All posts by p1x0

A Coragem é Contagiosa

[tradução do capítulo 15 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Há um mito sagrado entre alguns anarquistas de que punks, andarilhos, e afins alienariam as massas. Alguns acreditam sinceramente que nós simplesmente apresentássemos uma rosto limpinho, séculos de propaganda antianarquista evaporariam sob a luz dos nossos simpáticos sorrisos. Patches, tatuagens, piercings, roupas pretas, e mesmo a palavra “anarquia” já foram apontados como culpados pela suposta apatia que a maioria dos estadunidenses sentem com relação as pautas pelas quais lutamos. Alguns argumentam que há muito “individualismo” em nossas comunidades. Essas críticas ignoram a força que as comunidades anarquistas têm atualmente.

Se nós queremos ter impacto real em nossas comunidades e no mundo exterior, nós devemos nos focar em sermos inspiração, invés de nos preocuparmos com alienação. O objetivo de derrubar o Estado e acabar com o capitalismo é impossível sem desafiar os hábitos e tradições na vida de pessoas comuns; nós não devemos fingir que SUV’s ou investimentos na bolsa serão parte de nossas vidas futuras. A anarquia sempre foi uma aposta alta contra probabilidades impossíveis; e permanecer ativo ano após ano exige esperteza, comprometimento, e coragem. Poucos de nós são corajosos o suficiente para lidar sozinho com o poder esmagador dos dinossauros. Coragem individual não cria culturas de resistência. Nós precisamos cultivar nossa coragem coletiva e construir comunidades heroicas. Nós deveríamos ser os bárbaros nos portões, não uma horda de clones inofensivos.

O que é Insurgência ?

(ou, Nove Teses sobre a Insurgência)

Publicado originalmente em primeiro de Outubro de 2014 pelo Institute For The Study of Insurgent Warfare.

Tese 1: Até o momento, críticas ao ativismo tendem a se concentrar nas características do ativismo que consideramos repreensíveis

É fácil desprezar progressistas. A popularidade de suas posições tendem a serem lentas e frágeis, apoiados pelos sussurros de incentivo de seus pares e a facilidade com que rebatem as ideias igualmente ineptas de seus oponentes tradicionais na direita. É fácil olhar para o amor que têm pela forma democrática, e perceber na frequência com que autodenominados ativistas também são de esquerda, uma fusão das duas coisas. Nós encontramos essas críticas ao ativismo se proliferando em círculos anarquistas atuais, uma repulsa ao ciclo de reuniões sem fim, assim como uma rejeição ao consenso e a assembleia geral, a forma a legislativa que quer controlar a tudo e todos, acabando com a própria possibilidade de volatilidade. Entretanto, apesar de nossas críticas, como em muitos outros casos, tendemos a nos focar nos erros e defeitos mais evidentes, e no caso do ativismo apontar imediatamente as táticas ultrapassadas de teatralidade de manifestantes incoerentes e a alegre ingenuidade dos caridosos que querem construir um mundo melhor uma barriga cheia de cada vez.Não é preciso muito para descartar suas políticas como sem sentido, suas motivações como exibicionistas, suas práticas como invasivas, ou sues esforços como inevitavelmente inefetivos, mas o tipo de análise que busca apenas descartar a posição ativista falha em compreender suas bases conceituais como a fonte de onde estes outros fenômenos surgem. Não é que ativistas falham por conta de suas longas reuniões ou apreciação por gritar com prédios vazios: estes são meramente sintomas de uma doença mais generalizada. Na verdade, a falha do ativismo surge no cerne da posição ativista de agir a todos os momentos no terreno discursivo de um suposto “diálogo social”, e ao nos declararem vitoriosos uma vez que “algo” aconteça, desde que nós façamos “alguma coisa”.

Tese 2: O ativismo constrói um terreno de engajamento simbólico em um espaço conceitual, definido pelas políticas de denúncia ligadas a uma necessidade de agir contra problemas definidos de uma forma completamente despacializada.

Por ativismo nós não nos referimos ao que progressistas fazem. O ativismo é definido por seu absurdo enclausuramento em uma narrativa kantiana dos chamados, espaços democráticos, onde pesquisas de opinião substituem lutas reais, mas a crítica ao ativismo pode facilmente acabar contida dentro dos limites de nosso desdém por progressistas. Não podemos igualar os incômodos gerados por progressistas com ativismo. Ao contrário, ativismo é uma apreciação em agir politicamente contra algo ruim onde essa ação política é a representação do descontentamento através da teatralidade e das reivindicações, ou tão divergente disso quanto o assassinato de uma figura pública como sinal de seriedade, englobando atividades tanto na esquerda quanto na direita, na ação direta ou em protestos. Nestes termos, um ataque à bomba a uma clínica de aborto é ativismo, assim como os manifestantes por direitos das mulheres pegos no raio da explosão, já que ambos construíram terrenos simbólicos completamente despacializados que representam seu descontentamento, meramente diferindo de seus símbolos favoritos e a audiência para a qual dirigem seus respectivos reclames.

Fundamentalmente, o ativismo se baseia na tentativa de influenciar as operações simbólicas de algum conceito-inimigo unitário que existe em um terreno abstrato e generalizado no qual não existem características, e nos quais desequilíbrios logísticos nunca acontecem. O terreno de engajamento é removido do dos espaços onde as ações acontecem, e o inimigo se torna descentrado da materialidade prática. Portanto, não é uma questão de ativistas tendo fobia de discussões sobre lutas materiais ou narrativas de efetividade, discussões de variação de terreno e movimentos de forças policiais, mas sim que dentro do plano conceitual de engajamento nenhum destes elementos importa. Não é nem o caso de que ativistas são incapazes de discutir estes temas, é que dentro das limitações conceituais do ativismo elas não fazem sentido.

Tese 3: É esta formação que nos leva ao atual impasse, onde tentativas de transcender o ativismo replicam a mesma formação mas através de ações de maior magnitude.

O movimento para além do ativismo não é resolvido ao desistir-se dos termos e clichês progressistas. O histrionismo e teatralidade ativista encontra muito espaço para brincar entre carros incendiados e calçadas cobertas de cacos de vidros, nos relembrando que uma mensagem não precisa de palavras e um objeto também pode ser um símbolo. Reagindo ao conservadorismo vivido pela esquerda, ou seja, aos ativistas, é e se esperar que surja o pensamento de que se pode transcender o ativismo, o que chamamos esquerdismo, ao simplesmente ir além dos limites do tipo de ações que eles estariam dispostos a realizar. Através de exibições maiores e mais belamente destrutivas, o ativista pós-esquerdista constrói uma colagem de misturas para representar sua insatisfação. Dessa forma, as críticas superficiais permitem que o ativismo ganhe novas cores e apareça sobre outras bandeiras, com seus princípios estratégicos e formações táticas inalteradas. É preciso evitar a mitologia tão presente na militância onde instituições são tratadas como corpos onde se podem desferir golpes, onde escaladas lineares de força, mais destruição! Bombas maiores! são interpretadas como um aumento direto na eficiência, como se explodir o lobby de um escritório da IBM atrapalhasse o funcionamento das logísticas do apartheid mais do qualquer ATM destruído no meio da noite pudesse atrapalhar o sistema bancário.

Tese 4: Para superar o impasse, não é uma questão de irmos além das reivindicações em direção a outras formas de ação simbólicas contra inimigos despacializados, mas de definir o inimigo num sentido material e imediato.

Está implícita na operação do ativismo, a existência de um projeto compartilhado do qual o ativista, seus oponentes e várias entidades neutras fazem parte. Os inimigos dos ativistas então, são um conjunto específico de coisas ruins que eles buscam corrigi e seus oponentes são colegas que meramente acabam por estar do lado errado do problema. Em comparação, os inimigos dos insurgentes nunca são abstratos, mas sim entidades específicas, de carne, tijolo, ou aço, de corpos a prédios, que em um tempo e local específico impede seus interesses. Estes inimigos não são parte do projeto insurgente e são definidos por sua exterioridade a ele, tornando a eliminação da oposição o modelo básico de conflito. Engajamento com este tipo de inimigo não é definido pelo esforço em direção a aniquilação no sentido de que o inimigo precise morrer, ou que coisas precisem ser destruídas, mas sim de tal forma que eles deixem de ser o inimigo. Isso não significa que haverá algum momento habermasiano no qual algum tipo comunalidade comunicativa será formada e onde tudo será racional; conflito, ação em si, é tão não racional quanto o movimento material. Isso significa que o engajamento com o inimigo acaba quando ele se torna logisticamente incapaz de obstruir nossos interesses. No ponto de total diminuição da sua força, o conflito evapora, mas isso só pode acontecer num cálculo imediato.

Tese 5: Definir o inimigo em um sentido material e imediato significa ir além do ódio ou da rejeição, em direção a uma postura de hostilidade, ou um antagonismo imediato, neste caso hostilidade com relação ao policiamento.

Ao definir o inimigo nós precisamos nos mover para além de nos alinharmos contra uma abstração e na direção de uma postura de hostilidade para com inimigos que são imediatos e materiais. O inimigo é aquele que é diretamente hostil para com os nossos objetivos independente de declarações de afinidade política. Isso significa que ao definirmos o inimigo nós devemos fundamentalmente mudar nosso entendimento de afinidade, para longe de nos alinharmos por ideologias política ou identidade e em direção a uma concepção que reconheça a potencial presença de inimigos ao nosso redor. Isso é evidente para qualquer um de nós que já teve de lidar com o cansativo trabalho de se articular com progressistas, apenas para descobrir que eles são uma força de desaceleração muito mais efetiva do que a polícia oficial. Estamos cercados de inimigos, e eles não são, como geralmente esperamos, uma força policial mitologizada, o espectro dos ricos, ou algo do tipo. Nós não lutamos com fantasmas e não vemos motivos para nos tornarmos exorcistas políticos: adversários sem corpo não podem nos prejudicar.

Na verdade, “inimigo” só é uma categoria relevante em relação a um conflito material, encontrando seu sentido na emergência do próprio conflito, num plano de engajamento, em termos de onde nós lutamos, e quando nós lutamos. É nesse nível que o inimigo representa uma ameaça direta, é aqui que o inimigo deve ser engajado, e é somente aqui que a hostilidade de fato existe. Quando declaramos aliados e inimigos não estamos simplesmente declarando uma estrutura de afinidade, mas mais especificamente nós estamos distinguindo aqueles que consideramos capazes de nos ajudar em nossos objetivos daqueles que tentarão impedir esta linha de luta. Aliados não precisam ser nem aqueles em que confiamos, mas apenas aqueles com quem podemos trabalhar, ou que podemos usar.

A guerra de classes pode ser uma mitologia efetiva, como Sorel discute, mas somente até o nível que gera conflito. No nosso caso este conflito não é com a polícia como uma unidade abstrata, mas o policiamento como uma operação, como logística de força que funciona no espaço e no tempo. E para nós esta é uma vantagem já que para destruir as logísticas do policiamento não é necessário nem mesmo destruir a polícia, necessariamente, mas apenas interromper sua capacidade de se manifestar, de funcionar nas ruas. A partir do momento que entendemos que o inimigo é a operação material da polícia como ela de fato nos confronta em nossos lares e nossas ruas, nosso engajamento se torno imediato e material. Neste ponto entendemos a operação material da polícia como de fato ela nos confronta em nossas casas e nossas ruas para ser nosso inimigo, então nosso engajamento se torna imediato e material, nos alinhando conta o esforço de definir nossas existências através da força. No imediato tudo se resume a estratégia e táticas, e nesse nível de confronto direto não é uma luta que conseguimos vencer, ao menos por hora. Mas hostilidade não exige confronto direto, e mesmo um único corpo, também é uma operação logística cuja suspensão pode ser alcançada através de subversão esperta e inteligência assim como através da luta direta.

Tese 6: Este movimento rumo a hostilidade exige uma reaproximação da ação com o espaço e tempo da ação, o terreno tático material e imediato formado pelo conflito.

Ao reaproximar a questão da ação para as dinâmicas da ação nós nos voltamos ao material, para longe do simbólico, e nos realinhamos completamente nosso entendimento de onde estamos lutando. No ativismo o terreno do conflito é formado ao redor de relações conceituais; buscar as conexões entre alguma grande empresa específica e o mercado global, manifestações aos sábados em um centro esvaziado onde um bando de progressistas gritam slogans contra prédios federais vazios, participando do jogo de tentarem “mudar a consciência” ao debater abertamente com algum irredimível conservador fascista. Todas estas formas de ação são fundadas no mito de um inimigo simbólico que nós devemos enfrentar em algum terreno discursivo não especificado. O que perdemos é qualquer tipo de interação, que evapora junto do entendimento de onde o inimigo de fato funciona, como ele funciona, e quais de fato são características do terreno da funcionalidade.

Veja o exemplo do Deep Green Resistance, onde o terreno de ação é reduzido a pontos inertes em um mapa, “infraestrutura”, que é pensada como um terreno estático, uma mentalidade que funciona dentro da lógica dos bombardeios estratégicos, a redução de alvos para pontos imóveis no espaço observados à 30.000 pés de altura. Mesmo com essa metáfora eles falham em compreender a funcionalidade de bombardeios estratégicos na era dos mísseis inteligentes que, entendido através da doutrina do Ataque Paralelo, é uma tentativa de interromper o comando e controle do inimigo para preparar o campo para um confronto material em um terreno dinâmico, mais do que um fim em si mesmo. O que se perde nesse debate de espaços inertes, terrenos reduzidos a mapas, é que o inimigo se adapta, o inimigo se move, o inimigo reagrupa. Ataques desencadeiam contra-ataques, e isso continua até que o inimigo esteja incapaz de funcionar, de se mover, de manter uma ontologia logística. Para começar a fazer este movimento para além de inimigos conceituais inertes não só exige um entendimento do inimigo de um modo imediato e material, mas também exige um reconhecimento de que toda estratégia se torna obsoleta no momento do conflito; como dito por Moltke, “nenhum plano de operações se estende além do primeiro contato com uma força inimiga”.

Durante hostilidades o terreno é reconfigurado pelas próprias ações que são tomadas e ajustes precisam ser feitos. Neste nível não é somente importante compreender o terreno físico, as características do terreno e suas variações, mas também entender as dinâmicas naquele terreno, as coisas que acontecem, as outras forças presentes, sejam antagonistas ou não. Como atores individuais nós nunca vamos compreender completamente este terreno. No máximo podemos, através de intenso levantamento de inteligência vir a entender algumas das dinâmicas em um terreno, e vir a desenvolver uma forma mais ou menos efetiva de interpretar o que aconteceu. Nesses momentos, nunca devemos permitir que nossas abstrações vaguem pra longe do material e, de tão soltas, vaguem para longe de nós. E caso isso aconteça, de maneira alguma devemos nos deixar seremos levados.

Tese 7: A reaproximação da ação ao material e imediato separa a questão da estratégia/luta da questão de porque lutamos, do terreno compreendido conceitualmente.

No movimento de se distanciar dos terrenos de engajamento simbólico para um entendimento material de ação e conflito baseado na imediaticidade da luta, outra mudança fundamental deve acontecer onde a questão meta-conceitual do porquê lutamos está separada da questão sobre o que é lutar. Ativistas completam seu movimento absurdo rumo o simbólico com a declaração simplista de que nos tornamos nosso inimigo se estamos dispostos a empregar os mesmos meios. Sob esta afirmação está um tipo estranho de essencialismo tecnológico, um que espelha as posições de futuristas e primitivistas, que nos põe a imaginar um mundo onde tecnologias tem um conteúdo essencial independente de seu uso. O que se ignora aqui é o uso dos meios no nível de seu posicionamento dentro de técnicas mais abrangentes, uma que deve levar em conta o método e propósito da aplicação, e a existência factual da tecnologia, ou técnica, conforme ela se desenvolve em algum momento histórico específico em resposta a dinâmicas da história. Nós precisamos abandonar o reducionismo gandhiano que sustenta esta visão de alguma conexão necessária entre meios e fins, e passar a compreender algo bastante simples sobre conflito: os meios do conflito têm significado somente durante seu emprego.

