parte I publicada aqui.
O Futuro da SHAC
Apesar
dos contratempos e sérios desafios que encontra nos Estados Unidos, a
campanha SHAC continua até hoje. Algumas organizações regionais
permanecem ativas, e ações autônomas continuam acontecendo, mas não
existe organização em termos nacionais, não existem mais newsletters,
nem sites confiáveis para publicizar alvos e reportar ações.
Consequentemente existem menos alvos estratégicos e eventos nacionais, o
que leva a um menor alcance e dificulta a criação de redes. O ponto
positivo é que essa configuração torna mais difícil para as empresas
saberem quem precisam intimar judicialmente, mas esse é um ponto
positivo bastante limitado.
Esse declínio pode ser atribuído de
maneira geral a repressão do governo e de maneira mais específica ao
julgamento dos Sete da SHAC. O medo de repercussões legais aumentou ao
mesmo tempo em que os principais organizadores foram tirados de ação.
Com novas leis locais proibindo piquetes em residências, e o Animal
Enterprise Terrorism Act de 2016 tornando ações contra alvos terciários
interestaduais ilegais, muitas táticas que antes envolviam baixo risco
hoje não são mais viáveis.
Agora que formas mais públicas de
organização estão sendo punidas de maneira mais agressiva, parece
possível que a próxima geração de ativistas pela libertação animal terá
mais foco em táticas clandestinas. Uma das características mais fortes
da campanha SHAC era a combinação de abordagens públicas e clandestinas,
então essa não é necessariamente uma boa notícia para o movimento.
É
bastante surpreendente que a HLS ainda exista; meia década atrás,
organizadores da SHAC deviam estar apostando em já ter vencido a essa
altura. Quando a Stephens Inc. retirou seu investimento, seus
empréstimos eram tudo o que mantinham a HLS em pé; foi apenas outra
intervenção do governo britânico que permitiu a HLS negociar um
refinanciamento e continuar existindo. Essencialmente, a SHAC venceu,
mas teve sua vitória roubada. A mesma situação aconteceu quando a SHAC
forçou a Marsh Inc. a retirar sua participação, e HLS foi posta na
situação de talvez ter de operar sem os seguros obrigados por lei. Outra
vez, o governo britânico interveio, e a HLS obteve uma cobertura sem
precedentes pelo Departamento de Comércio e Indústria. Sem a proteção
desse bastião do poder, HLS já teria desaparecido há muito tempo, mas é
precisamente pra isso que governos existem: para proteger corporações e
preservar a tranquilidade do funcionamento do sistema capitalista.
Talvez tenha sido inocente acreditar que os governos dos EUA e da
Inglaterra permitiriam que mesmo a mais feroz das campanhas de
libertação animal pudessem encerrar os negócios de uma empresa
influente. Não é possível lutar como se não houvesse amanhã,
indefinidamente, e as repetidas vezes que a HLS voltou dos mortos deve
ter sido o suficiente para enlouquecer os organizadores mais antigos da
SHAC, que deram tudo de si várias vezes no que sempre parecia ser o
golpe final. Os participantes não tem acordo sobre quão significante foi
o fator da exaustão, mas seria tolice desconsidera-lo. A campanha SHAC
tem sido orientada como ativismo em tempo integral desde o começo, a
mentalidade sendo, da mesma forma que os funcionários da HLS trabalham
todos os dias, seus oponentes deveriam trabalhar no mínimo com o mesmo
afinco. Artigos como “Rotina de Exercícios do SHACtivista” indicam uma
abordagem com bastante pressão, que provavelmente se correlaciona com o
alto nível de exaustão. Por mais difícil que seja, encontrar diferença
entre os efeitos da exaustão do medo da repressão, muitos ativistas se
afastaram da SHAC não voltaram a se aproximar de outras campanhas. A
SHAC continua ativa no continente europeu e na América Latina, e
incansável na Inglaterra. A campanha britânica da SHAC talvez ofereça um
melhor modelo de como lidar com a repressão federal; parece que os
ativistas britânicos já estavam preparados para isso, com pessoal pronto
para assumir os postos de organizadores centrais, e mais abertos para o
envolvimento de novas pessoas. Mas a Inglaterra é mais densamente
populosa que boa parte dos Estados Unidos e tem uma história mais rica
de luta pelo direito dos animais , então é injusto comparar tão de perto
as duas campanhas.
