“A PALAVRA SUBVERSIVA ESCRITA” pelo prisioneiro anarquista Toby Shone

Publicado em 25/04/2024 por darknights

Contribuição do camarada anarquista Toby Shone da prisão de Garth (Reino Unido), para o debate “Thought and Action (“Pensiero e Azione”) – Repressive Attacks on the Anarchist Written Word” [1] organizado pelo Tattoo Circus em El Paso Occupato, Turin (Itália), de 09 a 10 de Março de 2024

A PALAVRA SUBVERSIVA ESCRITA

Queridos camaradas,

Aqui quem escreve é Toby Shone, anarquista preso na operação Adream, uma investigação antiterrorista mirando o projeto de contra informação 325. Estou ligando de uma prisão no nordeste da Inglaterra, é uma pena longa, em uma prisão de alta segurança, e é precioso que podemos roubar estes momentos.

Como vocês talvez já saibam, a Operação Adream foi uma ataque repressivo do estado do Reino Unido onde três moradias coletivas, a casa de uma família e um depósito foram invadidos pela polícia. Eu fui acusado de ser o administrador do 325.nostate, o que me rendeu quatro acusações de terrorismo: seção 2 (distribuição de publicações terroristas), seção 15 (financiar terrorismo) e duas instâncias de seção 58 (possessão de informação com possibilidade de ser útil a propósitos de terrorismo). Também fui acusado de várias ações diretas e pertencer a FAI, ELF e ALF [2]. Centenas de policiais se envolveram nas invasões simultâneas e apesar disso, apenas um dos camaradas foi brevemente detido e em seguida liberado por falta de evidências. Está nítido, por meio das condições de prisão em que me encontro e do monitoramento constante, que uma investigação ativa continua, com rastreios e vigilância de companheiros do lado de fora, além da vigilância de espaços sociais anarquistas.

Por que isso está acontecendo? É porque o anarquismo é uma ameaça a ordem tecnocrática em vigor, nossos grupos de ação direta têm uma realidade palpável, mesmo que mínima, em comparação com a tarefa a ser realizada, e a constelação de contra informação continua a brilhar nas noites escuras e se tornam mais fáceis de se usar e navegar. Publicações anarquistas são vistas como uma empreitada inaceitável pela polícia e serviços de inteligência. As reportagens sobre ações diretas anarquistas, lutas sociais e revoltas, por formarem uma narrativa de subversão, são indiscutivelmente alvo de tanta repressão quanto a dirigida a aqueles que realizam os atos relatados. É uma estratégia que existe há muito tempo. No caso da Operação Adream, a polícia estava assustada pela retórica explicitamente anarco insurrecionalista e anti-civilização combinada com a distribuição de publicações eletrônicas e em papel. Durante os interrogatórios uma das principais preocupações dos detetives era sobre o propósito das publicações anarquistas em papel. Todos os documentos eletrônicos têm uma assinatura digital forense conhecida como valor hash, que pode ser rastreado através da internet e dispositivos mesmo se deletado. As publicações em papel, por outro lado, não podem ser rastreadas à medida que são distribuídas; uma investigação sobre elas requer material forense e um inquérito policial tradicional: o que demanda mais recursos, dinheiro e pessoal e, especialmente, as iniciativas de publicação clandestina que podem ter um cronograma irregular de publicação e métodos “informais” de distribuição.

Isso nos leva de volta ao propósito das publicações anarquistas: cópias de papel existem e têm o poder, conforme são passadas de mão em mão, de terem uma realidade material impactante. Eles também acumulam traços forenses, os livros, as revistas, e panfletos sobre os quais estamos falando, ideias perigosas, que podem inspirar nossas vidas. O tempo de duração delas é diferente das publicações digitais, e nós podemos perceber isso. Com nossas publicações, mesmo se estiverem condenadas a estar em bibliotecas universitárias, livrarias convencionais, ou pior, museus e galerias de arte, elas sempre vão se manter controversas ou mesmo ilegais em alguns casos. O propósito delas é a guerra social e a destruição do Estado. Nos arquivos da investigação da Operação Adream, dúzias de publicações anarquistas foram citadas, muitas das quais podemos tomar por garantido, são distribuídas livremente em feiras anarquistas, okupas, centros sociais e bancas de eventos. Ainda assim, para a polícia, para a unidade especial e promotores, essas publicações são parte de uma conspiração amorfa que tem como objetivo a derrubada das instituições, o que é correto, mas não exatamente da forma perversa como eles desejam interpretar. Explicando: nós comumente somos confrontados pelo modelo repressivo que atribui o papel de “liderança” a teóricos e escritores. Eles são acusados de dar ordens e instruções e então as células e cadres que executam essas ordens. Eu não preciso dizer que isso é uma ofensa à prática anarquista, mas essa foi nitidamente uma linha de questionamento que a divisão de contra terrorismo me apresentou. A posse de uma revista 325 implica afiliação a uma organização? Essa organização executa as ações? E essa organização é parte de uma infraestrutura terrorista maior? Foi esse tipo de perguntas que me fizeram. Com essas estratégias, marionetes da repressão são formadas, organizadas em estruturas hierárquicas que refletem suas mentes febris. Então, nesses interrogatórios os investigadores focaram alguns momentos em me perguntar sobre funções administrativas, fluxos de tomada de decisão, números estatísticos, demografias alvo, pesquisa e linguística, ou traduções. Sobre o último, os policiais queriam saber quem era responsável pelas traduções, como eles se organizavam, e quem decidia oquê seria traduzido.