Para sermos honestos com nós mesmos, as formas como racionalizamos o mundo sempre são interpretativas, arbitrárias, limitadas e dinâmicas, sob a luz do que podemos entender no presente, que dirá em algum futuro pós-revolução, é um absurdo. E esse absurdo traz consigo um perigo que ultrapassa em muito as limitações de armas ou preocupações ideológicas com meios. No esforço de falar da totalidade do presente ou para planejar algum futuro que supostamente deve acontecer após uma série de eventos tão catastróficos que as categorias que usamos para darmos sentido a vida hoje não são mais relevantes, seja a revolução ou o colapso, nós perdemos de vista qualquer presente, um terreno imediato de engajamento do qual nós podemos ao menos tentar fazer algum sentido.

Não há uma tática suprema a ser desenvolvida, nenhuma possibilidade de que o passado vá recriar a si mesmo no presente ou no futuro, não há entendimento do que precisamos fazer para avançar a luta, não há um momento eterno ou terreno genérico no qual algo assim seria uma resposta possível. Só o que existe são as capacidades do presente, dinâmicas do presente e algum objetivo que consideramos como importantes. Sendo assim, nós não podemos de fato entender a totalidade do mundo, ou mesmo de um momento específico, “botar nossas ideais em ação” é impossível; tanto pela impossibilidade desse tipo de unidade ou consenso numa forma real, mas também dado nossa inabilidade de sempre inscrever algum significado necessário a nossas ações; coisas acontecem, por inúmeros motivos, e nos sobra a tarefa de em vão fazer sentido delas, do outro lado da infinita distância que divide o conceito do momento.

Cada um de nós têm seus motivos para agir como agimos, e não é como se pudéssemos evitar. Nós não podemos evitar a história, tudo que fazemos dá as condições para momentos futuros. Nós não podemos evitar a guerra social; o estado é uma logística de força que opera no nível em que essa aplicação de força é total. A guerra se tornou pervasiva em dinâmicas mutáveis de incontáveis contingências imediatas; é no nível das contingências imediatas que o engajamento deve acontecer; é neste nível que decisões devem ser feitas sobre como engajamos com a guerra total. Que lado escolhemos, se estamos com o estado ou com a insurgência, é algo que cada um de nós deve responder por si mesmo, com nossos próprios motivos, arbitrários, conceituais e provisórios. A questão que isso implica, como uma forma de decisão imediata, pode ser respondida somente no momento da estratégia necessariamente entrelaçada com as dinâmicas deste conflito. Nós precisamos desvincular a ação da paixão e chegar a um equilíbrio com os riscos e consequências. A insurgência não é nem romântica, nem apaixonada, é material, estratégica, e geralmente trágica. A maior tragédia é que nós fomos postos em uma posição onde essa decisão precisa ser considerada, mas uma vez que uma decisão seja tomada, a questão conceitual se torna secundária, superada pela questão da sobrevivência, e do movimento estratégico.

Tese 8: Esse é um movimento de realinhamento, do ativismo a insurgência.

Em seu cerne, o atual e aparentemente perpétuo impasse, resumido na questão do que deve ser feito, replica o ativismo em uma série de níveis. A questão em si, quando dita, implíca em um “nós” que vai responder essa questão, e um corpo de engajamento discursivo que existe em algum plano consistente, replicando a mitologia do consenso. Mais importante, a ideia de que sequer existe uma resposta para essa questão, uma que possa ser aplicada em larga escala, supõe um terreno de consistente engajamento ao longo do tempo e do espaço. É aqui que todos engajamentos simbólicos são fundamentalmente estruturados, supondo que estamos lutando desta mesma forma, ou que existe uma comunalidade essencial para as dinâmicas em que lutamos.

Superarmos essa série de pressupostos, que nos levam a replicar as falhas do ativismo, significa reconsiderar não apenas os fundamentos do que fazemos, mas também o contexto no qual os fazemos. Essa não é uma questão se nós devemos engajar com o ativismo em algum sentido geral, se o “movimento” é algo que nós devemos participar, ou uma questão de nos focarmos na ilegalidade. Todos esses debates, ainda supõem o terreno generalista do engajamento onde é tacitamente entendido que a eficácia teórica pode ser igualada com efetividade material. Mas não existe tática certa, nem forma universal de engajamento, e certamento não há uma resposta a questão “do que fazer”.Nós devemos abandonar totalmente o próprio terreno simbólico de ação, mas isso não significa que devemos deixar de engajar com o ativismo. Ativismo pode ser uma tática efetiva em escala, como Maraghella discute, isso significa que nós precisamos abandonar o modo ativista de engajamento, e passar a nos guiarmos por dinâmicas factuais e numa hostilidade contra o inimigo material e imediato. Isso significa adotar a insurgência, um engajamento material imediato, em um terreno material, focado em estratégia e não em teoria política abstrata; uma reorientação da questão da ação e de aguardar, engajando quando e como engajamento é estratégico, e apenas parar gerar o efeito máximo.

Nós não podemos mentir pra nós mesmos, o que enfrentamos não é nada menos que guerra; uma sem campos de batalhas definidos, sem fronteiras e sem fim. Uma guerra tão pervasiva que condiciona nossas possibilidades de existência, que se tornou o padrão de realidade. Esta é uma guerra que estrutura nosso terreno, inspira nossas cidades, e organiza nossa linha de movimentos através do espaço. É uma guerra… e é neste plano que devemos entender nosso engajamento. Tentativas apaixonadas de engajamentos incisivos geralmente são mau planejados, e raramente conectam quaisquer pontos estratégicos de intervenção. Nós vemos isso frequentemente com lobos solitários ou guerrilhas urbanas com seus ataques simbólicos contra um inimigo simbólico, apesar de suas consequências bastante materiais. Esse engajamento com as dinâmicas da história, em toda sua imediacidade, em toda sua materialidade, é a mudança do ativismo para a insurgência.


Tese 9: Insurgência não é algo que pode sr definido em si mesmo, exceto como um engajamento imediato e material e engajamento material da hostilidade em direção um inimigo imediato dentro de um contexto de guerra.


Ser um insurgente significa reavaliar nosso relacionamento com os chamados movimentos sociais, e também nosso papel fora deles. Por exemplo, progressitas não são aliados, apesar de frequentemente haver confusão sobre essa questão. Essencialmente, seus objetivos sempre envolvem alguma tentativa paternalista de definir a vida cotidiana, e usam o estado para fazê-lo; assim, não deveria ser surpresa que eles frequentemente colaboram com a polícia. Isso não significa que eles não possam ser usados, ou que a participação movimentos sociais seja necessariamente inefetiva, mas para sermos capazes de reavaliar o relacionamento que qualquer um de nós tem com movimentos sociais nós precisamos reaprender o que são os ditos movimentos sociais, e isso exige parar de entendê-los com uma necessidade e passar a vê-los como uma tática, uma forma de engajamento que tem limitações dramáticas, que sob as condições adequadas pode vir a ser útil. Mas ir além desse ponto significa nos movermos para além de definir oque fazemos como essa coisa que existe de alguma forma consistente ao longo do espaço e do tempo.

Nós já discutimos a necessidade de nos movermos para além da questão do que precisa ser feito, para reconhecer a particularidade dos meios e dinâmicas do engajamento de terrenos específicos onde evoluem paralelamente; a necessidade de se superar o ativismo e adotar a insurgência, um engajamento imediato com o inimigo em um contexto de guerra. Mas conforme fazemos este movimento nós precisamos ser cuidadosos para não cairmos na armadilha de definir a insurgência como um objeto abstrato, como uma série de táticas, como necessariamente uma coisa ou outra fora da imediaticidade do engajamento. A insurgência não é violenta nem pacífica, nem simétrica ou assimétrica, armada ou desarmada. Insurgência não é algo a ser pensado, mas uma forma de engajamento que se dá na hostilidade para com o inimigo, e revela a si na postura em direção a guerra em que nos encontramos, onde quer que estejamos, em nossas vidas cotidianas.

Quando falamos sobre a necessidade de superarmos o ativismo e irmos na direção da insurgência nós não estamos falando de um aprofundamento da militância; militância pode ser tão perigoso quanto pacifismo e é uma forma de ativismo a sua própria forma. Estamos falando da necessidade de evitar tanto a tragédia do Red Army Faction quanto do Occupy, a necessidade de abandonar terrenos simbólicos de engajamento, onde lutamos contra inimigos não especificados em um terreno político abstrato através da elaboração das nossas paixões. Nós estamos falando da necessidade de aterrarmos nosso entendimento do que estamos fazendo, separado do porque estamos fazendo, no espaço onde as coisas de fato acontecem, no aqui e agora, e para fazer o esforço de basear esse engajamento em preocupações de estratégia, de hostilidade contra o inimigo em algum sentido imediato, e não em algum esforço de construir um argumento, de “denunciar os poderosos” ou qualquer outra coisa que se passe por ação. Nós estamos falando de uma postura contra o inimigo onde atacamos quando temos a vantagem, e esperamos quando não temos, e usamos os meios que vão completar nossos objetivos, e não aqueles que vão nos manter de consciência leve.

Arquipélago

Afinidade, organização informal e projetos insurrecionais anônimos

publicado originalmente em Anarchist Library;

Por que voltar a questões da afinidade e organização informal? Certamente não é por nos faltarem tentativas de explorar e aprofundar esses aspectos do anarquismo, nem por que as discussões passadas, assim como as de hoje, não sejam de alguma forma inspirada por elas, e também não por uma ausência de textos – verdade seja dita, a maioria em outros idiomas – que abordam essas questões de forma mais dinâmica. No entanto, certos conceitos exigem um permanente esforço analítico e crítico, para que não percam seu significado por serem frequentemente usados e repetidos. De outro modo, nossas ideias arriscam se tornarem lugar-comum, alguma “evidência”, um solo fértil para o jogo idiota da competição de identidades, onde a reflexão crítica se torna impossível. Também acontece da escolha da afinidade para alguns se torna rapidamente descartado como se fosse sobre um relacionamento empoleirado em suas próprias ideias, um relacionamento que não permitiria um contato com a realidade e nem com camaradas. Enquanto outros balançam isso pra todo o lado, como uma bandeira, como algum tipo de slogan – e como todos os slogans, geralmente é o seu verdadeiro significado, profundo e propulsivo, que se torna sua primeira vítima.

Nenhuma atividade humana é possível sem organização, ao menos, se considerarmo como “organização” a coordenação de esforços físicos e mentais considerados necessários para alcançar um objetivo. Desta definição podemos deduzir um importante aspecto, que é frequentemente esquecido: organização é funcional, ela é voltada para a realização de algo, em direção a ação no sentido mais amplo da palavra. Os que hoje imploram que todos simplesmente se organizem, na ausência de objetivos nítidos e enquanto esperando que do primeiro momento da organização todo resto se desenvolveria automaticamente, eles colocam o ato de se organizar em um pedestal como um fim em si mesmo. No melhor dos casos, talvez eles tenham a esperança que daí virá uma perspectiva, uma perspectiva que eles não são capazes de imaginar por si mesmos ou mesmo desenhar um esboço, mas que se tornaria possível e palpável somente dentro de algum tipo de coletivo e ambiente organizado. Nada poderia ser menos verdadeiro. Uma organização é frutífera quando é nutrida, não por uma presença quantitativa banal, mas por indivíduos que a usam para realizar um objetivo em comum. Em outras palavras, é inútil acreditar que, apenas por nos auto-organizarmos, as questões de como, o que, onde e porque lutar serão resolvidas como que pela mágica do coletivo. No melhor dos casos – ou no pior, dependendo do ponto de vista – talvez alguém possa encontrar vagão para embarcar, um vagão puxado por outras pessoas, e simplesmente ficar confortável na desconfortável posição de seguidor.

Então, é só uma questão de tempo ate que alguém, insatisfeito e enojado, rompa com essa organização.

Organização é portanto, subordinada ao que se quer fazer. Como anarquistas, nós também precisamos considerar os laços diretos que precisam existir entre o que se quer fazer, o ideal pelo qual se luta e a forma com que se chega a ele. Apesar dos atuais disfarces e jogos de palavas, em meandros mais ou menos marxistas, partidos continuam sendo considerados meios adequados para se combater partidos políticos. Nós continuamos vendo-os hoje, repetindo a afirmação política das forças reprodutivas (em tempos em que a escala do desastre industrial está bem diante de nosso olhos) como um caminho para dar fim aos relacionamentos capitalistas. Alguns querem tomar medidas para inviabilizar todas as outras medidas. Anarquistas não tem nada a ver com esse tipo de truque de mágica, para eles os fins e os meios coincidem. Autoridade não pode ser combatida com formas autoritárias de organização. Aqueles que passam seu tempo analisando e desmontando as minúcias metafísicas, e nelas encontram argumentos afirmativos contra o uso da violência, um álibi ou uma capitulação para anarquistas, demonstram a partir disso, o profundo desejo por ordem e harmonia. Toda relação humana é conflitual, o que não significa que ser necessariamente autoritária. Falar de tais questões em termos absolutos é certamente difícil, o que não muda o fato que a tensão em direção a coerência é uma necessidade vital.

Se hoje pensamos que afinidade e grupos de afinidade são a forma mais adequada de luta e intervenção anarquista na conflitualidade anarquista, é porque tal consideração está intimamente ligada a como concebemos essa luta e essa intervenção. De fato, existem duas estradas para encarar esta questão, estradas que não são diametralmente opostas, mas que também não coincidem totalmente. Por um lado, há uma necessidade não-negociável por coerência. Daí vem a questão da medida de certas formas organizativas anarquistas (pegando por exemplo as organizações de síntese com programas, algumas declarações de princípios e alguns congressos como federações anarquistas ou estruturas anarcossindicalistas) respondem a nossa ideia de anarquismo. Por outro lado, há a questão do quão adequadas certas estruturas organizacionais seriam. Essa adequação põe a questão mais no campo das condições históricas, dos objetivos que se querem atingir (e portanto, da forma organizacional que é considerada mais apta a isso), de análises de situações sociais e econômicas… Para as grandes federações nós teríamos preferido, também em outros tempos, pequenos grupos que se movem com autonomia e agilidade, mas no nível adequado para a situação, com grande dificuldade pode-se excluir a priori em certas condições, a escolha de uma organização anarquista combativa, específica e federada, de uma constelação de guerrilhas… podem (ou melhor, pode vir a) responder certas necessidades.

Nós acreditamos que contribuir para rupturas insurrecionais e as apronfundar é hoje, a intervenção anarquista mais adequada para combater a dominação. Por rupturas insurrecionais nós queremos dizer rupturas intencionais, mesmo que temporárias, no tempo e espaço da dominação: portanto uma ruptura necessariamente violenta. Apesar de tais rupturas também terem um aspecto quantitativo (elas são fenômenos sociais que não podem ser reduzidos a uma ação aleatória de um punhado de revolucionários), elas são direcionadas a qualidade da confronto. Elas miram contra estruturas e relações de poder, elas rompem com o tempo e espaço da dominação e permitem, através das experiências e métodos de auto-organização e ação direta, questionar novamente e atacar mais aspectos da dominação. Em suma, as rupturas insurrecionais nos parecem necessárias na estrada em direção a transformação revolucionária da realidade.

De tudo isso, logicamente surge a questão de saber como anarquistas podem se auto-organizar para contribuir com tal ruptura. Sem desistir de difundir as sempre importantes ideias anarquistas, de acordo conosco, hoje, não é sobre nos reunir o maior número de pessoas ao redor do anarquismo, custe o que custar. Em outras palavras, nós não acreditamos que precisamos de organizações anarquistas fortes e atrativas, capazes de atrair os explorados e excluídos, como um prelúdio quantitativo para essas organizações que em troca (na hora certa) nos darão o sinal para a insurreição. Além disso, nós acreditamos que é impensável, nos dias de hoje, que rupturas insurrecionais possam começar a partir de organizações que defendem os interesses de um grupo social em específico, começando com, por exemplo, formas mais ou menos anarcossindicalistas. A integração de tais organizações dentro da manutenção democrática, de fato responde perfeitamente a economia capitalista contemporânea; é essa integração que tornou impossível potencialmente cruzarmos de uma posição defensiva para uma ofensiva. Finalmente, nos parece impossível que hoje uma “conspiração” forte fosse capaz, através de diferentes operações cirúrgicas, fazer a dominação tremer e arrastar os explorados em uma aventura insurrecional; para além das objeções que podem ser feitas contra essa forma de ver as coisas. Em contextos históricos onde o poder era muito centralizado, como na Rússia czarista, ainda se podia imaginar a possibilidade de um ataque direto contra o coração (neste caso, o assassinato do czar) como um prelúdio para uma revolta generalizada. Num contexto histórico de poder descentralizado como o que conhecemos, a questão não pode ser sobre atacar o coração, supondo um cenário onde um tiro bem-dado, poderia chacoalhar as bases da dominação (o que obviamente não diminui em nada a validade de um tiro bem-dado) Portanto, outros caminhos devem ser explorados.

