAC é aplicado corretamente, suas vantagens são óbvias. Ela atinge corporações onde elas são mais vulneráveis: empresas não fazem o que fazem por terem compromissos éticos ou para manter certa imagem na opinião pública, seu único objetivo é a busca por lucro, e o modelo SHAC foca exclusivamente em trazer prejuízos a empresa. Se tratando da construção e manutenção de uma campanha de ação direta a longo prazo, o modelo SHAC oferece direção e motivação aos participantes, apresentando um modelo para ações menos abstratas e mais concretas. O modelo SHAC contorna o conflito sobre táticas, oferecendo a oportunidade para ativistas com diferentes capacidades e níveis de conforto trabalharem juntos. Ao estabelecer uma ampla gama de alvos, isso dá aos ativistas a oportunidade de escolher a hora, o lugar e o caráter de suas ações, ao invés de estarem constantemente reagindo ao seus inimigos. Acima de tudo, o modelo SHAC é eficiente: em nenhum momento a SHAC USA teve mais do que umas poucas centenas de participantes ativos.

Em contraste com a maioria das estratégias de organização, o modelo SHAC tem uma abordagem ofensiva. Ela oferece um meio de atacar e derrotar projetos capitalistas bem estabelecidos, tomar iniciativa, mais do que apenas responder ao avanço do poder empresarial. A SHAC não surgiu motivada a impedir a construção de um novo laboratório de testes de animais ou a aprovação de algumas leis, mas para derrotar e destruir uma empresa de testes em animais que já existia há décadas. O modelo SHAC pede e incentiva uma cultura que não apenas celebra a ação direta mas que constantemente age através dela, encorajando os participantes a irem além de seus limites. O que se contrasta drasticamente com os círculos auto intitulados insurrecionarios, onde anarquistas falam muito sobre se rebelar e resistência sem entrar no confronto diário com os poderes que nos oprimem. Ativistas Antiglobalização em Chicago as vezes pediam aos organizadores da SHAC pra puxarem palavras de ordem em seus protestos, por conta da fama que tinham de serem enérgicos e confiantes: os que afiaram seus dentes na campanha SHAC, se não se afastaram totalmente das atividades de ação direta, estão equipados para serem efetivos em um espectro amplo de contextos. Uma vantagem mais discreta do modelo SHAC é que ele deixa nítido as tenções de classe que geralmente estão abaixo do radar nos EUA. Ativistas de classe média baixa, e de contextos trabalhadores podem considerar confortante usar o pixo como maneira de desafiar executivos ricos em seu próprio território. Isso também expõe os ativistas de uma causa só a suas interconecções com a classe dominante. Ao visitar a casa de executivos, é possível descobrir que todas empresas farmaceuticas e de investimentos estão conectadas: todos possuem ações das companhias uns dos outros, eles sentam nas mesmas mesas de diretoria, e vivem e suas idênticas mansões suburbanas em condomínios de muros altos.

Por fim, o modelo SHAC tomou vantagem de oportunidades oferecidas por eventos e comunidades maiores. Os protestos na frente das casas geralmente aconteciam após uma assembleia ou show; o imenso número de potenciais alvos significava que sempre havia algum não muito distante.

Por muitos anos, protestos da SHAC aconteciam durante a National Conference on Organized Resistance em Washington, DC, e também aconteceram após os protestos anti-biotecnologia na Philadelphia e Chicago.

Algumas vezes essa tática causou conflitos com outros organizadores, não é preciso mais do que duas dúzias de pessoas para fazer um protesto efetivo em uma zona domoiiliar, então sempre foi muito fácil criar a situação.

A SHAC em si, tende a criar e repercutir uma subcultura própria, completa com pontos de referência internas e rituais. Em assembleias e eventos maiores, ativistas comparavam anotações sobre investidores, campanhas locais, e problemas judiciais. Cenas musicais simpáticas ajudaram a financiar organizações e a trazer sangue novo para a campanha. Seria difícil imaginar a campanha SHAC nos EUA sem a cena do hardcore das últimas duas décadas, que constantemente serviu como base social para os militantes dos direitos dos animais. Certamente existem pontos negativos em aproximar tanto uma campanha a uma subcultura da juventude, mas é melhor atrair participantes e fôlego de uma comunidade do que de nenhuma.