A que ponto o nível de repressão é igual ao das ações? Para mim, a resposta é óbvia. O nível de repressão atual é muito maior do que a repressão à ação direta anarquista. É da natureza da repressão do Estado buscar ser esmagadora e nossa luta permanece sendo apenas uma minoria ativa. No Reino Unido o silêncio e a falta de ação denota a morte da vida social. Mas não foi sempre assim. E o futuro permanece a ser escrito. É por isso que a infiltração policial continuará a tentar prevenir rupturas e ataques individuais. É impossível separar a Operação Adream das consequências de mais de uma década de ação direta anarquista e revoltas sociais em Bristol. Embora estas coisas estejam em baixa no momento, não significa que vão continuar assim. O anarquismo continua parte do tecido social na região sudeste. E onde os relatos, comunicados e análises são publicados, vão permanecer como prioridade na lista de alvos do Estado. As centenas de milhares de editoras ao redor do mundo, são parte da rede do anarquismo contemporâneo, contribuindo para a nossa habilidade de nos mantermos relevantes e expandindo.

Grandes mudanças estão em andamento na sociedade, e multidões descontentes têm a possibilidade de formar uma necessária resistência vital. A nova crítica anarquista à alta tecnologia é citada por várias agências de inteligência, de Estados e privadas, como tendo a habilidade de infectar a população com uma raiva profunda ao futuro digital. Esse futuro que está sendo planejado por patrões é um vasto estado de vigilância que é parte de uma matriz cibernética, onde máquinas estão tomando o lugar de humanos, e a inteligência artificial se inseriu em todos os lugares possíveis. Da mesma forma, podemos ver que os próprios seres humanos têm se tornado mais como máquinas, e seu ambiente está degradado e poluído. Cada vez mais podemos falar sobre a realidade do total fracasso de inúmeros sistemas sociais, dado o colapso ecológico e econômico e a mudança pós-industrial. Grandes territórios mudificados por inundações, secas e tempestades intensas. Desafios sem precedentes se apresentam rapidamente com efeitos terríveis em pontos críticos para a agricultura, conflitos geopolíticos e mais. Nossas publicações e redes de contra-informação são uma forma direta e na qual podemos comunicar nossas análises e métodos de organização. A repressão conhece o perigo do contágio dessa mensagem, e a narrativa que leva. O fato de ilegalizarem nossas publicações e tentarem impor sentenças exemplares é apenas um meio e um fim para eles. E é isso que sempre enfrentamos, se somos efetivos, enfrentamos repressão, morte. É isso que tantos camaradas enfrentam ao redor do mundo agora mesmo. Essencialmente, alguns de nós tem vivido sob vigilância e investigação por tanto tempo, que tudo que podemos fazer foi considerado crime, mesmo existir. Vale a pena escrever sobre isso e quando nós lemos e compreendemos mais sobre oque outros estão confrontando e como, nós podemos conquistar nosso poder.

Por último, quero falar sobre a censura que estou enfrentando aqui. Já que tem sido característica da minha prisão e também é parte do tópico que estamos discutindo. Muitos camaradas encontram problemas com suas correspondências e recebimento de publicações. Isso não é incomum. Por isso é válido dizer que tive meu acesso negado à maioria da minha correspondência e livros que me foram enviados. Mesmo que eu esteja recebendo negativas pela administração atual da prisão. Essa é a força dos nossos boletins, nossos livros, nossas cartas trocadas com camaradas, elas assustam o inimigo. No meu caso, também tendo negado acesso a documentos e livros socialistas, marxistas autônomos, e comunistas, que me foram enviados por pessoas da esquerda radical em solidariedade, assim como livros sobre história negra, justiça transformativa, e abolição das prisões. Os pouquíssimos livros anarquistas que consegui receber guardo próximos do meu coração, aqui na minha cela. A liberdade é escrita com tinta e nosso sangue, como sempre foi e sempre vai ser. Dê valor a seus livros, seus jornais, suas cartas enviadas e recebidas, a memória combativa persiste, e vamos passá-la para cada nova geração num esforço que não é solitário. Eu vou terminar aqui e por isso agradeço por sua energia e sua atenção, um forte abraço para todos vocês, especialmente os que estão sobre repressão pela palavra escrita. Das palavras surgem os atos, e esse é o tópico que encontramos hoje. Amor e ódio, obrigado.

Toby,

Prisão de Garth, 4 de Março de 2024

[1] “Thought and Action (“Pensiero e Azione”) – Repressive Attacks on the Anarchist Written Word”; Pensamento e Ação – Ataques Repressivos à Palavra Escrita Anarquista

[2] FAI, ELF e ALF; respectivamente Federação Anarquista Informal; Earth Liberation Front; e Animal Liberation Front