A SHAC um dia vai conseguir fazer a HLS fechar
as portas definitivamente ? É possível, apesar de que parece menos
provável do que parecia alguns anos atrás. Alguns ainda acreditam que o
mais importante é fechar a HLS custe o que custar, para obter uma
vitória que inspiraria ativistas e aterrorizaria executivos pro décadas.
Outros pensam que a HLS fechando ou não, a SHAC serviu seu propósito,
demonstrando a força e as limitações de um novo modelo de organização
anticapitalista.
Características do Modelo SHAC
Quando
as pessoas pensam na SHAC, elas pensam em protestos na frente da casas
de empregados e investidores; alguns anarquistas não se referem a nada
além disso quando citam o “modelo SHAC”. Mas manifestações na frente de
residências são uma pequena parte do que permitiu a SHAC aterrorizar a
HLS. Para compreender o que fez a campanha efetiva, nós precisamos olhar
para a totalidade de suas suas características essenciais.
• Alvos secundários e terciários:
O objetivo da campanha SHAC era negar a HLS sua estrutura de apoio.
Assim como um organismo vivo depende de todo um ecossistema para
recursos e relações que o mantém vivo, uma empresa não consegue
funcionar sem investidores e parceiros de negócios. Nesses ternos, mais
do que em qualquer boicote, destruição de patrimônio, ou campanha
pública, a SHAC confrontou a HLS da maneira mais ameaçadora possível
para uma empresa. A Starbucks poderia pagar facilmente dez mil vezes o
prejuízo das vidraças quebradas pelos blackblocs durante os protestos de
Seattle, mas a história seria bem diferente se ninguém repusesse
aqueles vidros, ou se os vidros quebrados fossem das casas dos
investidores, fazendo com que ninguém quisesse investir na empresa. Os
organizadores da SHAC aprenderam as maquinações internas da economia
capitalista, assim atacavam de modo mais estratégico.
Alvos
secundário e terciários funcionam pois os alvos não tem um interesse
tão firme em continuar seu envolvimento com o alvo primário. Existem
outros lugares para onde eles podem levar seus serviços, e não há nada
que os impeça. Esse é um aspecto vital para o modelo SHAC. Se uma
empresa está sendo pressionada, ela irá lutar até a morte, e nada além
da força bruta que cada parte é capaz de exercer sobre a outra fará
diferença; o que não tende a ser vantajoso para os ativistas, já que
empresas podem acionar a polícia e o governo. É por isso, que exceto
pelo incidente com os cabos de machado, tão poucos esforços na campanha
SHAC foram direcionados a HLS em si. Em algum lugar entre o alvo
primário e as empresas associadas que provém sua estrutura de apoio,
parece haver um nervo exposto, onde a ação se torna mais efetiva. Pode
soar estranho agir contra alvos terciários que não tem conexão direta
com os alvos primários, mas incontáveis aliados da HLS cortaram relações
após um de seus clientes sofrer algum constrangimento.
• Relação de apoio entre ações públicas e clandestinas:
Mais do que qualquer outra campanha de ação direta na história recente,
a campanha SHAC alcançou uma simbiose perfeita entre organização
públicas e ações clandestinas. Para esse fim, a campanha era
caracterizada por um uso bastante sofisticado da tecnologia e networking
moderno. Os sites da SHAC disseminavam informações sobre alvos e
ofereciam um fórum para relatos de ações para aumentar a moral e as
expectativas, permitindo que qualquer um simpático aos objetivos da
campanha pudesse contribuir, sem chamar atenção para si.
• Diversidade de táticas:
Ao invés de colocar um tipo de tática em oposição a outra, a SHAC
integrou todas as táticas possíveis em uma campanha, onde cada abordagem
complementava a outra. Isso significava que seus participantes podiam
agir dentro de uma gama ilimitada de opções, o que manteve a campanha
acessível para um público amplo e preveniu conflitos desnecessários.