Afinidade e grupo de afinidade

Diante da afinidade, muitos recuam. De fato é muito mais fácil e menos cansativo só embarcar em algo, estar em uma organização, uma assembleia permanente ou uma cena e manter e reproduzir características formais, invés de encarar uma longa e virtualmente infinita pesquisa por compas com os quais compartilhar ideias, análises e eventualmente projetos. Porque afinidade é exatamente isso: um conhecimento recíproco entre camaradas, análises compartilhadas que levam a prospecção de ação. Afinidade é portanto, por um lado voltada ao aprofundamento teórico e por outro, a intervenção na conflitualidade social.

Afinidade está localizada radicalmente no plano qualitativo. Ela aspira ao compartilhamento de ideais e métodos, e não tem o crescimento infinito como objetivo. Para alguns camaradas, uma das principais preocupações, mesmo se bem escondida, parece continuar sendo números. Quantos somos? O que deveríamos fazer para sermos mais? Da polarização de tal pergunta para constatação de que hoje não somos muitos, dado o fato de que muitos outros não compartilham de nossas ideias (mesmo que inconscientemente), surge a conclusão de que para crescer numericamente, devemos evitar botarmos muita energia em certas ideias. Hoje em dia é mais difícil encontrar quem tente te vender um título de membro de alguma organização revolucionária, destinada a crescer quantitativamente e aspirando sempre representar os mais explorados; mas existem muitos que acreditam que a melhor forma de conhecermos uns aos outros é organizar atividades “consensuais” como, por exemplo, bares autogestionados, oficinas, shows, etc. Certamente essas atividades têm seu papel, mas quando encaramos o tópico da afinidade nós estamos falando de algo diferente. Afinidade não é o mesmo que amizade. É certo que um não exclui o outro, mas não é porque compartilhamos certas análises que vamos dormir juntos, e vice-versa. Da mesma forma, só porque escutamos as mesmas músicas não quer dizer que queremos lutar contra a dominação da mesma forma.

A busca por afinidade acontece num nível interpessoal. Não é um evento coletivo, um caso coletivo, onde sempre é mais fácil seguir do que pensar por si mesmo. O aprofundamento da afinidade é evidentemente uma questão de pensamento e ação, mas no fim afinidade não é o resultado de executar ações juntos, mas invés disso, o ponto inicial do qual partimos para a ação. Ok, alguém pode dizer que isso é óbvio, mas então isso significaria que eu não conheceria muitas pessoas que poderiam ser bons compas, porque de algum modo eu estaria confinado a afinidade. É verdade que a busca e o aprofundamento da afinidade exige muito tempo e energia, e que portanto não é possível generalizar isso para todos camaradas. O movimento anarquista de um país, de uma cidade ou mesmo de uma vizinhança não pode se tornar um grande grupo de afinidade. Não se trata de fazer crescer diferentes grupos de afinidade com mais camaradas, mas tornar possível a multiplicação de grupos de afinidade autônomos. A busca, a elaboração e o aprofundamento da afinidade leva a pequenos grupos de compas que conhecem uns aos outros, compartilham análise e juntos, passam a ação.


O caso é que… O aspecto de “grupo” de um grupo de afinidade tem sido criticado, tanto por motivos corretos quanto motivos equivocados. Existem compas que compartilham a noção de afinidade, mas tudo se torna mais complicado quando passamos a falar sobre “grupos” o que por um lado vai além do aspecto inter-individual, e por outro parece limitar o “crescimento”. Na maior parte do tempo as objeções são sobre os perniciosos mecanismos de “interior/exterior”, de “dentro/fora” que tais grupos de afinidade podem gerar (como por exemplo, renunciar seu próprio caminho para seguir o de outros, as escleroses e os mecanismos que podem surgir, como certas formas de competição, hierarquia, sentimento de superioridade ou inferioridade, medo…). Mas estes são problemas presentes em quaisquer tipo de organização e não são exclusivos a afinidade. É sobe refletir em como evitar que a busca por afinidade traga estagnação e paralisia invés de uma expansão e multiplicação.


Um grupo de afinidade não é a mesma coisa que uma “célula” de um partido ou a formação de uma guerrilha urbana. Já que sua busca é permanente, afinidade evolui na permanência. Ela pode “crescer” até o ponto de que um projeto compartilhado se torne possível, mas, por outro lado, também pode “diminuir” até que qualquer ação conjunta se torne impossível. O arquipélago de grupos de afinidades portanto mudam constantemente. Essas mudanças constantes são geralmente identificadas por seus críticos: não se pode construir nada com elas, pois não são estáveis. Nós estamos convencidos do oposto: não há nada a ser construído ao redor de formas organizacionais que giram em torno de si mesmas, longe dos indivíduos que são parte dela. Pois cedo ou tarde, depois dos primeiros golpes, inevitavelmente vão ssurgir as desculpas e truques. O único terreno fértil onde se construir é a busca recíproca por afinidade.


Finalmente, nós gostaríamos de apontar que essa forma de organização também tem a vantagem de ser especialmente resistente a medidas repressivas do estado, já que não existem representantes oficiais, estruturas ou nomes a se defender. Onde formações cristalizadas e grandes organizações podem ser desmanteladas com um só golpe, pelo mesmo motivo pelo qual são bastante estáticos, grupos de afinidade permanecem ágeis e dinâmicos mesmo quando a repressão bate. Uma vez que grupos de afinidades são baseados em conhecimento recíproco e confiança, os riscos de infiltração, de manipulação e infiltração são muito mais limitados do que em grandes estruturas organizacionais onde as pessoas podem integrar formalmente ou em circunstâncias mais vagas onde só é necessário reproduzir certos comportamentos para entrarem no clube. Afinidade é um lugar difícil para a corrupção se espalhar, exatamente por começar com ideias e evolui destas ideias.

Organizações informais e capacidade de projeção

Nós acreditamos que anarquistas têm maior liberdade e autonomia de de movimento para intervir na conflitualidade social se nos auto-organizarmos em pequenos grupos baseados em afinidade, invés de grandes formações ou em formas organizacionais quantitativas.Certamente, é desejável e geralmente necessário que estes pequenos grupos sejam capazes de se entenderem. E não com o objetivo de serem transformados em um leviatã ou falange, mas para conquistar objetivos específicos compartilhados. Esses objetivos portanto determinam a intensidade da cooperação, da organização. Não é proibido que um grupo que compartilhe afinidade organize uma manifestação, mas em muitos casos uma coordenação entre diferentes grupos pode ser desejável e necessária para realizar este objetivo específico, fixado no tempo. Cooperação pode também ser algo mais intenso no caso de uma luta um pouco mais avançada, como, por exemplo, um combate específico contra uma estrutura de poder (a construção de um centro de deportação, de uma prisão, de uma base nuclear…). Num caso assim, nós poderíamos falar sobre organização informal. Organização, pois estamos lidando com a coordenação de vontades, meios e capacidades entre diferentes grupos de afinidades e indivíduos que compartilham um projeto específico. Informal pois nós não estamos preocupados com promover nenhum nome, ou fortalecer quantitativamente uma organização, ou nos subscrevermos a um programa ou declarações de princípios, mas a uma coordenação ágil e leve para responder as necessidades de um projeto combativo.

De certa forma, organizações informais também se encontram no campo da afinidade, mas vai além da questão interpessoal. Elas existem somente na presença de uma projeção compartilhada. Uma organização informal é portanto diretamente orientada para o conflito, e não pode existir fora deste contexto. [Como mencionado anteriormente, isso ajuda a responder as exigências de um projeto de luta que não pode ser sustentado por um único grupo de afinidade. Isso pode, por exemplo, permitir a disponibilidade de meios que consideramos necessários. A organização informal portanto não tem um objetivo de reunir todes camaradas sob uma mesma bandeira ou reduzir a autonomia de grupos de afinidade e/ou individualidades, mas para permitir que estas autonomias dialoguem. Esta não é uma brecha para que façamos tudo juntos, mas uma ferramenta para materializar o conteúdo e o sentimento de um projeto em comum, através das intervenções específicas de grupos de afinidades e individualidades.

O que significa ter um projeto? Anarquistes querem a destruição de toda autoridade, disto podemos deduzir que elus estão em busca constante por formas de realizar isso. Em outras palavras, certamente é possível ser ativamente anarquista e não estar em um projeto de luta específico. De fato, é isso que geralmente acontece. Ou anarquistes estão seguindo a diretiva das organizações que participam (algo que parece pertencer mais ao passado), ou estão aguardando a chegada de lutas das quais podem participar, ou tentam incluir o máximo possível de aspectos anarquistas em suas vidas cotidianas: nenhuma dessas atitudes presume a presença real de projeção – algo que, vamos ser bem explícitos, não torna estes camaradas menos anarquistas. Um projeto é baseado na análise de contextos sociais, políticos e econômicos nos quais nos encontramos, e a partir dos quais refinamos nossas perspectivas que nos permitem intervir no curto e médio prazo. Portanto, um projeto que mantém análises, ideias e métodos, coordenados para alcançar um propósito. Nós podemos, por exemplo, publicar um jornal anarquista pois somos anarquistas e queremos difundir nossas ideias. Ok, mas uma abordagem mais focada na projeção exigiria uma análise das condições nas quais essa publicação seria adequada para intervir na conflitualidade, que forma deveria tomar… Nós podemos decidir lutar contra deportações, contra a deterioração das condições de vida, contra o encarceramento em massa… pois todas estas coisas são simplesmente incompatíveis com nossas ideias; desenvolver um projeto precisaria de uma análise para compreender de onde uma intervenção anarquista seria mais interessante, que métodos usar, como pensar em dar um impulso ou intensificar a tensão do conflito em dado período do tempo. Desnecessário dizer que projetos similares geralmente são a ocasião para nos organizarmos informalmente, em uma coordenação entre diferentes grupos e individualidades anarquistas.


Sendo assim, uma organização informal não pode ser fundada, construída ou abolida. Ela nasce de forma completamente natural, atendendo as necessidades de um projeto de luta e desaparecendo quando esse projeto é realizado ou quando se acessa que ele não é mais possível ou relevante. Isso não coincide com a totalidade do conflito em andamento: as muitas formas organizativas, os diferentes locais de encontro, as assembleias, etc. produzidas por um conflito vão existir independentes da organização informal, o que não significa que anarquistas não podem estar presentes nestes espaços também.

Os “outros”

Até agora nós temos falado principalmente sobre formas organizacionais entre anarquistas. Sem dúvida, muitas revoltas nos oferecem poderosas sugestões que fazem paralelo com o que discutimos até aqui. Vamos considerar a revolta que aconteceu ano passado em uma certa metrópole. Muitos rebeldes se organizaram em grupos pequenos e ágeis. Ou, vamos lembrar sobre as revoltas do outro lado do Mediterrâneo. Não houve necessidade de uma organização forte ou algum tipo de estrutura representativa para iniciar uma revolta, suas bases foram construídas de formas múltiplas de organizações autônomas informas. É claro, em tudo isso, nós precisamos nos expressar no “conteúdo” dessas revoltas, mas sem formas organizacionais antiautoritárias, seria completamente impensável que eles tivessem optado por uma direção liberatória e libertária.

É hora de dizer adeus, de uma vez por todas, a todos reflexos políticos, em especial nos dias de hoje quando revoltas já não respondem mais a prerrogativas políticas. Insurreições e revoltas não deveriam ser conduzidas, nem por autoritários, nem por anarquistas. Elas não pedem para serem organizadas em grandes formações. Isso não exclui nossa contribuição em tais eventos (fenômenos que são realmente sociais) não podem se manter simplesmente espontâneas se aspiramos por uma contribuição qualitativa – isso exige uma certa quantidade de organização e projeção. Entretanto os explorados e os excluídos não precisam de anarquistas para se revoltar ou se insurgirem. No melhor dos casos nós podemos ser um elemento adicional, bem-vindos ou não, uma presença qualitativa. Mas mesmo assim, isso continua sendo importante para levarmos as rupturas insurrecionais para uma direção anarquista.

Se os explorados e excluídos são perfeitamente capazes de se revoltar sem a presença de anarquistas, não é por isso que estaríamos prontos para renunciar de buscarmos pontos e terrenos onde podemos lutar junto deles. Estes pontos e esse terreno não são consequências “naturais” ou “automáticas” de condições históricas. O encontro entre grupos de afinidade, assim como organizações informais de anarquistas e explorados dispostos a lutar, acontecem com mais qualidade durante o conflito em si, ou ao menos numa proposta de conflito. A necessidade de difundir e aprofundar ideias anarquistas é inegável e em momento algum deveríamos escondê-la, confiná-la a becos, ou disfarçá-las em nome de alguma estratégia. Entretanto em um projeto de luta insurrecional não é sobre converter o maior número de explorados e excluídos para suas ideias, mas tornar possível experiências de luta com uma metodologia anarquistas e insurrecional (ataque, auto-organização e conflitualidade permanente).

Dependendo das hipóteses e dos projetos, é necessário refletir sobre quais formas organizacionais podem surgir deste encontro entre anarquistas e aqueles que querem participar de uma luta radical. Essas fomas organizacionais não precisam ser necessariamente constelações anarquistas, já que outros rebeldes também participam dela. Eles são, portanto, não um apoio para “promover” o anarquismo, mas tem o propósito de dar forma e substância a uma luta insurrecionária.

Em alguns textos, baseados em uma série de experiências, há a menção de “núcleos de base” formados dentro do projeto de uma luta específica, de formas de organização baseadas em três características da metodologia insurrecional. Anarquistas participam mas junto de outros. Em certo sentido, eles são como pontos de referência (não do anarquismo, mas do conflito em andamento). Eles funcionam de algum modo como os pulmões da luta insurrecionária. Quando essa luta é intensa, envolve muitas pessoas, e diminui em números quando a temperatura baixa. O nome destas formas organizacionais tem pouca importância. É preciso discernir, dentro de certos projetos de luta, se formas organizacionais semelhantes são imagináveis ou necessárias. Nós também precisamos ressaltar que não se tratam de coletivos, comitês, assembleias populares, etc. formadas anteriormente e que têm como propósito durarem no tempo, e cuja composição raramente é antipolítica e autônoma (já que geralmente existem elementos institucionais envolvidos). Os “núcleos de base” são formados dentro de um projeto de luta e se mantém por um único propósito concreto: atacar e destruir um aspecto da dominação. Por isso eles não são organizações parasindicalistas que defendem os interesses de um grupo social (em comitês de desempregados, em assembleias de estudantes…), mas oportunidades de organizações voltadas para o ataque. As experiências de auto-organização e ataque obviamente não garantem que num futuro conflito os explorados não vão aceitar ou tolerar elementos institucionais. Mas sem essas experiências, esse tipo de reação seria praticamente impensável.

Em resumo, acreditamos que não é sobre construir organizações que vão “atrair as massas” ou as organizar, mas desenvolver e pôr em práticas propostas concretas de luta. Portanto, dentro dessas propostas de caráter insurrecionário é importante refletir sobre as formas organizacionais consideradas necessárias e adequadas para realizar uma proposta de ataque. Reforçamos mais uma vez que essas formas organizacionais não implicam necessariamente em estruturas com reuniões, locais de encontro, etc, mas que também podem nascer diretamente nas ruas, em momentos de conflito. Em certos locais, por exemplo, pode ser mais fácil criar alguns “pontos de referência” ou “núcleos de base” com outros explorados ao interromper a rotina, construindo barricadas nas ruas… Invés de esperar que todos venham a reunião para debater sobre fazerem barricadas. Estes aspectos não podem ser deixados totalmente à sorte ou espontaneidade. A projeção nos permite reflexão e uma avaliação de diferentes possibilidades e sua relevância.