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Falsas Polêmicas

Alguns anarquistas, impulsivamente acusaram a SHAC de reformismo. Isso é um absurdo: o objetivo da SHAC não é de mudar a maneira como a HLS conduz seus negócios, mas acabar totalmente com a empresa. É mais preciso descrever a SHAC como uma campanha abolicionista: sendo incapaz de acabar com a exploração animal de um só golpe, ela busca alcançar o passo mais ambicioso e plausível dentro deste fim. De forma similar, alguns críticos entediados ridicularizaram os esforços de libertação dos animais com o argumento de que eles seriam “ativistas”, implicando que isso seria algo inerentemente ruim. Os que adotam essa posição deveriam dar uma passo adiante e assumir que eles não se comovem com a opressão de outras criaturas vivas e não enxergam valor em tentativas de encerrar esse sofrimento, o que quer dizer que, eles dificilmente sejam anarquistas.

Desvantagens e Limites

Falsas acusações à parte, o modelo SHAC têm limitações reais, que merecem ser examinadas.

Primeiro, existem alguns pré requisitos sem os quais ela irá falhar. Por exemplo, o modelo SHAC não pode ser bem sucedido fora de um contexto onde a ação direta seja aplicada regularmente. Todo pensamento estratégico do mundo é inútil se ninguém está de fato disposto a agir. Nos círculos dos militantes pelo direitos dos animais, as questões em jogo eram entendidas como concretas e urgentes o suficiente para participantes serem motivados a assumir riscos regularmente; sem essa motivação, a campanha SHAC não teria saído do chão. Do mesmo modo, o modelo SHAC não tem poder contra alvos que não dependam de alvos secundários e terciários, ou que tenha um suprimento infinito deles para escolher. Acima de tudo, os alvos secundários e terciários devem ter outro lugar para onde levar seus negócios, o modelo SHAC depende do resto do mercado capitalista oferecendo melhores opções. Nesse sentido, embora não seja reformista, ela também não oferece uma estratégia para combater frontalmente o capitalismo.

Em segundo lugar, por mais eficazes que sejam em termos puramente econômicos, os alvos secundários e terciários põem o local do confronto longe da causa pela qual os participantes estão lutando. Falando e maneira geral, quanto mais abstrato o objeto da campanha, pior para a moral. Muito vitalidade das lutas por defesa ecológica nos anos 80 e 90 vem da conexão imediata, visceral, que os defensores da floresta experenciaram com a terra que estavam ocupando; quando o ativismo pelo meio ambiente começa a se mover para terrenos mais urbanos uma década atrás, ele perdeu parte de seu ímpeto. Talvez seja específico para a campanha SHAC que os participantes sejam capazes de manter sua revolta e audácia mesmo tão longe do objeto de sua preocupação; é arriscado assumir que isso sempre acontecerá em outros contextos.

Exceto por esses desafios, o modelo SHAC talvez seja inefetivo justamente por sua efetividade. É razoável mirar em fechar empresas poderosas, ou o governa sempre irá interceder ? É possível que por se apresentar como uma ameaça para as empresas, em termos econômicos, que o modelo SHAC compre uma briga que não pode vencer. Uma vez que o governo tenha se envolvido em um conflito, é preciso mais que uma rede de militantes para vencer, é necessário todo um movimento social de larga escala, e a abordagem da SHAC sozinha não é capaz de dar origem a algo assim. Nesse caso, a maior força do modelo SHAC é também sua maior vulnerabilidade.