• Alvos concretos, motivações concretas: O
fato de que haviam animais específicos sofrendo, cujas vidas podiam ser
salvas por ação direta específica, tornou essas questões concretas e
deu a campanha um senso de urgência que se traduziu em uma vontade de
alguns dos participantes de arrancarem a si mesmos de suas zonas de
conforto. Do mesmo modo, a cada conjuntura na campanha SHAC, haviam
objetivos intermediários que podiam facilmente serem alcançados, assim a
tarefa monumental de enfraquecer toda uma empresa nunca pareceu algo
grandioso de mais. Isso contrasta drasticamente com o modo como o
impulso de certos círculos do anarquismo verde morreu após a virada do
século, quando os objetivos e alvos se tornaram muito vastos e
abstratos. Até então era fácil para indivíduos motivarem a si mesmos a
defender árvores e áreas naturais específicas, mas uma vez que o
objetivo de alguns participantes se tornou “destruir a civilização” e
qualquer coisa menor que isso fosse mero reformismo, se tornou
impossível construir qualquer ação significativa.
Vantagens do Modelo SHAC
Quando
o modelo criado pela SHAC é aplicado corretamente, suas vantagens são
óbvias. Ela atinge corporações onde elas são mais vulneráveis: empresas
não fazem o que fazem por terem compromissos éticos ou para manter certa
imagem na opinião pública, seu único objetivo é a busca por lucro, e o
modelo SHAC foca exclusivamente em trazer prejuízos a empresa. Se
tratando da construção e manutenção de uma campanha de ação direta a
longo prazo, o modelo SHAC oferece direção e motivação aos
participantes, apresentando um modelo para ações menos abstratas e mais
concretas. O modelo SHAC contorna o conflito sobre táticas, oferecendo a
oportunidade para ativistas com diferentes capacidades e níveis de
conforto trabalharem juntos. Ao estabelecer uma ampla gama de alvos,
isso dá aos ativistas a oportunidade de escolher a hora, o lugar e o
caráter de suas ações, ao invés de estarem constantemente reagindo ao
seus inimigos. Acima de tudo, o modelo SHAC é eficiente: em nenhum
momento a SHAC USA teve mais do que umas poucas centenas de
participantes ativos.
Em contraste com a maioria das estratégias
de organização, o modelo SHAC tem uma abordagem ofensiva. Ela oferece um
meio de atacar e derrotar projetos capitalistas bem estabelecidos,
tomar iniciativa, mais do que apenas responder ao avanço do poder
empresarial. A SHAC não surgiu motivada a impedir a construção de um
novo laboratório de testes de animais ou a aprovação de algumas leis,
mas para derrotar e destruir uma empresa de testes em animais que já
existia há décadas. O modelo SHAC pede e incentiva uma cultura que não
apenas celebra a ação direta mas que constantemente age através dela,
encorajando os participantes a irem além de seus limites. O que se
contrasta drasticamente com os círculos auto intitulados
insurrecionarios, onde anarquistas falam muito sobre se rebelar e
resistência sem entrar no confronto diário com os poderes que nos
oprimem. Ativistas Antiglobalização em Chicago as vezes pediam aos
organizadores da SHAC pra puxarem palavras de ordem em seus protestos,
por conta da fama que tinham de serem enérgicos e confiantes: os que
afiaram seus dentes na campanha SHAC, se não se afastaram totalmente das
atividades de ação direta, estão equipados para serem efetivos em um
espectro amplo de contextos. Uma vantagem mais discreta do modelo SHAC é
que ele deixa nítido as tenções de classe que geralmente estão abaixo
do radar nos EUA. Ativistas de classe média baixa, e de contextos
trabalhadores podem considerar confortante usar o pixo como maneira de
desafiar executivos ricos em seu próprio território. Isso também expõe
os ativistas de uma causa só a suas interconecções com a classe
dominante. Ao visitar a casa de executivos, é possível descobrir que
todas empresas farmaceuticas e de investimentos estão conectadas: todos
possuem ações das companhias uns dos outros, eles sentam nas mesmas
mesas de diretoria, e vivem e suas idênticas mansões suburbanas em
condomínios de muros altos.
Por fim, o modelo SHAC tomou vantagem
de oportunidades oferecidas por eventos e comunidades maiores. Os
protestos na frente das casas geralmente aconteciam após uma assembleia
ou show; o imenso número de potenciais alvos significava que sempre
havia algum não muito distante.
Por muitos anos, protestos da SHAC
aconteciam durante a National Conference on Organized Resistance em
Washington, DC, e também aconteceram após os protestos
anti-biotecnologia na Philadelphia e Chicago.
