Célula, Clique, ou Grupo de Afinidade?

[tradução do capítulo 09 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

O termo “grupo de afinidade” é frequentemente utilizado em círculos anarquistas. Entretanto, existem alguns mal entendidos da natureza exata dos grupos de afinidade e como nós podemos usá-los criar mudanças radicais. Estruturas de grupos de afinidade compartilham algumas características óbvias com células e cliques, apesar deles existirem em diferentes contextos. Pode ser bastante difícil para um observador exterior determinar se um grupo específico de pessoas é uma célula, clique ou um grupo de afinidade, e isso sem dúvidas leva a confusões. Todos os três são grupos compostos por uns poucos indivíduos, digamos, de três a nove, que trabalham juntos, apoiam uns aos outros, e tem uma estrutura tipicamente fechada para pessoas de fora. Dependendo de seus objetivos, eles podem se engajar em uma multiplicidade de projetos, indo do cotidiano ao revolucionário, mas similaridades acabam aí.

Uma célula é parte de uma organização maior ou um movimento com uma política ideológica unificada. Geralmente células recebem instruções de uma comunidade maior, da qual fazem parte. Geralmente, células são orientadas pelo “trabalho”, e não entendem a socialização como um objetivo primário. Células específicas são conectadas umas com as outras (da mesma organização) por uma visão compartilhada, apesar de empregarem uma vasta gama de táticas.

Um clique, por outro lado, é um grupo de pessoas que isolaram a si mesmos de uma comunidade ou organização maior. Cliques sociais são comuns; bons exemplos podem ser encontrados em qualquer escola de ensino médio em grupos como esportistas, preppies, ou nerds. Os cliques tendem a ser isolados e preferirem criar limites rígidos entre eles mesmos e o resto da comunidade com a qual estão associados. Cliques raramente tem um foco em trabalho ou projetos.

Grupos de afinidade são coletivos autônomos de indivíduos que compartilham uma visão particular. Apesar da visão não necessariamente ser idêntica entre seus membros, um grupo de afinidade compartilha certos valores e expectativas comuns. Grupos de afinidade surgem de comunidades maiores, sejam eles ambientalistas em uma bio região específica ou membros de um grupo de hip-hop que se apresentam juntos. Dois grupos de afinidade surgindo da mesma comunidade podem ter interesses, táticas e perspectivas bastante diferentes. Essa variedade é incomum entre células. Grupos de afinidade mantém uma forte conexão com suas comunidades natais e geralmente buscam formas de se conectar com outros grupos de afinidade e organizações naquela comunidade. Dessa forma, se diferem dos cliques que buscam separar. Um grupo de afinidade também pode trabalhar de perto com outros grupos fora de sua comunidade original.

Grupos de afinidade têm a vantagem política de serem capazes de criar conexões que unem diversas comunidades. Apesar de grupos de afinidade geralmente serem grupos fechados (um criticismo comumente trazido pelos dinossauros), a maioria dos anarquistas se sentem confortáveis sendo parte de múltiplos grupos de afinidade. Essas interconexões pessoais entre grupos de afinidade podem promover uma maior afinidade entre diversas comunidades e gerar solidariedade significativa. Esse é o efeito da “polinização cruzada”. Por exemplo, um membro de um grupo de afinidade de ação direta que também é membro de um coletivo de mídia feminista podem criar oportunidades para ambos os grupos. O coletivo de mídia pode se tornar mais militante enquanto o grupo de ação direta pode se tornar mais aberto a práticas e ideias feministas. Invés de tentar fundir ação direta, mídia, e feminismo militante em um desajeitado super-grupo, a ativista pode seguir buscando seus múltiplos interesses em dois grupos que focam em seus principais interesses. Paradoxalmente, esses grupos de afinidade fechados oferecem um local seguro e acolhedor para afinidades mais amplas e desenvolverem, assim criando uma rede mais ampla de apoio mútuo, compreensão e apoio.

Enquanto é importante compreender as limitações contextuais dos modelos de célula e clique, é um erro descartar os grupos de afinidade por serem elitistas ou fechados. Grupos de afinidade oferecem imensas possibilidades por aumentar o número de conexões entre comunidades, enquanto oferecem um ambiente acolhedor para que as pessoas busquem seus interesses e afinidades particulares.