O tempo dirá se a HLS foi um alvo muito ambicioso; a empresa ainda pode vir a colapsar. Mesmo assim, provavelmente seria inteligente que os próximos a experimentar com o modelo, escolher objetivos menores, e não algo ainda mais ambicioso, já que a campanha SHAC em si, ainda não foi bem sucedida. Talvez um terreno inexplorado aguarde entre fechar lojas de peles específicas e tentar fechar a maior empresa de testes em animais da Europa. Isso não quer dizer que o modelo SHAC é inútil caso não resulte no fechamento de seu alvo. As vezes é válido lutar e perder em uma batalha para desencorajar um oponente de começar outra batalha; em outros momentos, mesmo ao perder, é possível ganhar experiência e aliados valiosos. Ironicamente o modelo SHAC talvez seja mais efetivo em recrutar pessoas para organizar ação direta, do que para seu suposto objetivo, precisamente porque, ao contornar o recrutamento e focar em outros objetivos, isso atrai participantes que são sérios e comprometidos.

Mas se o objetivo for trazer mais pessoas a organização de ação direta ao invés de simplesmente fechar uma única empresa, existem desafios relevantes a serem considerados, por exemplo o alto nível de stress e a propensão ao burnout. Nesse sentido, não é necessariamente uma vantagem que o modelo SHAC ensine ativistas a pensar dentro da mesma lógica que economistas capitalistas (eficiência, economia, cadeia de comando) ao invés de priorizar as habilidades sociais necessárias para construir comunidades de resistência a longo prazo.

Assim como, ao focar em alvos secundários e terciários, o modelo SHAC enfatiza e recompensa uma atitude agressiva que é menos vantajosa em em outras situações. Quais são os efeitos psicológicos de longo prazo nos participantes que passaram metade de uma década ou mais, gritando em um megafone na frente da casa de funcionários ? Que tipo de pessoas são atraídas para uma campanha que consiste primariamente em tornar a vida de outras pessoas um pesadelo ? Não podemos deixar de apontar que alguns anarquistas relataram interações frustrantes com organizadores da SHAC.

Considerando o modelo por uma perspectiva anarquista, com qual intensidade a abordagem da SHAC tende a consolidar ou contestar hierarquias ? A segurança necessária para ações diretas clandestinas podem incentivar um tribalismo que se intensifica conforme aumenta a repressão, impedindo assim a campanha de atrair mais participação justamente quando for mais necessário. Hierarquias informais são um problema em todos tipos de organizações, aqueles que fazem pesquisas geralmente tem uma influência desproporcional sobre a direção da campanha e acabam sendo responsáveis pode tomadas de decisões que tem efeitos no logo prazo.

É possível argumentar que o foco numa só questão e a natureza focada em objetivos práticos da campanha SHAC não age contra outra hierarquia que não a opressão dos animais. Não é segredo que grupos organizados dentro da SHAC foram destruídos por conflitos sobre dinâmicas de gênero e nem todos participantes foram responsabilizados por seus comportamentos. Em uma campanha que enfatiza a sobretudo vitória, isso não é surpreendente, se vencer é o mais importante, é fácil abafar conflitos internos, especialmente com a adição do stress da repressão federal. Inevitavelmente, as pessoas que tiveram más experiências afastam-se da campanha, levando junto as críticas que outros deveriam ouvir.

Essas prioridades questionáveis também se manifestaram em algumas táticas de mau gosto. Em um caso, um alvo que estava lutando para escapar do alcoolismo recebeu uma lata de cerveja com junto com um bilhete; em outro caso a calcinha de uma mulher foi roubada e supostamente posta a venda. Utilizar a assimetria de poder da sociedade patriarcal para atingir aliados de alvos que contribuem para a opressão animal dificilmente serve como exemplo de luta contra todas as dominações.

Existem outras questões éticas sobre utilizar alvos secundários e terciários. É aceitável arriscar aterrorizar ou machucar secretárias, crianças, e outras parte que não estão diretamente envolvidas ? O que separa anarquistas de governos e outros terroristas, se não a recusa de aceitar dano colateral ?