Algumas vezes essa
tática causou conflitos com outros organizadores, não é preciso mais do
que duas dúzias de pessoas para fazer um protesto efetivo em uma zona
domoiiliar, então sempre foi muito fácil criar a situação.
A SHAC
em si, tende a criar e repercutir uma subcultura própria, completa com
pontos de referência internas e rituais. Em assembleias e eventos
maiores, ativistas comparavam anotações sobre investidores, campanhas
locais, e problemas judiciais. Cenas musicais simpáticas ajudaram a
financiar organizações e a trazer sangue novo para a campanha. Seria
difícil imaginar a campanha SHAC nos EUA sem a cena do hardcore das
últimas duas décadas, que constantemente serviu como base social para os
militantes dos direitos dos animais. Certamente existem pontos
negativos em aproximar tanto uma campanha a uma subcultura da juventude,
mas é melhor atrair participantes e fôlego de uma comunidade do que de
nenhuma.
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Falsas Polêmicas
Alguns
anarquistas, impulsivamente acusaram a SHAC de reformismo. Isso é um
absurdo: o objetivo da SHAC não é de mudar a maneira como a HLS conduz
seus negócios, mas acabar totalmente com a empresa. É mais preciso
descrever a SHAC como uma campanha abolicionista: sendo incapaz de
acabar com a exploração animal de um só golpe, ela busca alcançar o
passo mais ambicioso e plausível dentro deste fim. De forma similar,
alguns críticos entediados ridicularizaram os esforços de libertação dos
animais com o argumento de que eles seriam “ativistas”, implicando que
isso seria algo inerentemente ruim. Os que adotam essa posição deveriam
dar uma passo adiante e assumir que eles não se comovem com a opressão
de outras criaturas vivas e não enxergam valor em tentativas de encerrar
esse sofrimento, o que quer dizer que, eles dificilmente sejam
anarquistas.
Desvantagens e Limites
Falsas acusações à parte, o modelo SHAC têm limitações reais, que merecem ser examinadas.
Primeiro,
existem alguns pré requisitos sem os quais ela irá falhar. Por exemplo,
o modelo SHAC não pode ser bem sucedido fora de um contexto onde a ação
direta seja aplicada regularmente. Todo pensamento estratégico do mundo
é inútil se ninguém está de fato disposto a agir. Nos círculos dos
militantes pelo direitos dos animais, as questões em jogo eram
entendidas como concretas e urgentes o suficiente para participantes
serem motivados a assumir riscos regularmente; sem essa motivação, a
campanha SHAC não teria saído do chão. Do mesmo modo, o modelo SHAC não
tem poder contra alvos que não dependam de alvos secundários e
terciários, ou que tenha um suprimento infinito deles para escolher.
Acima de tudo, os alvos secundários e terciários devem ter outro lugar
para onde levar seus negócios, o modelo SHAC depende do resto do mercado
capitalista oferecendo melhores opções. Nesse sentido, embora não seja
reformista, ela também não oferece uma estratégia para combater
frontalmente o capitalismo.
Em segundo lugar, por mais eficazes
que sejam em termos puramente econômicos, os alvos secundários e
terciários põem o local do confronto longe da causa pela qual os
participantes estão lutando. Falando e maneira geral, quanto mais
abstrato o objeto da campanha, pior para a moral. Muito vitalidade das
lutas por defesa ecológica nos anos 80 e 90 vem da conexão imediata,
visceral, que os defensores da floresta experenciaram com a terra que
estavam ocupando; quando o ativismo pelo meio ambiente começa a se mover
para terrenos mais urbanos uma década atrás, ele perdeu parte de seu
ímpeto. Talvez seja específico para a campanha SHAC que os participantes
sejam capazes de manter sua revolta e audácia mesmo tão longe do objeto
de sua preocupação; é arriscado assumir que isso sempre acontecerá em
outros contextos.
Exceto por esses desafios, o modelo SHAC talvez
seja inefetivo justamente por sua efetividade. É razoável mirar em
fechar empresas poderosas, ou o governa sempre irá interceder ? É
possível que por se apresentar como uma ameaça para as empresas, em
termos econômicos, que o modelo SHAC compre uma briga que não pode
vencer. Uma vez que o governo tenha se envolvido em um conflito, é
preciso mais que uma rede de militantes para vencer, é necessário todo
um movimento social de larga escala, e a abordagem da SHAC sozinha não é
capaz de dar origem a algo assim. Nesse caso, a maior força do modelo
SHAC é também sua maior vulnerabilidade.