Resumindo

Se a questão vai para além de organizar pessoas para a luta, ela se torna sobre como organizar a luta. Nós acreditamos que arquipélagos de grupos de afinidades, independentes, capazes de se associarem de acordo com suas prospecções e projetos concretos de luta, formam o melhor caminho para passarmos diretamente para a ofensiva. Essa concepção oferece a maior autonomia e o campo de ação mais amplo possível. Na esfera dos projetos insurrecionais isso é necessário e possível para encontramos formas de organizações informais que permitam o encontro entre anarquistas e outros rebeldes. Formas de organização que não busquem perpetuar a si mesmas, mas voltadas para um propósito específico.

[Traduzido de Salto, subversion & anarchy, edição 2, novembro de 2012 (Bruxelas).]

Desenvolvendo Capacidade de Ação – Um Caminho

publicado em NoTarce Project.

Nós não somos especiais. Nossas habilidades não são técnicas especiais ou avançadas, e nossas ferramentas são simples de se adquirir. Se você está lendo isso, você é capaz de fazer o que fazemos1.

— Viatura policial incendiada em Lakewood2


Por mais que eu concorde com este sentimento, a leitora, mesmo se motivada, é deixada com muitas questões sobre como desenvolver tais capacidades para ação. O que exatamente é necessário para não ser pego executando ações comprometedoras como incêndios? Isso é especialmente importante no longo prazo: não ser pego por um único incêndio é uma coisa, mas ser capaz de executar ataques frente o aumento da atenção repressiva é outra bem diferente.

Para qualquer um que queira executar ações como essa, mas que ainda não está agindo, esbocei alguns passos que considero necessários para sustentar duros ataques contra a dominação (limitados ao tópico das considerações “operacionais”, isso é, adquirir habilidades). Esse breve esboço tem como objetivo te orientar e oferecer um “caminho de aprendizado” — cada passo conta com leituras recomendadas que se aprofundam mais adequadamente nos temas.

Use to sistema operacional Tails3 para visitar esses links, ele roda através de um USB e não deixa rastros no seu computador. O que escrevi aqui não é de modo algum definitivo, e eu espero iniciar um diálogo sobre quaisquer aspectos operacionais que eu possa ter negligenciado, assim como qualquer coisa fora desse escopo que é importante para sustentar e intensificar a capacidade para ação.

Aprofundando Laços

Para qualquer um que ainda não tenha um grupo de ação, decidir com quem agir é o primeiro obstáculo a ser superado. Eu prefiro agir em grupos de duas ou três pessoas; é mais fácil de manter um alto nível de confiança e agilidade com poucas pessoas. A maioria das ações não exige mais que três participantes, e quando for o caso, grupos de ação podem colaborar entre si. Eu prefiro não agir sozinho pois alguns aspectos das ações são menos arriscados quando há ao menos duas pessoas (por exemplo, ter alguém de olheiro).

No decidir com quem agir, há uma tensão entre flexibilidade e consistência. Agir em várias configurações diferentes te permite desenvolver confiança e experiências com mais pessoas, o que te torna mais resiliente frente a prisões, esgotamento, ou rachas internos. Por outro lado agir em configurações mais consistentes pode tornar mais fácil o desenvolvimento de uma alta capacidade para ação em um período de tempo mais curto.

Grupos de ação só se formam pois alguém tomou a iniciativa de os propor para uma camarada com a qual se quer aprofundar a confiança e a afinidade.

Afinidade

Decidir quem da sua rede você vai se aproximar deve ser baseado em um senso de afinidade, já que isso vai determinar as ações que o grupo vai decidir se focar. Afinidade significa compartilhar análises, descobertas através de conhecer um ao outro, o que leva a prospecções para ação. Isso significa saber que compartilham objetivos e agem de formas similares para alcançá-los. A longo prazo a exploração e o aprofundamento da afinidade através de uma rede, para além de um grupo de ação específico, abre muitas mais possibilidades para a configuração de grupos de ação para se adaptarem ao longo do tempo, assim como a colaboração entre eles. Escolhi usar o termo “grupo de ação” no lugar de “grupo de afinidade” para enfatizar que afinidade existe em inúmeras constelações, cada uma com seu próprio potencial.

Leitura recomendada:

• Archipelago: Affinity, Informal Organization, & Insurrectional Projects4.

Confiança

Confiança é contextual — você talvez confie em alguém como um bom amigo, mas isso é diferente de confiar sua liberdade a essa pessoa. Decidir a quem se aproximar na sua rede, deveria se basear na confiança que essa pessoa pode viver com as possíveis consequências de seus atos sem trair seus camaradas, mesmo que isso signifique uma longa sentença de prisão. Confiança é qualitativa no sentido de que não pode ser reduzida a uma fórmula simplista. É baseada em um íntimo conhecimento que só pode surgir de experiências singulares dentro de um relacionamento. Entretanto, existem práticas válidas e estabelecidas para aprofundar confiança.

Leitura recomendada:

• Confidence, Courage, Connection, Trust: A proposal for security culture5.

• Stop Hunting Sheep: A Guide to Creating Safer Networks6.

Preparando o Terreno

Uma vez que você tenha encontrado duas ou três pessoas com quem você quer experimentar agir em conjunto, eu recomendo começar com ações que não tenham consequências especialmente sérias se você for pego, algo como quebrar algumas janelas. Isso te permite acessar se a configuração funciona bem, pratique quaisquer habilidades que sejam novas para es participantes, estabeleça abordagens operacionais e um bom “fluxo de trabalho” para as tarefas envolvidas, e desenvolver uma dinâmica interpessoal que leve em conta as necessidades de todes, tudo isso em um ambiente de relativamente baixo risco. Progressivamente aumentar a intensidade da ação também te dá a oportunidade de praticar se mover através e apesar do medo, então tomadas de decisões, comunicação, e execução em situações de alto stress podem acontecer sem entraves.

Segurança Operacional

“Segurança operacional” significa práticas que te permitem cometer crimes e se safar. Eu recomendo que seu grupo de ação primeiro discuta cada um dos recursos em destaque no No Trace Project7 antes de fazer qualquer ação, em um local a céu aberto e sem nenhum dispositivo digital por perto. Muitas destas discussões funcionam bem para constelações de afinidades maiores do que seu grupo de ação. Isso vai tomar uma quantidade de tempo considerável, mas uma discussão profunda sobre esses tópicos vai oferecer uma base necessária. Não cometa o erro de assumir que todos já estão na mesma página. Essas conversas também vão ser importantes para discutir como você vai se preparar para qualquer repressão que pode resultar de suas ações.

Planejando ações

Com essa fundação construída, você agora está em uma boa posição para começar a planejar ações. Conforme ganha experiência, organizar e executar ações vai se tornar muito mais natural. O que inicialmente era exaustivo de se elaborar, eventualmente se torna instintivo. Esse é outro motivo pelo qual é uma boa ideia começar com ações que não são particularmente arriscadas.

Leituras recomendadas:

• How To Have A Fun Night To Forget8: Para te dar uma visão geral sobre os paços que envolvem uma ação.

• Threat Library9: Pra te dar um modelo para planejar as medidas de segurança operacional para uma ação específica (por exemplo, que medidas de detecção de vigilância você vai tomar antes de ir para um encontro).

• Recursos10: Tópico de Ação Direta.

Materializando seus Sonhos

Antes de seu grupo de ação participar de qualquer ação que venha a ser mais intensamente investigada, é especialmente importante que vocês se tornem competentes em duas práticas de segurança operacional:

Protocolo de Minimização de DNA

Protocolos de minimização de DNA11 são necessários pare evitar deixar evidência em cenas de crimes. Entretanto essas precauções não são perfeitas, então a ação deveria ser conduzida de forma que não deixe para trás nada que possa ter traços de DNA. Recomendo apende e praticar essa habilidade bem antes de precisar usá-la para ações de alto risco.

Leitura recomendada:

• Materiais: Tópico DNA12.

Detecção de Vigilância

Se não houver evidência alguma nas cenas de crime, e você conseguiu estabelecer práticas que impedem vigilância digital individualizada de oferecer pistas, investigadores serão obrigados a usar vigilância física individualizada para te incriminar. O principal objetivo da vigilância física é vigiar o suspeito durante uma ação (como fizeram com Jeff Luers13), e se isso não funcionar, vão tentar te vigiar enquanto se prepara para uma ação (comprando materiais, fazendo reconhecimento de terreno, etc.), tudo isso enquanto mapeando sua rede de contatos para encontrar mais suspeitos.

Detectar vigilância física14 é uma habilidade que exige muita prática, então recomendo que você comece a aprender bem antes de precisar usar para ações de alto risco. Se um dia você for alvo de uma investigação, essa é a única coisa que vai impedir a polícia de te seguir até uma ação ou preparação para ação.

Leituras recomendadas:

• Materiais: Tópico de vigilância física15.

Técnicas de Ação

É claro, habilidades relacionadas a técnicas de ação também são importantes. Por exemplo, existem muitas formas de começar um incêndio. Algumas são melhor que outras, no que se trata de efetividade, mas sua abordagem deve estar sempre adaptada aos cenários específicos (alvo, rota de fuga, tempo de resposta estimado, etc.). Seja quais forem as técnicas que você usar, é importante se manter aberto à inovações e não se limitar seguindo apenas receitas prontas.

Técnicas de Ação também estão relacionadas a segurança operacional: por exemplo, se decidir que o(s) dispositivo(s) incendiário(s) precisa de um pavio, é crítico que você esteja muito confiante que o pavio não vai falhar, já que deixaria evidências com as quais investigadores poderiam trabalhar. Teste atentamente a confiança no dispositivo sob as mesmas circunstâncias, e construa com redundâncias usando múltiplos pavios em cada dispositivo. Dependendo das circunstâncias e terreno, você talvez queira até fazer um plano para perceber se as chamas não começarem, como escolher uma rota de fuga que permita uma linha de visão e parar no caminho até que veja a luz das chamas.

Leituras recomendadas:

• A Recipe for Leaving No Trace16.

• The Simplest Way to Burn a Vehicle17.

• Warrior Up18.

Conectando Constelações

O próximo passo em desenvolver capacidade para ação exige ir além do seu próprio grupo. É aqui que as coisas realmente começam a ficar interessantes: coordenação entre grupos autônomos os permitem alcançar muito mais do que seriam capaz sozinhes, enquanto a autonomia ajuda a barrar hierarquias e centralização19. É claro, conspirar com mais pessoas envolve risco e deve ser balanceado com a necessidade de compartimentalização; o princípio do saber-apenas-oque-se-precisa20, pode ajudar bastante aqui.

Afinidade é a fundação mais sólida para um projeto comum entre estes grupos — enquanto afinidade dentro de um grupo é baseada em experiência interpessoal, afinidade entre grupos de ação é mais baseada em afinidade com o projeto do que uns com os outros, A busca por afinidade no longo prazo para além do seu grupo de ação é o que torna essa fundação possível. Organização informal pode então crescer entre grupos de ação, que é um modelo que têm sido experimentado desde os anos 7021. Organizações informais nascem e são moldadas pela busca a objetivos específicos, como o bloqueio da construção de Cop City22 através de sabotagem difusa.“Não temos um nome para defender ou promover, apenas um projeto para construir”23.

Estes são o que considero os passos mínimos necessários para o desenvolvimento da capacidade de ação, limitado ao tópico de aquisição de habilidades. É preciso muito mais — aprender habilidades além dessas básicas, desenvolver análises para o entendimento do terreno em constante mudança, estudar vulnerabilidades da dominação, e focando em todos os outros aspectos que contribuem para sustentar e intensificar ação.

O que exatamente é necessário para não ser pego executando ações comprometedoras como incêndios? […] Para qualquer um que queira executar ações como essa, mas que ainda não está agindo, esbocei alguns passos que considero necessários para sustentar duros ataques contra a dominação.

1 No Trace Project (N.T.P.): É claro que isso não é necessariamente real, nem todes têm as mesmas capacidades.

2 https://scenes.noblogs.org/post/2024/02/10/apd-patrol-car-torched-in-lakewood

3 https://tails.net

4 https://sproutdistro.com/catalog/zines/organizing/archipelago

5 https://notrace.how/resources/#confidence

6 https://notrace.how/resources/#stop-hunting

7 https://notrace.how/resources/#highlighted-only

8 https://notrace.how/resources/#fun-night

9 https://notrace.how/threat-library/zine.html

10 https://notrace.how/resources/#topic=direct-action

11 https://notrace.how/threat-library/mitigations/dna-minimization-protocols

12 https://notrace.how/resources/#topic=dna

13 https://notrace.how/threat-library/repressive-operations/case-against-jeff-luers.html

14 https://notrace.how/threat-library/mitigations/surveillance-detection.html

15 https://notrace.how/resources/#topic=physical-surveillance

16 https://scenes.noblogs.org/post/2023/09/09/a-recipe-for-leaving-no-trace

17 https://scenes.noblogs,org/post/2023/09/21/the-simplest-way-to-burn-a-vehicle

18 https://warriorup.noblogs,org

19 https://dimanche.pm/english.html

20 https://notace.how,threat-library/mitigations/need-to-know-principle.html

21 https://elephanteditions.net/library/toward-a-generalised-attack#toc30

22 N.T.P.: “Cop City” é o nome de um projeto para construção de um centro de treinamento policial em Atlanta, EUA

23 https://theanarchistlibrary.org/library/avis-de-tempetes-to-start-over

A Guerra Civil Síria Recomeça

Perspectivas do Conflito Oeste e Nordeste da Síria

[Publicado originalmente por Crimethinc em 02.12.34]

A guerra civil síria permaneceu praticamente inerte desde 2020, dado um precário balanço de poder entre várias facções com vários níveis de apoio da Rússia, Turquia, Irã, e Estados Unidos. Nos últimos dias, entretanto, tomando vantagem pelo modo como o Irã e o Hezbollah tem estado ocupado com o conflito com Israel enquanto a Rússia tem estado distraída na Ucrânia, as forças antigoverno Hayat Tahrir al-Sham (HTS) terem tomado e intensificado sua campanha contra a ditadura de Bashar al-Assad. Enquanto Assad tem sido responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas e sua queda seria comemorada.

Como elaboramos anteriormente, a situação na Síria é complexa, e os mesmos eventos podem parecer muito diferentes de diferentes pontos de vista. Para podermos triangular a realidade informada por diferentes pontos de vista, apresentamos aqui uma perspectiva dos participantes expatriados na revolução no este da Síria, junto de um relato de anarquistas em Rojava, na região noroeste da Síria.

Aleppo 2024

O que está acontecendo no noroeste da Síria?

Esta é uma tradução de uma declaração de Cantine Syrienne de Montreuil, um projeto estabelecido por participantes da revolução Síria no exílio. Você pode ler uma entrevista com elus aqui.

Uma aliança entre vários grupos “rebeldes” (jihadistas, islamistas, mercenários sob a tutelagem da Turquia, e afins) recentemente lançou uma grande ofensiva para romper o cerco à cidade de Idlib pelo regime e seus aliados, para responder a seus ataques assassinos. A operação recuperou o controle territorial em Aleppo (a segunda maior cidade da Síria) e as áreas do entorno.

Essa ofensiva segue a desestabilização do regime iraniano e do Hezbollah como uma consequência dos ataques israelenses. Aliados de longa data de Assad, as milícias controladas pelo Irã continuam a atacar as áreas rebeldes sírias após 7 de Outubro de 2023. Mesmo após o ataque por pagers orquestrados por Israel no Líbano, o Hezbollah atacou Idlib (em 20 e 23 de Setembro de 2024) após retirarem algumas de suas tropas do Líbano.

Uma manifestação em Idlib

Em um catastrófico contexto humanitário e econômico, a operação militares dos grupos “rebeldes” tem forçado centenas de pessoas a deixar as áreas que recentemente haviam sido controladas (por medo de represálias), mas também permitiu centenas de pessoas desalojadas retornar a suas terras e lares e encontrar suas famílias após longos anos de separação e dura sobrevivência em campos de refugiados.

Anos atrás, Aleppo já havia sido liberta do regime Assad e autoadministrada por seus habitantes de 2012 a 2016 antes de cair novamente nas mãos do regime graças ao apoio russo, iraniano e do Hezbollah no Líbano. Após um cerco brutal, um implacável bombardeio no qual 21.000 civis foram mortos, e destruição quase total da parte oeste da cidade, a queda de Aleppo marcou uma derrota militar decisiva para a revolução síria.

“Nós voltaremos”. Pichação no primeiro dia de evacuação civil, quando Aleppo caiu nas mãos do regime.