Em essência, a SHAC é um modelo de campanha de coerção, para ser usada em situações em que não há possibilidade de outra forma de resolução de conflito. Isso não entra em conflito com valores anarquistas, quando um opressor se recusa a se responsabilizar por suas ações, é necessário obriga-lo a parar, e isso se estende para aqueles que o auxiliam e incentivam. Mas envolver pessoas que não estão participando diretamente da opressão, é uma área cinza. Quando um organizador expõe um alvo, não há como saber que tipo de ações vão ser tomadas. Talvez encerrar a opressão animal pese mais que esses riscos e custos, mas anarquistas não deveriam ficar muito confortáveis com esse tipo de racionalização.

Outras Aplicações do Modelo SHAC

Muito tem se falado de aplicar o modelo SHAC em outros contextos, mas poucos desses esforços produziram algo comparável com a campanha SHAC. Algumas reflexões são necessárias. É válido apontar que parte do hype sobre as possibilidades de aplicação do modelo SHAC vem direto de declarações da HLS, e por isso deveriam ser tomadas com ceticismo. A HLS não está interessada em promover novos métodos de ação direta, mas sim em criar medo o suficiente para que outros membros da classe dominante venham ajuda-los; assim, quando eles dizem que as táticas da SHAC podem ser usadas efetivamente contra qualquer alvo, isso não necessariamente é real. O mesmo vale para análises sensacionalistas de organizações como Stratfor, cujo objetivo primário para ser aterrorizar o público e faze-lo sentir necessidade de consumir a “inteligência” que a empresa vende.

É possível que por conta da campanha SHAC ter se mantido ativa enquanto outras formas de organização se desmobilizaram, que ela tenha exercido uma influência desproporcional na imaginação dos anarquistas, de tal maneira que muitos tendem a imitar o modelo organizacional do modelo SHAC mesmo quando ele não é estrategicamente efetivo. Falhas podem ser tão instrutivas quanto sucessos; infelizmente, como elas são esquecidas mais rapidamente, tendem a ser repetidas de novo e de novo. Por isso, qualquer consideração sobre o modelo SHAC deve ter em mente o exemplo do Root Force.

Root Force surge dos círculos do Earth First! Anos atrás, com a intenção de promover uma campanha no estilo SHAC, mirando a infraestrutura do capitalismo global, um objetivo exponencialmente mais ambicioso que fechar a HLS. Os organizadores pesquisaram as empresas envolvidas em projetos de infraestrutura sensíveis como rodovias transnacionais e usinas elétricas. Foi criado um site para divulgar essas informações e quaisquer ações que fossem realizadas; eventos foram realizados por todo o país para divulgar o projeto. Parecia que todas as peças estavam em seus devidos lugares, e mesmo assim, nada aconteceu.

No começo de 2008, Root Force publicou uma declaração sob o título de “Uma Estratégia Revisada” na qual reconhecia que seus esforços haviam falhado em produzir uma campanha de ação direta efetiva e descreveu suas dificuldades de tentar inspirar ações contra projetos de infraestrutura localizados a uma distância tão grande que parecem totalmente abstratos.

Root Force não entendeu como campanhas de ação direta ganham fôlego. Tanto a ação quanto a inação, são contagiosos. Se algumas pessoas estão comprometidas o suficiente com uma causa a ponto de arriscarem sua liberdade, outros podem vir a fazer o mesmo; ninguém deseja se isolar, uma estratégia razoável sozinha não é o suficiente para inspirar ações. Uma ação direta séria, devidamente bem publicizado pela Root Force teria valido cem eventos de divulgação.

A campanha da Root Force teve outras falhas. Se o objetivo era simplesmente dar aos participantes algo para fazer, a estratégia foi tão boa quanto qualquer outra; mas se eles tinham esperanças de impedir a construção de qualquer rodovia ou usinas de energia essenciais para a expansão do mercado capitalista, eles teriam de mobilizar muito mais força que a campanha SHAC. Se os alvos que escolheram realmente fossem de importância crítica para os poderosos, o governo teria mobilizado todos seus recursos para os defender. Exagero na escala é o erro número um dos movimentos de resistência: ao invés de optar por objetivos alcançáveis e lentamente construir através de suas vitórias, os organizadores cavam a própria derrota ao pular diretamente para um embate final com o capitalismo global. Nós podemos lutar e vencer batalhas ambiciosas, mas pra isso precisamos reconhecer de forma realista nossas capacidades.