O tempo dirá se a
HLS foi um alvo muito ambicioso; a empresa ainda pode vir a colapsar.
Mesmo assim, provavelmente seria inteligente que os próximos a
experimentar com o modelo, escolher objetivos menores, e não algo ainda
mais ambicioso, já que a campanha SHAC em si, ainda não foi bem
sucedida. Talvez um terreno inexplorado aguarde entre fechar lojas de
peles específicas e tentar fechar a maior empresa de testes em animais
da Europa. Isso não quer dizer que o modelo SHAC é inútil caso não
resulte no fechamento de seu alvo. As vezes é válido lutar e perder em
uma batalha para desencorajar um oponente de começar outra batalha; em
outros momentos, mesmo ao perder, é possível ganhar experiência e
aliados valiosos. Ironicamente o modelo SHAC talvez seja mais efetivo em
recrutar pessoas para organizar ação direta, do que para seu suposto
objetivo, precisamente porque, ao contornar o recrutamento e focar em
outros objetivos, isso atrai participantes que são sérios e
comprometidos.
Mas se o objetivo for trazer mais
pessoas a organização de ação direta ao invés de simplesmente fechar uma
única empresa, existem desafios relevantes a serem considerados, por
exemplo o alto nível de stress e a propensão ao burnout. Nesse sentido,
não é necessariamente uma vantagem que o modelo SHAC ensine ativistas a
pensar dentro da mesma lógica que economistas capitalistas (eficiência,
economia, cadeia de comando) ao invés de priorizar as habilidades
sociais necessárias para construir comunidades de resistência a longo
prazo.
Assim como, ao focar em alvos secundários e terciários, o
modelo SHAC enfatiza e recompensa uma atitude agressiva que é menos
vantajosa em em outras situações. Quais são os efeitos psicológicos de
longo prazo nos participantes que passaram metade de uma década ou mais,
gritando em um megafone na frente da casa de funcionários ? Que tipo de
pessoas são atraídas para uma campanha que consiste primariamente em
tornar a vida de outras pessoas um pesadelo ? Não podemos deixar de
apontar que alguns anarquistas relataram interações frustrantes com
organizadores da SHAC.
Considerando o modelo por uma perspectiva
anarquista, com qual intensidade a abordagem da SHAC tende a consolidar
ou contestar hierarquias ? A segurança necessária para ações diretas
clandestinas podem incentivar um tribalismo que se intensifica conforme
aumenta a repressão, impedindo assim a campanha de atrair mais
participação justamente quando for mais necessário. Hierarquias
informais são um problema em todos tipos de organizações, aqueles que
fazem pesquisas geralmente tem uma influência desproporcional sobre a
direção da campanha e acabam sendo responsáveis pode tomadas de decisões
que tem efeitos no logo prazo.
É possível argumentar que o foco
numa só questão e a natureza focada em objetivos práticos da campanha
SHAC não age contra outra hierarquia que não a opressão dos animais. Não
é segredo que grupos organizados dentro da SHAC foram destruídos por
conflitos sobre dinâmicas de gênero e nem todos participantes foram
responsabilizados por seus comportamentos. Em uma campanha que enfatiza a
sobretudo vitória, isso não é surpreendente, se vencer é o mais
importante, é fácil abafar conflitos internos, especialmente com a
adição do stress da repressão federal. Inevitavelmente, as pessoas que
tiveram más experiências afastam-se da campanha, levando junto as
críticas que outros deveriam ouvir.
Essas prioridades
questionáveis também se manifestaram em algumas táticas de mau gosto. Em
um caso, um alvo que estava lutando para escapar do alcoolismo recebeu
uma lata de cerveja com junto com um bilhete; em outro caso a calcinha
de uma mulher foi roubada e supostamente posta a venda. Utilizar a
assimetria de poder da sociedade patriarcal para atingir aliados de
alvos que contribuem para a opressão animal dificilmente serve como
exemplo de luta contra todas as dominações.