Hoje, podemos apenas comemorar ao veras forças do regime sendo obrigadas a fugir de Aleppo: imagens de detentos libertados de prisões, estátuas da família Assad derrubadas, retratos do [Supremo Líder do Irã, Ali] Khameini, [secretário-geral do Hezbollah, executado, Hassan] Nasrallah, ou do [oficial militar, executado, Qasem] Soleimani reduzidos a nada. Mas sejamos claros, não há como ter esperança de um futuro para a Síria nas áreas “libertadas” por estes grupos militares, sejam eles jihadistas ou “moderados”.

Entretanto, essa operação, apesar de criada e coordenada na Síria, não seria possível sem permissão da Turquia, que por sua vez parece ter sido exaurida pela escala da ofensiva. Sejamos francos, poucos ainda acreditam que [o presidente Recep Tayyip] Erdogan é um amigo do povo sírio. Massacres de populações curdas na Síria e além, organização de deportações forçadas de refugiados sírios, tentativas de longa data de normalizar relações com Assad, e o uso de combatentes sírios como mercenários para seus interesses geopolíticos, isso sem mencionar a repressão de toda dissidência interna.

Com relação aos grupos islamistas, seu poder tem sido contestado por anos pela população civil das áreas sob seu controle. Em 2024, manifestações massivas em Idlib exigiam a expulsão de [Abu Mohammad] al-Joulani, o líder do Hayat Thrir al-Cham (HTC), o grupo que governa o enclave.

Sem a legitimidade popular, o HTC governa pela força; ele falhou em realizar a revolução de 2011. Os sírios que se ergueram contra a tirania do regime Assad e sacrificaram tanto para poderem viver em liberdade não podem viver para sempre sob sob grupos como o HTC.

Al-Joulani = al-Assad

Portanto, uma satisfação amarga e ambígua. Muito permanece incerto. As consequências humanitárias certamente serão catastróficas. O regime e seus aliados agravaram seus ataques nas áreas já controladas pelos “rebeldes” assim como às áreas recém capturadas. Os hospitais em Aleppo, já sobrecarregados pela falta de recursos e pessoal. Nós ainda não sabemos qual será a posição das Forças Democráticas Sírias lideradas pelos curdos. A única coisa podemos ter certeza é que este eterno retorno de apoiadores do “eixo de resistência”, que, sob o disfarce de oposição a Israel e ao imperialismo ocidental, novamente vai lavar a reputação dos genocidas que assassinaram e expulsaram nossas famílias e amigos.

Em meio a tudo isso, somos afastados de nossa revolução e da possibilidade de autodeterminação de nossa nação. Entre poderes estrangeiros que jogam os jogos de influência que falam somente o poder das armas, por hora, força bruta e cálculos geopolíticos decidirão nosso futuro. Essa situação não é excelente, mas a queda do regime permanece como um pré-requisito para qualquer mudança do país. De novo e de novo, o povo luta pela queda do regime.

Vida longa a Sìria livre!
Gaza vive, a Palestina será livre!
“Todos eles precisam cair” por um Líbano livre!

No cartaz lê-se: “Venceremos quando as forças turcas partirem de nossas terras”

O Ponto de Vista de Rojava

Uma breve análise dos principais acontecimentos dos últimos dois dias, com a contribuição de anarquistas internacionalistas na Síria.

Nos primeiro dias, a ofensiva de Hayat Tahrir al-Sham (HTS) teve avanços em direção ao oeste (Aleppo) e sul (Hama) e em Dezembro (1-2). As forças do regime Assad parecem ter capturado a cidade de Hama e contido o avanço do HTS em direção a cidade de Homs. A força aérea russa tem executado bombardeios contínuos, contra unidades do HTS mas também contra infraestruturas civis e militares em Idlib, Aleppo, e ao longo da rota por onde o HTS avança. Há relatos de casualidades civis e de combatentes. Aviões militares do regime Assad também executaram ataques aéreos, mas em menor escala. Em Aleppo, no distrito curdo de Sheik Maqsood, os residentes se prepararam para a autodefesa.

Ao norte de Allepo, o cantão de Şehba foi ocupado pelo Exército Nacional Sírio (SNA) [apoiado pela Turquia]. Milhares de pessoas que viveram em campos de refugiados desde a invasão turca a Afrin em 2018, estão sendo evacuadas. As Forças Democráticas Sírias (SDF) estão organizando um corredor humanitário para permitir a evacuação de Aleppo e Şehba. Por hora, não há registros de grandes embates entre a SDF e a SNA.

Em outras regiões da Administração Democrática Autônoma do Norte e Oeste da Síria (DAANES), ataques de artilharia e com drones foram registrados, mas na intensidade usual.

Há relatos da milícia apoiada pelo Irã, Hashd Ash-Shaabi se movendo em grandes números por territórios sírios, na região de Deir-Ez-Zor. Na mesma região, o SDF e o conselho militar do Deir-Ez-Zor estão se movendo militarmente para tomar e controlar cidades e vilarejos.

As forças do Estado Islâmico que permanecem no deserto do centro da Síria, não foram vistos fazendo grandes movimentos, mas é esperado que usem a situação para avançar sua agenda.

um mapa publicado pela Al Jazeera mostrando a atual distribuição de controle territorial na Síria

O SDF chamou por mobilizações massivas, pedindo à juventude para se unir ao SDF para estarem prontos para repelir ataques aos territórios livres. É esperado que a escalada se intensifique e que facções apoiadas pela Turquia usem esta oportunidade para atacar a região oeste da DAANES, como Minbij.

A princípio, houve boatos sobre uma tentativa de golpe em Damasco; se essa tentativa aconteceu, parece ter sido rapidamente vencida.

Egito, Rússia, os Emirados Árabes, e o Irã demonstraram forte apoio ao regime Assad.

A Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, também conhecida como Rojava, está no meio de um novo turbilhão. Nos últimos meses o número de refugiados chegando aos cantões leste, vindos do Líbano, facilmente poderiam superar 200.00 nas próximas semanas.

Nos primeiros dias da ofensiva do HTS e do avanço do SNA contra Şehba, além do cerco de Sheikh Maqsood, é evidente que o regime Assad está numa situação muito difícil; é possível que ele venha a colapsar. Entretanto, qualquer potencial domínio do HTS não será estável e não será capaz de resolver os problemas urgentes que a ditadura de Bashar al-Assad criou e agravou na Síria. De todo modo, a queda de Assad pode abir uma janela de oportunidade para mudanças na região, se sírios – tanto os que permanecem no país, quanto os que vão decidir voltar após o exílio – sejam capazes de reviver as ideias que deram origem à revolução síria.

Potenciais globais como a Turquia, os Estados Unidos, e Israel vão se beneficiar da ofensiva do HTS. O HTS responde às necessidades deles, como uma força que se opõe ao Irã, a Assad, e a Rússia. Se vencerem, e tiverem chance de investir na elaboração de um estado, aos moldes do Talibã, é possível que os principais atores na HTS exercitem sua influência num possível novo governo. É até possível que os estados supracitados possam apoiar o HTS a tomar o poder, uma vez que não estejam interessados na independência e auto-organização das pessoas sírias.

A queda do regime Assad seria boa para a DAANES de várias formas, mas também levanta grandes dúvidas:

A) Há o ério risco de que, livre da necessidade de lutar contra a Rússia e Assad, o Estado Islâmico use a oportunidade para crescer novamente, apesar de também estar em conflito com o HTS.

B) Nós podemos esperar que os Estados Unidos se tornem cada vez mais invasivos e manipulativos se a DAANES se tornar mais dependente dos Estados Unidos para se proteger de uma potencial invasão turca.

C) Encontrar um novo balanço de forças na região certamente será caótico e sangrento, e não é possível prever como isso acontecerá.

D) Isso é especialmente verdade com a Turquia expandindo sua zona de controle direto para o interior profundo da Síria.

E) Finalmente, os fundamentalistas religiosos do HTS tomando o oeste da Síria, vão provocar um drástico conflito com o projeto revolucionário no noroeste da Síria, especialmente em relação a como este processo mudou o status das mulheres na sociedade.

A situação no Líbano será bastante difícil, com o país se encontrando sitiado entre Israel e o território sírio controlado pelo HTS. Isso pode levar a uma escalada de conflitos internos. O Hezbollah perderá a rota da qual recebe apoio do Irã.

No contexto da região, a DAANES representa uma solução não estatal baseada em autogoverno e autonomia de gênero, religiosa, e étnica. Ainda assim, é a saída que menos recebe apoio internacional.

Saudações revolucionárias!

Aleppo 2024

Elementos da Cidade e Desafios Técnicos da Guerrilha

Texto original em espanhol; Nueva Subversión, 2024

Atualmente as operações urbanas são afetadas por muito mais fatores que em qualquer outro período da história das guerrilhas, complexificando o cenário e nos exigindo mudanças e reformulações, desde a leitura e reprodução de velhos manuais, até a elaboração própria da forma desconhecida do como, com quem, e quando damos combate ao inimigo.

Uma boa forma de começar é conhecer a morfologia das cidades, como o espaços estão dispostos. Para obter esse conhecimento, tem sido importante forjar não apenas teorias intelectuais, mas também compreender as intenções dos políticos, policiais e ficais têm para o controle e a tentativa de inibir ações violentas.

As novas guerrilhas urbanas são suscetíveis ao planejamento e avaliação contínua do “campo de batalha”, tendo como medida “saber pensar o espaço para saber organizar-se nele, para saber combater nele.”1 É necessário compartilhar algumas considerações técnicas com implicações diretas no estudo e reflexão para que os desafios da ofensiva subversiva sejam efetivos.

A Morfologia Urbana
Estima-se que algo entre a metade e três quartos da população mundial resida em cidades. Junto deste processo e urbanização surgem não apenas processos demográficos e quantitativos, mas também culturais, tecnológicos e socioeconômicos. Isso faz com que o estudo das cidades se torne mais complexo.

O marco mais importante no campo dos estudos funcionais sobre cidades foi estabelecido pelo geógrafo alemão Walter Christaller,

que aplicou algumas leis da economia a explicação da localização e consolidou as bases para a definição de um sistema de cidades, sob um padrão hexagonal, regido por uma hierarquia de centros urbanos a partir das distintas funções que cada cidade oferecia.

A partir de então, o estudo geográficos das cidades se organizou em dois campos separados, “o estudo das cidades”, e “o estudo da cidade”. O estudo da cidade se centrou nos temas morfológicos, que é a forma interna e externa das cidades, que se vê influenciada pela localização física e posição da entidade urbana com relação ao entorno próximo (outras cidades e vilas, meios de comunicação, informantes, etc.)

Os principais elementos que constituem a morfologia urbana são:

1. A disposição das ruas ou da trama viária, que pode ser ortogonal, rádiocêntrico ou irregular2.

2. O tipo dos edifícios ou construções predominantes. Sua visualização direta é a melhor técnica de análise, permitindo determinar a forma de sua planta, elementos construtivos, entre outros.

3. As funções das ruas e edifícios, que estão em relação direta com as suas formas.

Fig. 1: Região Metropolitana.


Para ampliar o entendimento destes elementos principais, é útil termos a noção de estrutura que seja na geografia como em outras disciplinas, “pressupõe que o espaço está regido por uma determinada ordem e ele constitui a organização essencial que o rege3”.

Em relação a estrutura interna da cidade, existem diferentes modelos explicativos. Os principais são:

1.O modelo concêntrico de Burguess: que assume que cidade se expande e faz uso do solo de maneira homogênea e circular.

2. O modelo de setores de Hoyt que reconhece zonas de natureza setorial e não circular, como resultado do comportamento residencial das classes do topo do estrato social.

3. O modelo de múltiplos núcleos de Harrys e Ullman, onde a cidade não se estrutura a partir de um só núcleo central, existem núcleos múltiplos em função das atividades das atividades de cada um deles.

Os planos da figura 1 mostram a trama viária de diferentes cidades. Sua visualização permite observarmos parte da estrutura na qual as cidades se baseiam; por ex., poderíamos interpretar para cada uso um dos três modelos mencionados antes. Mas também podemos levar em conta que não se pode replicar nenhum modelo por si só, pois pode existir uma mescla e inclusive a presença de elementos que ainda não estão contemplados estruturalmente na contante formação de cada cidade. Ao sistematizar estes elementos conhecidos e por conhecer padrões recorrentes ao campo. E para isso, além do reconhecimento sensorial cotidiano, se recomenda a elaboração e revisão de cartografias.

A Cartografia Guerrilheira

Utilizar ferramentas de cartografia é fundamental para estratégias guerrilheiras. Existem plataformas nas quais não é necessário ser um especialista de programação para manter um mapa ou plano online; o projeto uMap4 permite a qualquer um elaborar mapas com lugares destacados. Essa plataforma utiliza o mapa do projeto

OpenStreetMap5 que é uma iniciativa autônoma de acesso aberto a um mapa global.

Com estas mesmas ferramentas a Cooperativa Geográfica Cambalache preparou um guia chamado “Mapeando tua Causa”6, que explica os passos para a elaboração de um mapa no uMap. Um exemplo de destaque da elaboração de cartografias radicais no uMap, é o que tem feito o grupo Evade la Vigilanca, que mantém e atualiza um mapa com câmeras de vigilância existentes no Chile e outros países7.

Nesta linha, um dos desafios para o desenvolvimento estratégico das guerrilhas urbanas é contribuir para a criação de cenários operacionais hipotéticos, representados em mapas locais, atendendo as morfologias e tecnologias do espaço. Estes cenários podem ser construídos com base em:

1. Pontos ou rotas cegas.

2. Zonas de resfriamento.

3. Locais escondidos ou de rompimento

4. Setores brancos ou vermelhos de perigo policial, militar e/ou civil (traficantes e gangues).

5. Dispositivos onde nossos inimigos operam (casas, institutos, delegacias, estacionamentos, laboratórios, etc.)

6. Fronteiras transnacionais (supondo-se clandestinidade)

7. Vias de acesso rápido e zonas de aglomeração (supondo-se perseguição).


Um Exemplo

Para termos uma ideia mais nítida, mostraremos a aplicação prática de uma planificação cartográfica, discutindo a partir de dois casos de operações hipotéticas: ambos visam um mesmo objetivo em um território de São Paulo, mas sob uma lógica de planificação diferente e por tanto, diferente execução. Seguiremos nos concentrando no campo espacial, utilizando um plano, as geometrias básicas; ponto, linhas e polígonos, uma descrição e finalmente uma análise para complementar o processo.

Nos casos apresentados, se representa o acontecido e o acionar de uma só pessoa. Entretanto, em uma operação real, este mesmo exercício deve ser realizado por cada um des participante da operação.

Mapa 1

Observamos um ponto de Início, um Objetivo e um Fim, que estão conectados por una longa rota que os atravessa. Por sua vez, observamos um primeiro e segundo raio, que correspondem a grandes áreas que representam certos graus de risco-segurança, dado sua proximidade-distância ao objetivo. Além disso, temos um ponto de Troca Total na rota da ida ao Objetivo e outro ponto de Troca Total na rota de volta, na retirada.

Mapa 2

Evidentemente neste caso também observamos um ponto de Início, um Objetivo e um Fim, conectados por una longa rota. Mas é perceptível a complexificação da operação; por um lado, a rota é mais extensa, tanto na ida quanto na volta, e diferente do caso anterior, há um terceiro raio, mas distante e mais seguro. E, por ourto lado, além do que se apresenta de aumento em termos espaciais, existe uma complexificação e diversidade de pontos de troca. Neste caso observamos, pontos de Troca Total, mas também pontos de Troca Parcial e maior uso de meios de transporte.

Análise Cartográfica

O exercício apresentado é estruturado dentro de um dos muitos aspectos da segurança operacional; isso é, sinalizar cartograficamente uma planificação simples e complexa da intervenção e movimento em território urbano, que no melhor dos casos contribui para dificultar a reconstituição das rotas que es participantes de uma operação na investigação policial.

Há de se saber que os territórios se pretendem totalmente controlados, securitizados e vigiados. Entretanto, a realidade é que oferecem múltiplas oportunidades para a guerrilha urbana. A densidade e caos urbano e populacional contribuem para a dissipação do rastro do grupo sempre que se tomam as medidas adequadas.