Outras abordagens inspiradas pela SHAC se caracterizaram pela ênfase nos protestos na frente da casa de alvos. Por exemplo, nos últimos anos, manifestantes anti-FMI e o World Bank têm experimentado com protestos na frente77 da casa de executivos e financiadores. Em 2006, enquanto Paul Worfowitz era presidente do World Bank, houve uma série de manifestações na casa de sua namorada; eventualmente ela se mudou. Isso não parece ter impactado o FMI no mesmo nível que levantes antiglobalização ao redor do mundo. Sarcasmo à parte, há pouco a se ganhar ao assediar pessoas como Wolfowitz: diferente dos alvos terciários que a SHAC mirava, eles não vão simplesmente levar seus negócios pra outro lugar.

De maneira similar, durante a Convenção Republicana de 2004, alguns organizadores chamaram por protestos com foco em assediar delegados. O risco dessa abordagem é que ela pode retratar o conflito como uma rixa mesquinha entre os manifestantes e as autoridades, ao invés de um movimento social que é capaz de atrair participação massiva. Assim como Wolfowitz, delegados republicanos dificilmente vão se aposentar porque meia dúzia de manifestantes gritou com eles, e mesmo se alguns se aposentassem, eles seriam substituídos instantâneamente. Uma proposta para os protestos na RNC em 2008 envolvia ativistas mirando empresas que prestavam serviços a convenção. Mirar empresas prestando serviços talvez tivesse ajudado a dar fôlego ao que viria, mas é pouco provável que essas ações fossem capazes de privar uma organização tão podersa como o Partido Republicano, dos recursos necessários. O mesmo vale para propostas de mirar nas empreiteiras do ramo de armamentos, servindo o exército dos EUA, pode ser algo excitante para os manifestantes fazerem, mas ninguém deveria subestimar o que seria necessário para fazer uma corporação como a Boeing cortar laços com os militares dos EUA.

Alguns enxergam a Rising Tide e a Rainforest Action Network como campanhas contra o bank of América como parentes da campanha SHAC; embora sejam descendentes diretas de campanhas ambientais que a precederam, também adotaram assediar alvos secundários. No fim de 2008, num contexto de caos econômico, Bank of America declarou que estaria deixando de financiar empresas que se envolviam majoritariamente com mineração no cume de montanhas. Por mais insincera que essa declaração seja, ela indica que a campanha obrigou o BOA a tomar uma inciativa. Ambientalistas em Indiana obtiveram menos sucesso tentando parar a construção da rodovia I-69 via uma combinação protestos em residências e escritórios, e táticas de ocupação de floresta. Em “A Revised Strategy”, Root Force cita a I-69 como um projeto de infraestrutura essencial; seria interessante ver como o estado responderia caso a luta contra a I-69 tivesse ganho força.

Com tudo isso, não queremos dizer que o modelo SHAC não pode ser aplicado efetivamente, mas enfatizar que ativistas devem ser intencionais e estratégicos sobre onde e como fazê-lo. É provável que existam situações em que o modelo pode alcançar ainda mais do que foi capaz com a SHAC; sem dúvidas existem outros contextos em que ele pode ser contraproducente.

Repetimos, a campanha SHAC nos EUA envolveu apenas umas poucas centenas de participantes; uns poucos milhares possivelmente poderiam enfrentar um adversário maior. Mesmo forçar o governo a resgatar uma empresa da falência, pode ser considerado uma importante vitória. Até hoje, ainda não sabemos onde serão encontradas aplicações eficazes do modelo SHAC para além da campanha onde teve origem.