Existem outras
questões éticas sobre utilizar alvos secundários e terciários. É
aceitável arriscar aterrorizar ou machucar secretárias, crianças, e
outras parte que não estão diretamente envolvidas ? O que separa
anarquistas de governos e outros terroristas, se não a recusa de aceitar
dano colateral ?
Em essência, a SHAC é um modelo de
campanha de coerção, para ser usada em situações em que não há
possibilidade de outra forma de resolução de conflito. Isso não entra em
conflito com valores anarquistas, quando um opressor se recusa a se
responsabilizar por suas ações, é necessário obriga-lo a parar, e isso
se estende para aqueles que o auxiliam e incentivam. Mas envolver
pessoas que não estão participando diretamente da opressão, é uma área
cinza. Quando um organizador expõe um alvo, não há como saber que tipo
de ações vão ser tomadas. Talvez encerrar a opressão animal pese mais
que esses riscos e custos, mas anarquistas não deveriam ficar muito
confortáveis com esse tipo de racionalização.
Outras Aplicações do Modelo SHAC
Muito
tem se falado de aplicar o modelo SHAC em outros contextos, mas poucos
desses esforços produziram algo comparável com a campanha SHAC. Algumas
reflexões são necessárias. É válido apontar que parte do hype sobre as
possibilidades de aplicação do modelo SHAC vem direto de declarações da
HLS, e por isso deveriam ser tomadas com ceticismo. A HLS não está
interessada em promover novos métodos de ação direta, mas sim em criar
medo o suficiente para que outros membros da classe dominante venham
ajuda-los; assim, quando eles dizem que as táticas da SHAC podem ser
usadas efetivamente contra qualquer alvo, isso não necessariamente é
real. O mesmo vale para análises sensacionalistas de organizações como
Stratfor, cujo objetivo primário para ser aterrorizar o público e
faze-lo sentir necessidade de consumir a “inteligência” que a empresa
vende.
É possível que por conta da campanha SHAC ter se mantido
ativa enquanto outras formas de organização se desmobilizaram, que ela
tenha exercido uma influência desproporcional na imaginação dos
anarquistas, de tal maneira que muitos tendem a imitar o modelo
organizacional do modelo SHAC mesmo quando ele não é estrategicamente
efetivo. Falhas podem ser tão instrutivas quanto sucessos; infelizmente,
como elas são esquecidas mais rapidamente, tendem a ser repetidas de
novo e de novo. Por isso, qualquer consideração sobre o modelo SHAC deve
ter em mente o exemplo do Root Force.
Root Force surge dos
círculos do Earth First! Anos atrás, com a intenção de promover uma
campanha no estilo SHAC, mirando a infraestrutura do capitalismo global,
um objetivo exponencialmente mais ambicioso que fechar a HLS. Os
organizadores pesquisaram as empresas envolvidas em projetos de
infraestrutura sensíveis como rodovias transnacionais e usinas
elétricas. Foi criado um site para divulgar essas informações e
quaisquer ações que fossem realizadas; eventos foram realizados por todo
o país para divulgar o projeto. Parecia que todas as peças estavam em
seus devidos lugares, e mesmo assim, nada aconteceu.
No começo de
2008, Root Force publicou uma declaração sob o título de “Uma Estratégia
Revisada” na qual reconhecia que seus esforços haviam falhado em
produzir uma campanha de ação direta efetiva e descreveu suas
dificuldades de tentar inspirar ações contra projetos de infraestrutura
localizados a uma distância tão grande que parecem totalmente abstratos.
Root
Force não entendeu como campanhas de ação direta ganham fôlego. Tanto a
ação quanto a inação, são contagiosos. Se algumas pessoas estão
comprometidas o suficiente com uma causa a ponto de arriscarem sua
liberdade, outros podem vir a fazer o mesmo; ninguém deseja se isolar,
uma estratégia razoável sozinha não é o suficiente para inspirar ações.
Uma ação direta séria, devidamente bem publicizado pela Root Force teria
valido cem eventos de divulgação.