Primeiro, há de se partir do entendimento que durante as operações haverão câmeras que não somos capazes de evadir e que registrarão nossas ações. Mas a condição para operamos não é a inexistência de câmeras, mas que as câmeras jamais capturem nossa identidade (rosto, tatuagens, etc.). Os nossos registros que assumimos como base, são os localizados no primeiro mapa, já que a investigação policial opera ao contrário; o rastreio para encontrar os responsáveis, partirá dos registros do mesmo ponto do Objetivo, e dali realizarão a reconstrução do acontecido desde es atacantes. De onde e sujeite veio? Até onde foi?

Por este motivo, o que realmente importa é previamente ter estudado bastante a localização destas câmeras nos raios, saber onde nos captam, e onde não, para desta forma saber jogar com elas e gerar rupturas efetivas. O resultado gerado, é que a polícia identifica nitidamente ae sujeite que ataca o objetivo, mas conforme vai reconstruindo a rota por câmeras, se depara com a perda de rastro, dado os vazios de vigilância que são aproveitados pelas Trocas Totais ou Parciais, e partes do trajeto com pouca presença de câmeras (rotas cegas). Em seguida a investigação é atrapalhada por uma multidão de suspeitos, pois es participantes se camuflam entre os transeuntes casuais dos pontos e rotas cegas. E a medida que a pessoa adiciona mais pontos de Troca Total ou Parcial, e rotas cegas, mais se multiplica a quantidade de suspeitos, mais confuso e menos rastros para a polícia.

Em suma, essa técnica aumenta exponencialmente a quantidade de recursos e de tempo empregada pelas policias.

Agora portanto, se examinarmos ob esta lente dos casos expostos anteriormente, observamos que o primeiro caso (Mapa 1) é menos seguro comparado ao segundo (Mapa 2). Porque para encontrar es atacantes no primeiro caso, o que a polícia precisa fazer é superar o primeiro ponto de troca, e conectar que a pessoa observada no primeiro raio, é a mesma que se observa no segundo rádio. Com essa informação, poderia reconstituir seu trajeto até o destino, e com ele identificar a pessoa ligada ao domicílio, e rever seus deslocamentos com o uso, por exemplo, de georreferenciamento do seu celular, no dia e na hora da operação.

Ao examinar o segundo caso, observamos que é bem mais seguro do ponto de vista da quantidade de rupturas geradas diante da linha de investigação. Pois quando chega ao objetivo é uma pessoa, mas deste ponto até eu destino, é outras três pessoas totalmente distintas, outras duas pessoas parcialmente distintas que utilizam quatro meios de transporte diferentes, e que sempre que possível recorre a atalhos e pontos cegos. E esta mesma situação se aplica a reconstituição desde o ponto do objetivo até seu início, ou seja, desde onde vem. Esta é uma planificação que complexifica em muito uma reconstituição que efetivamente chegue a se tornar uma investigação policial robusta.

Pisar o espaço

O cerno do que tratamos neste esboço lida com a necessidade de “penar o espaço para poder organizar-se nele”. Mas é imprescindível que se entenda que cada planificação cartográfica precisa ser pisada, ser vivenciada com a multiplicidade de aspectos derivados desde antes até o momento em que se opera, e que não são abordados aqui.

1Yves Lacoste, La Geografia, un arma para la guerra, p.135.

2O ortogonal, ou xadrez, é quando o plano da cidade segue uma estrutura quadriculada, com ruas que se cruzam em ângulo reto. O radiocêntrico, é quando muitas ruas surgem do centro da cidade, em todas as direções, como raios, enquanto outras circulares os cortam e o cercam de todos os lados. E as irregulares, são ruas estreitas e sinuosas, muitas delas sem saída, criadas pela ausência da planificação prévia da construção.” Isaac Bruno, Apuntes de geografia humana

3Percy C. Acuña Vigil, Qué se entiende por estructura urbana.

4https://umap.openstreetmap.fr./es

5https://www.openstreetmap.orrg

6https://web.archive.org/web/20221005220255/http://cajondeherramientas.com.ar/wp-content/uploads/2018/11/mapea_tu_causa.pdf

7Nota do No Trace Project: Em 2024, este mapa já não existe mais. Uma alternativa é Surveillance under Surveillance (https://sunders.uber.space/es/?lat=-39.1&lon=-60.2&zoom=4)

Apoie es anarquistes de myanmar

From Burmese Anarchism

Thwe Thwe Tin Saw – fugitiva anarquista, mãe solo, precisa de dinheiro para alimentos & aluguel

Ela nos diz, “Eu não gosto de nenhum governo. EU odeio a polícia, soldados, capitalismo, fascismo e racismo. Eu nunca entendi porque as pessoas sofrem discriminação. U penso que todos deveriam ser livres. É um direito humano.

O anarquismo é uma filosofia política que é contra odas as formas de autoridade e busca abolir as instituições que usam coerção e hierarquia, incluindo o estado e o capitalismo. Ês anarquistes de Myanmar querem paz e justiça: Sem Deus, Sem Mestres.

Eu gosto destas bandas de Myanmar: Rebel Riot, Kulture Shock, Death By Systems. Das internacionais, minhas favoritas são The Sex Pistols, Ramones, G.B.H

Eu participei do movimento do Food Not Bombs em Yagon e eventos pelos direitos humanos. Meu marido morreu de COVID. Bem agora, estou em Chiang Mai, Tailândia, para fugir da lei de conscrição. Eu tenho nojo do fato de que os militares seguem assassinando pessoas.

Na Tailândia, a polícia é muito cruel com refugiados birmaneses como eu – eles no extorquem. Se não gostam da gente, eles nos entregam ao exército de Myanmar.

Qualquer valor doado vai ser gasto para alimentar a mim, minhe filhe e para ágar por nossa moradia.”
—————–

Ye Yint Thit Lwin – fugitivo anarquista precisando de $ para alimentação e moradia

Ele diz, “Na minha opinião, governos e autoridades na verdade são apenas pessoas manipulando as vidas de outras pessoas em benefício próprio. Não há justiça. Por exemplo, se você é um cidadão comum e está passando por um julgamento em Myanmar – se a pessoa com quem você tem problema é um funcionário do governo, o juiz vai favorecer o funcionário.

Além disso, acredito que pessoas deveriam ter o direito de ir a qualquer lugar no mundo. Mas nós não podemos. Países, bandeiras, leis, vistos, fronteiras, etc., restringem as liberdades pessoais, e eu as odeio profundamente.

Pra mim, anarquismo é revolução auto-iniciada. Anarquistas na Birmânia querem que a Birmânia acabe com sua ortodoxia radical, várias divisões, e guerras imediatamente.

Minhas bandas punks favoritas são Discharge, Amebix, Disclose, Disfear, Wolfbrigade, Kontrasosial, Doom, Languid. Crass é minha comunidade favorita.
—————–

Pan Pan – anarquista refugiado precisando de $ para alimentação e aluguél

Ele diz, “Sou de Yangon, mas atualmente sou um refugiado em Mae Sot (Tailândia). Nasci em uma sociedade budista. Pra mim, não exite Deus, apenas justiça social. Pessoas religiosas da classe eclesiástica de Myanmar foram influenciadas por políticos corruptos, sedentos de poder e cheios de ódio. Eu acredito que em vez de doarmos dinheiro para construir estátuas de Buddha com ouro, é mais importante alimentar refugiados e pessoas sem-teto.

Eu fui voluntário no movimento do Food Not Bombs Yangon e tomei parte na revolução contra a junta militar após o golpe de estado. Me mudei para Mae Sot (Tailândia) após a declaração dos militares sobre a lei de conscrição.

Eu atualmente estou tentando organizar um “Books not Bombs” nos campos de refugiados próximos as fronteiras entre Tailândia e Myanmar para ajudar as crianças do abrigos de refugiados a acessarem uma educação adequada.

Eu vou gastar o $ em alguel, comida e serviços.”

—————–

Myo Thet Khine – anarquista ex-apenado precisa de $ para ir até uma área liberta e ajudar refugiados

Ele diz, “Eu sou de Yangon, Myanmar, mas atualmente vivo na Tailândia. Tenho 21 anos.

Eu participei do movimento Food not Bombs em Yangon. Depois do golpe militar, fui para a selva lutar contra os militares. Quando voltei para a cidade fui preso pelos militares. Depois de ser solto, entrei mai uma vez para o movimento rebelde, e organizei atividades em Yangon.

Recentemente, os militares anunciaram que todos jovens de Myanmar devem servir ao exército. Eu deixei o meu país e fui para Chiang Mai, Tailândia, para participar do Food Not Bombs – Ching Mai.

Agora eu tenho planejado ir para uma área recentemente liberta em Myanmar para ajudar refugiados. Eu vou usar os recursos como capital para cobrir os gastos da viagem.”

—————–

Kaung Si Thu – anarquista fugitivo precisa de $ para alimentação e gastos com moradia.

Ele diz, “Eu gosto de escritores anarquistas como Bakunin, Peter Kropotkin, Proudhon, Emma Goldman e Max Stirner possivelmente meu favorito. Seu livro, The Ego and It’s Own, mudou muito minha visão. Bandas punkss qu gosto incluem Sex Pistols, Crass, Dead Kennedys, Black Flag, Discharge, Bad Religion, e bandas punk de Myanmar. Pra mim, Anarquismo significa autonomia, autodisciplina, consciência e racionalismo. Possivelmente, em breve publicarei traduções de artigos sobre anarquismo.

Fui parte da greve na Universidade de Yangon, conscinte de que nossas reivindicações não seria ouvidas. Participei arremessando molotovs durante as manifestações. Autoridades responderam com bolas de borracha, bombas de gás, e munição letal. Logo vieram as prisões. Busquei refúgio no estado de North Shan onde permaneço. A duração dessa revolução provavelmente será prolongada.”

—————–

Ruth Pa – ex-apenado & vítima de tortura, precisa de $ para tratar Estrese Pós-Traumatico & medicações para saúde mental.

Ela diz, “Tenho 24 anos. Sou da etnia Chin (uma minoria em Myanmar).

Durante o golpe de estado de 22021, participei em protestos ao lado do povo Chin em Yangon. Enquanto apoiava esses movimentos, tive que viver na ilegalidade. Em Julho de 2022, as forças golpistas me capturaram, Como mulher e parte de um grupo étnico não birmanês, sofri torturas terríveis no centro de interrogatório da prisão, incluindo muitas surras, ferimentos na cabeça, e abuso sexual. Fui solta da prisão em Dezembro de 2023, mas já não podia mais viver de forma segura em Myanmar. Com a ajuda de alguns amigos, escapei para Mae Sot, Tailândia.

Dado o trauma que experienciei na prisão, atualmente estou lidando com Estresse Pós-Traumático e tratamentos de saúde mental e consultas regulares com especialistas em saúde mental. Além disso, tenho uma doença cardíaca congênita. Atualmente estou desempregada, encarando dificuldades financeiras, e vivendo com amigos.

Vou usar a ajuda de vocês para cobrir minhas despesas médicas e custos de vida no geral.”

—————–

HMrd – anarquista fugitivo/refugiado – precisa de $ para alimentação, aluguel, e visto de trabalho

Ele diz: “Pra mim, o anarquismo encorpora os princípios da ação coletiva, sindicalismo, mutualismo e apoio mútuo. Ao longo da história, humanos sempre avançaram apoiando uns aos outros, muito antes do estabelecimento de governos e monarquias. De fato, essas instituições são como pagar com o próprio sangue pela faca que fatalmente cortará nossas gargantas. Nossa história mostra que a existência humana não precisa de sistemas de governo. Meus anarquistas favoritos, que influenciaram profundamente minha visão incluem, Max Stirner, Peter Kropotkin, Emma Goldman, Bakunin, e Proudhon.

Depois do golpe de 2021, me juntei a All Burma Federation of Student Unions (ABFSU), em manifestações em Yangon. Também me juntei ao “For The Hood For The People” – um grupo anarquista da cidade de Hlaingtharyar, que ajuda comunidades marginalizadas com distribuição de comida grátis – e me uni ao Food Not Bombs Myanmar. Em Fevereiro de 2024, quando o exército birmanês passou a executar a lei de conscrição, fugi para a Tailândia.”
—————–

Os fundos podem ser enviados das seguintes formas – email megamouthrebels@gmail.com depois de fazer sua contribuição deixe-nos saber quem você está apoiando.

Doadores recebem uma nota de agradecimento, foto e um recibo dedutível.


——————————
Cartões de Crédito – Clique AQUI
Crypto – 1MmbdJFC8oU6kdAbVTw9JDkyUmvYqqqL67
PayPal – HumanistMutualAid@gmail.com

Mate o Policial no seu Bolso

Retirado de Anarsec

Cultura de segurança e segurança operacional efetivas previnem que forças repressivas descubram sobre nossas atividades criminais específicas, mas também nossas vidas, relacionamentos, padrões de movimento, e tantos outros. Esse conhecimento é uma grande vantagem na hora de chegar a suspeitos e realizar vigilância direcionada. Esse artigo traz algumas estratégias para matar o policial no seu bolso.

A localização de seu telefone é rastreada a todo o tempo, e esses dados são capturados por empresas, permitindo à polícia contornar a necessidade de conseguir um mandato. Os identificadores do hardware e informações de assinatura são registrados por toda e cada uma das torres com as quais seu telefone se conecta. Serviços de raqueamento como Pegasus colocam o comprometimento total de telefones ao alcance mesmo de agências repressivas locais e são “zero click”, ou seja, não dependem que você clique em um link ou abra algum arquivo para raquear seu celular. Por outro lado, após mais de 30 incêndios criminosos em uma pequena cidade na França permanecerem sem suspeitos, investigadores reclamaram que “é impossível usar registro de telefone ou veículos porque eles operam sem usar carros ou celulares!”.

Em uma recente operação repressiva contra um anarquista, a polícia rastreou em tempo real a geolocalização do celular flip do suspeito e fez uma lista de todos para quem ele ligou. É sabido que vigilância deste tipo não é incomum, e mesmo assim muitos camaradas carregam um celular com eles não importa para onde vão, ou fazem ligações não criptografadas para outros anarquistas. Nós acreditamos que ambas estas práticas deveriam ser evitadas. Não vamos facilitar tanto o trabalho da polícia ou agências de inteligência, entregando nossos círculos sociais e geolocalização para eles em uma bandeja de prata.

Se você deixa seu celular em casa, a polícia vai precisar recorrer a vigilância física para determinar seu paradeiro, algo que consome muito mais recursos e é detectável. Se você for posto sob vigilância física, o primeiro passo dos investigadores é entender seu “perfil de movimento”, e o histórico da geolocalização do seu telefone oferece um retrato detalhado de seus padrões diários.

Alguns anarquistas respondem a problemas com smartphones usando celulares flip ou telefones fixos para se comunicarem uns com os outros, mas essas não são boas soluções. Celulares flip e telefones fixos não suportam comunicação criptografada, então o Estado descobre quem está falando com quem e sobre o que. Um dos principais objetivos da vigilância direcionada é mapear os círculos sociais do alvo para identificar outros alvos. A única forma de evitar entregar estas informações para nossos inimigos é usar somente meios criptografados para comunicação com outros anarquistas, quando ela for mediada por tecnologias.

A normalização da conectividade constante dentro da sociedade dominante levou alguns anarquistas a perceberem corretamente que metadados são úteis para investigadores. Entretanto, a conclusão a que alguns chegam, de que deveríamos “nunca desligar o telefone”, nos leva na direção contrária. A lógica deles é que suas interações com tecnologia formam um padrão básico de metadados, e os momentos que se desviam desta base se tornam suspeitos se coincidem com quando certas ações acontecem, que estes metadados podem ser usados por investigadores para chegar até os suspeitos. Por mais que seja verdade, a conclusão oposta tem muito mais sentido: anarquistas deveriam minimizar a criação de padrões de metadados acessíveis e úteis a investigadores.

Nossas conexões com as infraestruturas de dominação devem permanecer opacas e imprevisíveis se pretendemos manter a habilidade de atacar o inimigo. E se reconhecimento de terreno exigido por uma ação envolver um fim de semana inteiro longe de nossos dispositivos eletrônicos? Vamos começar com o simples fato de que celulares devem ser deixados em casa durante uma ação – isso só se torna uma anomalia em um padrão se celulares te acompanham onde quer que você vá. Em uma vida normativamente “sempre conectada”, ambas mudanças de metadados se destacariam rapidamente, mas não é o caso se você se recusar a estar constantemente plugado. Para minimizar suas pegadas de metadados, você deve se acostumar a deixar o celular em casa.

Celulares colonizaram a vida cotidiana, pois as pessoas foram incutidas com a crença de que elas precisam de comunicação síncrona a todo momento. Sincronismo significa que duas ou mais partes se comunicam em tempo real, em oposição a algo assíncrono como e-mail, onde mensagens são enviadas em momentos diferentes. Essa “necessidade” foi normalizada, mas vale a pena resistir a ela dentro de espaços anarquistas. O anarquismo só pode ser anti-industrial. Precisamos aprender a viver sem as conveniências vendidas pelas empresas de telecomunicação, devemos defender (ou reavivar) nossa habilidade de viver sem estarmos conectados a Internet a todo momento, sem instruções algorítmicas em tempo real, e em a flexibilidade infinita de mudar de planos no último minuto.

Se você decidir usar um celular, para dificultar o máximo possível que um adversário o geolocalize, intercepte suas mensagens, ou o raqueie, use GrapheneOS. Se conseguirmos concordar em usar somente comunicação criptografada para nos comunicarmos com outros anarquistas, isso exclui os celulares de flip e telefones fixos. GrapheneOS é o único sistema operacional de smartphone que oferece um nível aceitável de segurança e privacidade.

Para impedir que seus movimentos sejam rastreados, trate o smartphone como uma linha fixa e deixe-o sempre em casa. Mesmo se você usa um cartão SIM comprado de forma anônima, se ele for ligado a sua identidade no futuro, a provedora do serviço pode ser retroativamente consultada por dados de geolocalização. Se você usar o telefone como estamos recomendando (como um dispositivo que só funciona com Wi-Fi, mantido a todo tempo em modo avião), ele não vai se conectar com as torres de celular. Não é o bastante apenas deixar o celular em casa quando você estiver indo para uma reunião, manifestação ou ação pois essa será a anomalia em seu padrão de comportamento e serve como indicação de que uma atividade criminal está acontecendo naquela janela de tempo.

Você pode escolher viver totalmente sem telefones, se sentir que não precisa de uma “linha fixa criptografada”. As estratégias a seguir servem para minimizar a necessidade de telefones precisarem computadores, onde comunicações síncronas são também possíveis mas mais limitadas.

Burocracia

Muitas instituições burocráticas que somos forçados a conviver, dificultam uma vida sem celulares: planos de saúde, bancos, etc. Comunicação com burocracias não precisam ser criptografadas, então você pode usar um aplicativo de Voice over Internet Protocol (VoIP). Isso te permite fazer chamadas telefônicas através da internet, sem usar torres de celular.

Qualquer aplicativo VoIP disponível em um computador é assíncrono pois ele não toca quando o computador está desligado — você precisa do recuro de correio de voz para retornar ligações perdidas. Por exemplo, um serviço como jmp.chat te dá um número VoIP, que você pode pagar com Bitcoin, e você faz chamadas usando um aplicativo XMPP — Cheogram funciona bem.

VoIP geralmente funciona para qualquer autenticação de dois fatores (2FA) que você precisar (quando um serviço exige que você recebe uma número aleatório para fazer login). Números de telefone online são outra opção.

Apesar de geralmente mais caro do que VoIP, um celular de flip ou linha fixa dedicada exclusivamente a isso também funciona bem para recepção de chamadas “burocráticas”, como as mencionadas anteriormente.

Comunicação

Não carregar um telefone para todo lugar que se vai exige uma mudança na forma que você socializa, se você já foi pego na rede. Ser intencional sobre minimizar a mediação das telas em seus relacionamentos é um objetivo valioso por si só.

Usar uma “linha fixa criptografada” para fazer telefonemas e um computador para mensagens criptografadas nos permite evitar o fluxo interminável de notificações em um dispositivo que está sempre ao nosso alcance.

Todos sairíamos ganhando se déssemos uma boa e longe olhada na monocultura de chats em grupo do Signal que foram substituídos por encontros cara a cara em algumas partes dos espaços anarquistas. Essa captura da organização de relacionamentos por celular nos trancafia numa reunião que nunca acaba e é relativamente fácil de se monitorar.

Dito isso, comunicação criptografada pode ser útil para determinar uma data e hora para um encontro, ou para projetos compartilhados através de distâncias. Veja, Mensagens Criptografadas para Anarquistas para várias opções apropriadas para um modelo de ameaça anarquista.

Chamadas de Emergência

Um transeunte pode te oferecer o telefone dele para uma chamada de emergência, se você disser que o seu está em bateria. Para receber chamadas de emergência, se você não pode ser encontrado por nenhum dos meios descritos anteriormente , nós podemos ir até as casas uns dos outros ou organizar checagens por mensageiros criptografados previamente. Que cenários exigiriam que você estivesse disponível para receber uma chamada a qualquer momento? Se isso de fato existe na sua vida, você se organizar sem projetar aquela urgência em todas outras áreas e momentos.

Direções

Compre um mapa de papel da sua área e ande com ele. Para viagens mais longas ou quando precisar se orientar, use OpenStreetMap para anotá-los com antecedência.

Música e Podcasts

Eles ainda fazem tocadores mp3! Por um preço bem mais em conta, você pode ouvir músicas e podcasts , em um dispositivo que não tem GPS ou hardware de rádio. Entretanto, isso não significa que você não possa ser geolocalizado pro um tocador MP3 . Se ele se conectar com seu Wi-Fi, a localização aproximada de seu aparelho MP3 pode ser determinada pelo seu endereço de IP.

De Fernweh (#24)

Eles está sempre com a gente, não importa onde vamos ou o que estamos fazendo. Ele nos mantém informados sobre tudo e todos: o que nossos amigos estão fazendo, quando o próximo metrô parte, e qual será o clima de amanhã. Ele toma conta de nós, nos acorda pela manhã, nos relembra de encontros importantes, e sempre nos escuta, quando vamos pra cama, quando e onde estivermos, com que nos comunicamos, quem são nossos melhores amigos, o tipo de música que escutamos, e quais são nossos hobbies. E tudo que ele pede é um pouquinho de eletricidade de vez em quando?

Quando eu faço um passeio ou pego o metrô, eu o vejo com quase todos, e ninguém consegue ficar mais do que alguns segundos sem freneticamente buscar pelo que tem no bolso: o celular vem à tona, uma mensagem é enviada, um e-mail é conferido, uma foto recebe um like. Ele é deixado de lado novamente, um peuqeno intervalo, e lá vamos nós de novo, folheando as notícias do dia e checando o que todos seus amigos estão fazendo…

É nosso companheiro quando estamos no banheiro, no trabalho ou na escola, e ele aparentemente serve ara lutar contra o tédio enquanto nós esperamos ou trabalhamos, etc. Essa talvez seja uma das razões do sucesso de todos esses dispositivos tecnológicos, que a vida real é tão absurdamente entediante e monótona que uns poucos centímetros de tela quase sempre é mais interessante do que o mundo e as pessoas a nossa volta? É como um vício (as pessoas definitivamente têm crises de abstinência…) ou ele já se tornou parte do nosso corpo? Sem ele, nós já não sabemos como nos orientar e sentimos que algo está faltando? Então não é apenas mais uma ferramenta ou brinquedo, mas uma parte de nós que também exerce um certo controle sobre nós, ao qual nos adaptamos, por exemplo, não sair de casa antes da bateria estar totalmente cheia? O smartphone é o primeiro passo em turvar a linha entre o humano e o robô?

Quando vemos oque todos tipo de tecnocrata tem profetizado (Google Glasses, implantes de chips, etc.), é quase como estivéssemos indo em direção a nos tornarmos ciborgues, pessoas com smartphones implantados que controlamos através de nossos pensamentos (até que nossos próprios pensamentos sejam controlados). Não é surpreendente que a mídia, o porta-voz da dominação, nos mostre apenas os aspectos positivos deste desenvolvimento, mas é chocante que quase ninguém questiona esta visão. É possivelmente o sonho mais louco de todo governante: ser capaz de monitorar os pensamentos e ações de todos a todo momento, e ser capaz de intervir imediatamente no caso de qualquer distúrbio. Zangões trabalhadores totalmente controlados que têm alguma diversão (virutal) como recompensa enquanto uns poucos lucram.

Com as vastas quantias de dados agora tão prontamente disponíveis para todos e qualquer um a qualquer hoje do dia, controle social e vigilância também chegaram a um novo patamar. Isso vai muito além de grampear celulares os folhear entre mensagens (como durante as revoltas de 2011 no Reino Unido). Com acesso a uma quantidade incrível de informação, agências de inteligência são capazes de definir o que é “normal”. Eles são capazes de determinar que locais são “normais” para nós, quais contatos são “normais”, etc. Em resumo, eles podem rapidamente estabelecer e estabelecer praticamente em tempo real se estamos desviando do comportamento que eles estabeleceram como “normal”. Isso dá muito poder a certas pessoas, que é usado sempre que há uma oportunidade de tomar vantagem deste poder (ou seja, vigiar pessoas). Tecnologia é parte do poder, ela vem do poder e necessita de poder. É preciso um mundo em que certas pessoas tenham muito poder para permitir a produção de algo como o smartphone. Toda tecnologia é um produto da tendência opressiva do mundo, é parte disso, e serve a ele.

No mundo de hoje, nada é neutro. Até então, tudo que foi ou tem sido desenvolvido é criado para estender o controle e fazer dinheiro. Muitas das inovações das últimas décadas (como GPS, energia nuclear, ou a internet) vem diretamente dos militares. Na maior parte do tempo esses dois aspectos estão de mãos dadas, mas o “bem-estar da humanidade” certamente não é uma motivação, especialmente quando é desenvolvido pelos militares.

Talvez se pegarmos o exemplo da arquitetura podemos ilustrar algo tão complexo quanto a tecnologia: peguemos uma prisão vazia e em desuso, oque poderia ser feito com essa estrutura se não a botar abaixo? Suas própria arquitetura, suas paredes, suas torres de vigilância, suas celas, já contém o propósito da construção: aprisionar pessoas e as destruir psicologicamente. Seria impossível para mim viver dentro de uma prisão, simplesmente porque a construção é opressiva.

É o mesmo com todas as tecnologias de hoje que nos são apresentadas como progresso e como algi que deixa a vida mais fácil. Elas são construídas com a intenção de fazer dinheiro e nos controlar, aqueles que ficam ricos coletando nossos dados e te monitorando sempre vão se beneficiar mais que você.

Se no passado dizíamos que “conhecimento é poder”, hoje deveríamos dizer que “informação é poder”. Quantos mais os governantes sabem sobre seus súditos, melhor ele pode dominá-los — nesse sentido, tecnologia como um todo é uma poderosa ferramenta de controle para prever e portanto prevenir pessoas de se reunirem para atacar o que as oprime.

Esses smartphones aparentemente precisam mais do que um pouquinho de eletricidade… Na nossa geração, que ao menos conheceu um mundo sem smartphones, ainda deve haver algumas pessoas que ainda abem do que eu estou falando, que ainda sabe o que é ter uma conversa sem estar olhando para seu telefone a cada trinta segundos, para se perder e descobrir novos lugares, ou ter uma discussão sem imediatamente consultar o Google pela resposta. Mas eu não quero voltar ao passado, até porque não seria mais possível, quanto mais a tecnologia penetra nossas vidas, mais difícil fica de destruí-la. E formos uma das últimas gerações a serem capazes de parar essa evolução de seres humanos em robôs completamente controlados?

E se em algum ponto formos incapazes de reverter essa formação? A humanidade chegou a um novo estágio tecnológico histórico. Um estágio onde é capaz de aniquilar toda vida humana (energia nuclear) ou modificá-la (manipulação genética). Esse fato reforça mais uma vez a necessidade de agirmos hoje para destruir essa sociedade. Pra isso, precisamos encontrar outras pessoas e comunicar nossas ideias.

Não é óbvio que se ao invés de conversamos uns com os outros, nos comunicarmos em mensagens de cinco sentenças ou menos, haverão efeitos de longo termo? Aparentemente não. Primeiro de tudo, o modo como pensamos influencia como falamos, e vice-versa — a forma como falamos e comunicamos influencia a forma que pensamos. Se só formos capazes de trocar mensagens curtas e resumidas, como podemos falar de outro mundo, como podemos criá-lo?

Comunicação direta entre indivíduos autônomos é a base de qualquer rebelião compartilhada, é o ponto de partida de sonhos compartilhados e lutas em comum. Sem comunicações não mediadas, a luta contra esse mundo e por liberdade é impossível.

Então, vamos nos livrar desses telefones e nos encontramos pessoalmente em uma insurgência contra este mundo! Sejamos incontroláveis!

A Abolição do Assistencialismo

[tradução do capítulo 14 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Raça é uma questão que há muito assusta e confunde radicais nos Estados Unidos. Anarquistas brancos estão especialmente chocados com a falta de diversidade, especialmente de negros, entre as pessoas que se juntam a eles nas ruas e no trabalho coletivo. Anarquistas brancos já gastaram infinitas horas tentando localizar “onde fica a cor”, seja em manifestações antiglobalização ou em suas infolojas locais. Ao redor do mundo a maioria dos anarquistas não são brancos. Nos últimos anos a comunidade anarquista dos Estado Unidos  começou a se parecer mais com o resto do mundo: étnico e culturalmente diverso. Um número crescente de latinos, asiáticos, árabes e outras pessoas racializadas têm se identificado como anarquistas, e ainda assim isso não é o suficiente para aplacar o sentimento de que falta alguma coisa. Não nos enganemos, o que mais preocupa os anarquistas brancos não é a ausência de latinos ou asiáticos em seus grupos mas a ausência de negros. Isso pode ser o resultado de uma história cultural racista única dos EUA. Raça é um aspecto essencial da opressão estatal e um pilar da exploração capitalista. Nenhum desafio genuinamente revolucionário seja contra o Estado ou o capitalismo nos EUA pode ignorar a importância do racismo na manutenção do atual sistema e os anarquistas também não. Infelizmente, tokenismo, exigências por programas de auxílio, e outros vestígios da Esquerda, não fez das comunidades anarquistas um lugar acolhedor para pessoas negras.

Apesar da nossa crescente diversidade étnica e racial, ainda paira o espectro de que o movimento anarquista é muito branco. Anarquistas brancos geralmente se sentem tão frustrados com a visível ausência de pessoas negras em projetos anarquistas que eles facilmente se tornam suscetíveis a jogos de poder de indivíduos – anarquistas ou não – que falam por comunidades negras. Muitas vezes um ativista (geralmente uma pessoa branca especializada em antirracismo) implode reuniões acusando os participantes de racismo. Pelo medo de serem rotulados de racistas, coletivos inteiros podem se paralisar por sua inabilidade de atrair (apesar de que, o jargão marxista de recrutar seria uma palavra mais adequada) pessoas negras para seu projetos. Em outros momentos, as questões raciais e de preocupações de diversidade tem involuído em acusações estridentes levando a culpa branca autodestrutiva. Coletivos brancos têm chegado a aliviar sua culpa procurando membros da comunidade negra local para se juntar a eles, em espasmos de tokenismo que não beneficiam ninguém.

Inúmeras horas e muita preocupação foram dedicadas à criação de um alcance eficaz para comunidades negras. Apesar da quantidade de discussões sobre os anarquistas dos Estados Unidos serem majoritariamente brancos, houve muito pouco avanço em atrair pessoas negras para a anarquia. Alguns grupos se tornaram Testemunhas de Jeovás políticas: ativistas brancos indo de porta em porta em comunidades negras, pregando os benefícios do anarquismo. Isso é o paternalismo em sua pior forma, assumindo que é o “fardo do anarquista branco” elevar a consciência de toda pessoas negras a altura de nossas crenças políticas. Esse comportamento é especialmente hipócrita quando anarquistas brancos vivendo em comunidades negras empobrecidas taxam outros anarquistas de racistas, enquanto gentrificam vizinhanças inteiras. Alguns sugeriram diminuirmos a retórica e os princípios anarquistas, mudando a forma que nos vestimos ou o tipo de música que ouvimos, para não alienarmos as pessoas negras, como se a comunidades delas fossem menos tolerantes ou mais conformistas que qualquer outra sociedade. Alguns sugeriram que precisamos trabalhar com organizações autoritárias em comunidades negras para podermos os persuadir a causa anarquista. Isso sugere que organizações autoritárias são típicas de comunidades negras. Assume, implicitamente, que somente brancos podem realmente apreciar abordagens não-hierárquicas de organização e que pessoas negras se incomodariam com ideias tão radicais. Essas tentativas, apesar de geralmente sinceras, são paternalistas e sugerem um profundo desrespeito por comunidades negras. Elas ignoram a longa história de antiautoritarismo negro, das revoltas de escravizados de Nat Turner ao movimento por autonomia negra nos anos 80. Tanto paternalismo também demonstra uma imensa ignorância do número de instituições autoritárias brancas que se enraizaram em comunidades negras, do cristianismo evangélico ao partido democrata.