A campanha da Root Force teve
outras falhas. Se o objetivo era simplesmente dar aos participantes algo
para fazer, a estratégia foi tão boa quanto qualquer outra; mas se eles
tinham esperanças de impedir a construção de qualquer rodovia ou usinas
de energia essenciais para a expansão do mercado capitalista, eles
teriam de mobilizar muito mais força que a campanha SHAC. Se os alvos
que escolheram realmente fossem de importância crítica para os
poderosos, o governo teria mobilizado todos seus recursos para os
defender. Exagero na escala é o erro número um dos movimentos de
resistência: ao invés de optar por objetivos alcançáveis e lentamente
construir através de suas vitórias, os organizadores cavam a própria
derrota ao pular diretamente para um embate final com o capitalismo
global. Nós podemos lutar e vencer batalhas ambiciosas, mas pra isso
precisamos reconhecer de forma realista nossas capacidades.
Outras abordagens inspiradas pela SHAC se caracterizaram pela ênfase nos protestos na frente da casa de alvos. Por exemplo, nos últimos anos, manifestantes anti-FMI e o World Bank têm experimentado com protestos na frente77 da casa de executivos e financiadores. Em 2006, enquanto Paul Worfowitz era presidente do World Bank, houve uma série de manifestações na casa de sua namorada; eventualmente ela se mudou. Isso não parece ter impactado o FMI no mesmo nível que levantes antiglobalização ao redor do mundo. Sarcasmo à parte, há pouco a se ganhar ao assediar pessoas como Wolfowitz: diferente dos alvos terciários que a SHAC mirava, eles não vão simplesmente levar seus negócios pra outro lugar.
De
maneira similar, durante a Convenção Republicana de 2004, alguns
organizadores chamaram por protestos com foco em assediar delegados. O
risco dessa abordagem é que ela pode retratar o conflito como uma rixa
mesquinha entre os manifestantes e as autoridades, ao invés de um
movimento social que é capaz de atrair participação massiva. Assim como
Wolfowitz, delegados republicanos dificilmente vão se aposentar porque
meia dúzia de manifestantes gritou com eles, e mesmo se alguns se
aposentassem, eles seriam substituídos instantâneamente. Uma proposta
para os protestos na RNC em 2008 envolvia ativistas mirando empresas que
prestavam serviços a convenção. Mirar empresas prestando serviços
talvez tivesse ajudado a dar fôlego ao que viria, mas é pouco provável
que essas ações fossem capazes de privar uma organização tão podersa
como o Partido Republicano, dos recursos necessários. O mesmo vale para
propostas de mirar nas empreiteiras do ramo de armamentos, servindo o
exército dos EUA, pode ser algo excitante para os manifestantes fazerem,
mas ninguém deveria subestimar o que seria necessário para fazer uma
corporação como a Boeing cortar laços com os militares dos EUA.
Alguns
enxergam a Rising Tide e a Rainforest Action Network como campanhas
contra o bank of América como parentes da campanha SHAC; embora sejam
descendentes diretas de campanhas ambientais que a precederam, também
adotaram assediar alvos secundários. No fim de 2008, num contexto de
caos econômico, Bank of America declarou que estaria deixando de
financiar empresas que se envolviam majoritariamente com mineração no
cume de montanhas. Por mais insincera que essa declaração seja, ela
indica que a campanha obrigou o BOA a tomar uma inciativa.
Ambientalistas em Indiana obtiveram menos sucesso tentando parar a
construção da rodovia I-69 via uma combinação protestos em residências e
escritórios, e táticas de ocupação de floresta. Em “A Revised
Strategy”, Root Force cita a I-69 como um projeto de infraestrutura
essencial; seria interessante ver como o estado responderia caso a luta
contra a I-69 tivesse ganho força.
Com tudo isso, não queremos
dizer que o modelo SHAC não pode ser aplicado efetivamente, mas
enfatizar que ativistas devem ser intencionais e estratégicos sobre onde
e como fazê-lo. É provável que existam situações em que o modelo pode
alcançar ainda mais do que foi capaz com a SHAC; sem dúvidas existem
outros contextos em que ele pode ser contraproducente.
Repetimos, a
campanha SHAC nos EUA envolveu apenas umas poucas centenas de
participantes; uns poucos milhares possivelmente poderiam enfrentar um
adversário maior. Mesmo forçar o governo a resgatar uma empresa da
falência, pode ser considerado uma importante vitória. Até hoje, ainda
não sabemos onde serão encontradas aplicações eficazes do modelo SHAC
para além da campanha onde teve origem.