É um absurdo acreditar que comunidades negras, especialmente aquelas vivendo sob as botas da brutalidade policial, são tão frágeis a ponto de serem alienadas por aparências externas ou gosto musical. Por exemplo, após as revoltas de 2002 em Cincinnati, um contingente de anarquistas planejando tomar as ruas debateu se “blocar” confundiria as pessoas negras e causar mais repressão policial para a comunidade local. Esses medos se mostraram infundados. Quando anarquistas mascarados apareceram um pastor local, um homem negro, comentou como estava impressionado que a “garotada de Seattle” (nas palavras dele) tinham vindo para Cincinnati e estavam marchando ombro a ombro na comunidade, contra a brutalidade policial. Ele até pediu por um cartão de visita (!) para se manter em contato com os anarquistas para futuras colaborações. Os anarquistas também ensinram vários grupos de adolescentes negros como transformar suas camisetas em máscaras para que evitassem identificação e repressão policial. Esse pequeno exemplo ilustra que comunidades negras podem estar dispostas a fazerem alianças com pessoas com diferentes táticas, roupas, e culturas, se a parceria for de iguais trabalhando em solidariedade. Não deveria ser supresa que comunidades negras em Cincinnati reagiram positivamente à anarquistas brancos,

Combatendo racistas em Bristol

Após um homem ter atacado uma aula de dança em Southport, assassinando três crianças, fascistas se aproveitaram do clima de revolta e impulsionados por campanhas de desinformação, realizaram ataques racistas e xenofóbicos por toda Inglaterra. Este é um relato de companheires antifascistes de Bristol, das ações de autodefesa comunitária que executaram.

Publicado orginalmente em FreedomNews.

Combatendo racistas em Bristol: Somente nós podemos proteger nossas comunidades

O sábado nos mostrou a incompetência da polícia, enquanto a resistência antifascista mostrou que somente nós podemos salvarmos uns aos outros.

Chegamos cedo em Castle Park, região central de Bristol, e o lugar já estava movimentado, de acordo com o Bristol Antifascists, haviam cerca de 700 de nós. O boato circulando era de que fascista já haviam tentado começar brigas com moradores locais. Mais ou menos uma hora depois do começo do contraprotesto, percebemos que eles vinham chegando nas bordas do parque. Eles foram vistos se aproximando pelo leste, marchamos para encará-los, cerca de cinquenta metros atrás da linha de policiais montados e oficiais com cassetetes.

Os fascistas não anteciparam quantos de nós apareceriam, mas eles chegaram bêbados, com raiva e procurando briga. Confirmando que os superávamos em números, nós cantamos “We are many, you are few. We are Bristol, who are you?!” (“Nós somos muitos, vocês são poucos. Nós somos Bristol, vocês são quem?!”). Eles eventualmente foram atacados pela polícia montada, mas cerca de 100-200 fascistas se reagruparam na colina. Nós nos mantivemos firmes encarando uma chuva de garrafas de vidro, latas de cerveja e pedras. Um par de vezes eu vi antifascistas impedindo latas de acertarem os policias entre nós.

Nos lançamos em ação, ajudando um homem negro que foi atacado, e percorrendo toda ponte de Bristol para ter certeza que eles não seriam capazes de avançar mais. Eu vi a polícia montada confusa e chocada com a dispersão da multidão, completamente incompetentes em lidar com os fascistas. Nós empurramos os fascistas rua abaixo, pela High Street, St Nicholas Street e ponte de Bristol até acabarem encurralados e sem fôlego. Um pouco depois, nós entendemos que a polícia os manteve exatamente na direção que eles queriam ir — em direção ao Mercure Hotel, que atualmente abriga refugiados.

Com a polícia a caminho, nós, agora com menos da metade do nosso número original, corremos as ruas de Bristol cantando “Bristol é antifascista” enquanto as pessoas nos olhavam, nos restaurantes, ao redor da Queens Square e na ponte de Redcliffe. Camaradas nos entregaram garrafas dágua e barras de cereais no caminho, conferindo se todos estávamos bem, se mantendo próximos conforme costurávamos pelo tráfego.

Eu nunca vou esquecer oque eu vi quando chegamos — depois de ouvir que a polícia planejava proteger o hotel com vans e polícia de choque — uma pequena fila de antifascistas de braço dados enfrente a porta já estava presente. Policias de bicicleta estavam tentando nos alcançar, nenhum outro tipo de polícia a vista. Por cerca de 30 minutos nós festejamos, com refugiados nos agradecendo pelas janelas de seus quartos. Eles estavam muito felizes — crianças e suas famílias acenando, sorrindo e fazendo corações com as mãos. Eu chorei. Nós cantamos, “Refugiados são bem-vindos!”. Nós não tínhamos certeza se os fascistas apareceriam, mas logo, eles vieram subindo a colina em nossa direção.

Nós formamos linhas e nos preparamos, ficando ombro a ombo o mais firme possível para nos certificarmos que eles não conseguiriam passar. Um camarada atrás de mim foi atingido na cabeça por uma lata. Outro levou um soco no rosto. Um fascista, que tinha sangue escorrendo por sua cara já bastante vermelha, liderou o bando da estrada na tentativa de chegar a porta do hotel, mas nunca chegou lá. Nós defendemos o hotel e uns aos outros, e nós teríamos continuado o quanto fosse preciso. Os momentos passam como flashs na minha memória — certamente não pareceram só 15-20 minutos, a sensação é que tudo acabou em minutos depois que a polícia montada apareceu novamente.

Aquele ataque intenso foi a última vez que estivemos em contato com um dos grupos de fascistas, mas ainda precisávamos lidar com a polícia. Depois de horas deixando os fascistas descansar ao lado da estrada, a polícia eventualmente formou um semicírculo ao nosso redor. Porta-vozes locais do Partido Verde negociaram com a polícia para nos dizerem qual o momento seguro para sairmos, que a polícia teria tudo sob controle e empurrado os fascistas de volta até Temple Meads. Mas após a incompetência da resposta policial até então, cerca de 50 de nós permanecemos atentos. Nós negociamos (de mais) com a polícia, deixando eles entrarem para usar o banheiro do hotel para usar o banheiro (apesar de nós mesmos não termos permissão de entrar). Conforme seus números cresciam ao nosso redor, permanecemos ombro a ombro nas portas do hotel até o anoitecer.

A noite terminou violentamente. Outro grupo de fascistas — a polícia — decidiu que o meio de nos dispersar seria através do bully. Eles aleatoriamente atacaram um camarada mascarado, executando a seção 60, isolando ele e o agarrando pelo braço para tirá-lo do grupo. Nó puxamos o camarada de volta, mas a essa altura os policiais decidiram nos tacar indiscriminadamente. Inúmeros policiais dividiram o grupo em dois, empurrando a maioria de nós para mais perto dos fascistas apesar de nos dizerem que nossa saída “segura” estava na direção oposta. A maioria dos policiais agiu igual, sem entender o que havia acontecido, confusos e incertos do que fazer à seguir. Após mais 15 minutos de impasse com a polícia, nós nos espalhamos sabendo que nosso trabalho ali havia sido um sucesso.

Nós, o povo, defendemos nossa cidade no Sábado. Nem policiais, nem políticos. O que parecia uma tentativa de pogrom organizada por fascistas foi impedido pela comunidade de Bristol ombro a ombro. A patética resposta da polícia é outro exemplo de que eles nunca nos ofereceram a segurança ou proteção que alegam. No sábado, nós mostramos o poder da nossa comunidade.

Nós permanecemos prontos e preparados para agir novamente. Vamos mostrar aos fascistas que eles sempre serão superados em números, que nunca vão ser bem-vindo por aqui, e que devem ter medo de dar as caras.

~ Cristian Talbot


Nota do Editor: Para complementar esse relato, incluímos aqui a declaração da Bristol Antifascists:

Ontem (Sábado, 03 de Agosto de 2024), Bristol Antifascists se uniu a grupos antirracistas e antifascistas de Bristol e do sudeste, junto de centenas de moradores de Bristol, para nos opormos ao protesto de extrema direita “Stop the Boats”.

Que ninguém tenha dúvidas: centenas de moradores comuns de Bristol seguraram a linha contra um assalto brutal e contínuo de fascistas tentando atacar o hotel que serve de moradia para famílias em busca de asilo. A polícia falhou completamente em seu dever de proteger essas famílias. 

Desorganizados, incompetentes e em absoluta desvantagem numérica em relação aos fascistas, a polícia de Avon e Somerset e outras forças trazidas de fora da área, se deixadas sozinhas, teriam permitido que um pogrom acontecesse. A essa altura todos sabem dos assassinatos de Bebe, Elsie  Allice em Soutport na segunda-feira (29 de Agosto de 2024). Ficamos de coração partido por essas crianças, suas famílias e amigos. Nós não podemos imaginar a dor que estão sentindo. Nós desejamos uma recuperação rápida para as outras crianças e adultos feridos e traumatizados por este ataque. 

Fascistas e a extrema direita estão usando esta tragédia, e a história completamente falsa de que o atacante era um imigrante ou estava em busca de asilo político e um muçulmano, como desculpa para justificar pogrons contra membros de nossas comunidades ao redor do país. 

Bristol Antifascists e nossos camaradas se juntaram ao contraprotesto estático e pacífico, com cerca de 700 pessoas as 6pm em Castle Park. A todo momento, pequenos grupos de fascistas tentavam provocar ou mesmo atacar a pessoa nas bordas do protesto. Por volta das 7pm um grupo maior, com cerca de 100-200 fascistas se juntaram perto de Castle Park. Os fascistas nitidamente haviam passado o dia todo bebendo, cheios de coragem líquida, procurando por violência, tentando marchar diretamente até o contraprotesto estático próximo da Igreja de São Nicolau.

O que se seguiu foi uma série de ataques contra o protesto estático, conforme os fascistas repetidamente quebravam as fracas barreiras policiais. Nós encaramos latas cheias de cerveja e cidra, garrafas de vidro e pedras grandes sendo arremessadas, e uma série de assaltos físicos diretos por grupos de homens que gostariam de ser durões, bêbados e cheios de cocaína, que repetidamente foram repelidos por contramanifestantes e antifascistas muito melhores organizados. Mesmo com os cavalos e cães de ataque, a polícia estava em grave desvantagem numérica e desorganizada de mais para efetivamente controlar os fascistas, e a autodefesa coletiva era a única coisa mantendo todos a salvo. 

Eventualmente os fascistas recuaram até a ponte de Bristol. Sabendo que eles provavelmente iriam para Redcliff Hill, onde o Mercure Hotel fica, uma decisão rápida foi tomada entre cerca de 200-250 contramanifestante para nos dirigirmos via Queen Square até o hotel, para protegê-lo.

Quando nós chegamos não havia polícia, exceto por uns policias de bicicleta que nos seguiram. Conscientes da nossa aparência potencialmente assustadora para os residentes do hotel, nós fizemos questão de demonstrar nossa solidariedade e amor por eles, com antifascistas e residentes do hotel trocando acenos, sinais de jóia e fazendo corações com as mãos. Foi realmente impressionante ver quantos dos residentes eram muito jovens, crianças com idade de escola primária. As janelas das escadas do lobby estavam cobertas por desenhos de crianças.

Um grupo de contramanifestantes formou uma linha e entrecruzaram os braços ao longo de toda entrada do hotel. Após uns 30 minutos, um grupo de 80-100 fascistas, que haviam escapado da polícia na ponte de Bristol, marcharam Redcliff Hill acima e imediatamente começaram a nos atacar. Novamente, a polícia estava em imensa desvantagem numérica e incapaz de efetivamente defender a si mesma, menos ainda defender outros. 

Por cerca de 15-20 minutos, antifascistas permaneceram firmes, nos defendendo coletivamente de constantes e intensas ondas de socos, chutes, garrafas e pedras arremessadas por fascistas que queriam atacar o hotel e seus residentes. O punhado de policiais presentes falharam, usando seus cassetetes para bater em pessoas aleatórias, e eventualmente usando spray de pimenta em grupos de pessoas.

Quando o reforço da polícia finalmente chegou, na forma de cães de ataque, cavalos e mais oficiais, os fascistas recuaram para o outro lado de Redcliff Hill. Eles permaneceram lá rapidamente perdendo números, ocasionalmente lançando um insulto ou garrafa aos contramanifestantes, mas incapazes de formar mais um ataque contra o hotel. 

A maioria dos 200-250 contramanifestantes permaneceram fora do hotel, para o protegerem até cerca de 9pm quando os porta-vozes do Partido Verde de Bristol começou a incentivar as pessoas a irem embora dizendo a elas que agora a polícia tinha a situação sob controle. Como Bristol Antifascists queremos que fique dito: isso foi errado da parte deles. A polícia havia demonstrado total inabilidade em defender as pessoas abrigadas no Mecury Hotel ou em conter a ameaça fascista em nossa cidade. Ainda havia potencial para os fascistas reagruparem e tentarem novamente atacarem o hotel. Cerca de 50-60 pessoas escolheram ficar no hotel conforme escurecia. Nós recebemos um pedido dos pais dentro do hotel, para mantermos algum silêncio já que eles estavam pondo as crianças menores para dormir, e nós alegremente concordamos. 

Próximo das 10pm, conforme mais polícia chegava no hotel, nós decidimos que era o melhor momento de silenciosamente sairmos em grupo e então dispersarmos em uma área segura. Entretanto, isso foi depois da polícia decidir reafirmar sua autoridade após um dia honestamente humilhante pra eles. Enquanto a as pessoas estavam quietas, sentadas na grama ou conversando em grupos em frente a entrada do hotel, um grupo de policiais com uniforme do choque de repente se deslocou até a frente do hotel, empurrando, batendo, e gritando com contramanifestantes sem nenhum motivo aparente. Tudo bem. Deixe que eles acreditem que estão no comando. Qualquer coisa que os mantenha quietos. 

Apesar da óbvia confusão e falta de comunicação entre diferentes grupos de policiais tentando nos mandar para direções opostas, nós eventualmente deixamos a área de Redcliff Hill, e dispersamos silenciosamente, nos misturando a agora quieta noite da cidade em que vivemos e tanto amamos. 

Não queremos deixar dúvidas aqui: a mídia e os políticos e a polícia vão falar sobre “manifestantes” e “o público” como se eles fossem dois grupos mutuamente excludentes. Nós somos o público. Essa cidade é nossa casa, e as pessoas que vivem aqui, de todas as raças, etnias e religiões são nossos vizinhos e amigos. Assim como os residentes do Mercure Hotel. Bristol recebe imigrantes e refugiados de braços abertos, e se precisarmos, vamos lutar por eles. 

Ontem vimos o poder e a importância da autodefesa comunitária. Residentes normais de Bristol botaram a si mesmos em risco para proteger vizinhos no Mercure Hotel, e impedimos que uma multidão de racistas violentos fizessem mal as famílias de lá. A polícia foi mais que inútil, e foi a solidariedade coletiva, a coragem e a convicção moral de contramanifestantes antifascistas que mantiveram os fascistas afastados. 

Novamente, nós somos o público. Fora daqui somos pessoas comuns, com vidas entediantes comuns, e empregos entediantes comuns. Antifascismo é e deve ser um esforço coletivo, e conforme este pico de violência da extrema direita continua, nó vamos precisar que todos compareçam e façam sua parte para manter nossas comunidades seguras ao redor do país. 

Todo dia é uma batalha de Cable Street. 
Continuem lutando. 
Sempre Antifascista. No Pasaran. 

Amor e Solidariedade Sempre. 
Bristol Antifascists.