MANUAL GONZO FUTURISTA

Clique [AQUI] para ler a publicação original, lançada no imemorial ano de 2012.

NOTA: Todas as notas [numeradas] são da versão em português.

Esperamos que essas ideias sejam úteis como propostas-técnicas de como navegarmos nossas consciências nesse território da guerra computo-informacional que chamamos cotidiano.

Anarquia y Estranheza, siempre.

Puro Aguante, compas.

O MANUAL DA FUTURISTA GONZO

1. INTRODUÇÃO: VUCA PRA CARAI

2011 foi um ano cachaça. Por mais que alguns queiram pintar esse momento como uma exceção ou uma aberração, não vejo motivo para considerar que as coisas vão calmamente voltar ao normal. Sem uma mudança estrutural drástica, os desdobramentos de ‘expansão da contração fiscal’ não são nada menos que comportamento de culto à carga [1] – um eco político da tribo de Vanuatu que, quando confrontada com um mundo que ultrapassava sua concepção cultural, acabou por idolatrar o Príncipe Philip.

Somos todos de Vanuatu agora. Submetidos a incerteza e a disrupção súbita, nossa compreensão da causalidade desmorona como pão-de-ló abatumado. Com cérebros programados para reconhecer padrões, na falta de pistas, nós (metaforicamente) andamos sobre carvão em brasa para discernir o que é sinal do que é estática. Aos cães pavlovianos[2], nuvens com cara de gente, e as succubi da paralisia do sono, agora podemos adicionar a austeridade econômica. A retórica da ‘expansão da contração’ hoje, é magia simpatética. Keep Calm and carry on. Mantenha sua cabeça abaixada. Você não é importante o suficiente, então se mantenha na sua insignificância, dócil, sem interferir. Saia para fazer compras que tudo vai voltar ao normal [3].

Confie nas autoridades financeiras para oferecerem outra cabeça aos mercados, se for preciso, mas tratar mercados como pessoas (ou pior, como deuses seculares) é como esperar que o homem de palha [4] cheio de camponeses sequestrados dialogue calmamente com você. Cedo ou tarde, você vai precisar admitir que não temos como voltar para o hedonismo de plástico brilhante dos anos 90. Não existe máquina do tempo pra nós; Não tem como desconjurar esse djinn [5] em específico.

Invés disso, nós temos a duvidosa honra de vivermos em tempos pós-normais. Parabéns pra nós.

Como usado aqui, o conceito de “pós normal” tem origem com o filósofo britânico Jerry Ravetz e o matemático argentino Silvio Funtowics. Em sua pesquisa sobre ciência política e risco, o termo “pós-normal” é usado para descrever situações onde “fatos são incertos, valores estão em disputa, riscos são altos e as decisões urgentes” (Ravetz, 1999). A descrição te soa familiar ? O Acadêmico e comentarista Ziauddin Sardar sugere que sim, já que vivemos em um era que:

“se caracteriza pela incerteza, mudanças rápidas, realinhamento de poder, agitação e comportamento caótico. Vivemos em um período limiar, entre a morte de velhas ortodoxias, onde as novas ainda estão por nascer. … Uma era de transição, uma era sem a confiança que podemos retornar para qualquer passado que tenhamos conhecido e sem confiança em nenhum caminho para um futuro alcançável, desejável ou sustentável.” (Sardar, 2010).

Mais que tudo, esse é o ruído de fundo dos 2010. Para uma segunda opinião, não precisamos olhar para mais longe que as escolas e universidades alimentadas pelo complexo militar-industrial estadunidense, onde o acrônimo talismânico “VUCA” surgiu para identificar contextos operacionais de notável ”volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade”. Situações “VUCA” mudam rapidamente e de maneiras inesperadas, deixando seus participantes surpreendidos por uma sobrecarga de informações, névoa de guerra [6], e o risco de um tiro pela culatra mais mortal que qualquer exército.

Seja dentro ou fora do campo de batalha, 2011 foi VUCA pra carai.

2. ENTRE O COLAPSO E A TRANSCENDÊNCIA

Então em 2012, a situação escalou. O mundo gira mais rápido, acumulando complexidades enquanto o Império Estadunidense desmorona em uma nova ordem mundial definitivamente mais interessante. Após vinte, cinquenta ou quinhentos anos de globalização (dependendo), nós tropeçamos nas margens da (des)integração, observando os Mayas surgirem de um buraco no céu, para descobrirmos o que nós ganhamos: transcendência ou aniquilação. Bem, essa é a programação esperada. A realidade que se aproxima é muito menos binária. Em tempos pós-normais, o mundo tem tendências centrífugas e centrípetas: transcendências e colapsos; integração e fragmentação, a História não acabou com Fukuyama. O colapso contém as sementes fractais da transcendência. As coisas se juntam à medida que desmoronam. Nossa terra não é plana como a de Thomas Friedman, mas o futuro “desigualmente distribuído” de William Gibson. Tem seus contornos.

Com as névoas da VUCA obscurecendo o terreno da ação, em certos momentos, pode ser um trabalho ingrato compreender a configuração precisa desses contornos. Para tudo além da nossa compreensão e experiência imediata, nós confiamos na mídia – e enquanto a “revolução” das mídias sociais democratizaram o acesso a essas ferramentas, também tornou mais fácil espalhar boatos e desinformação. Conforme adentramos 2012, lembre-se de manter seu detector de baboseira sempre ligado e por perto.

Para Mark Lind, a colisão entre transcendência e o colapso se manifesta como ‘turboparalisia’, uma ‘combinação de movimentação intensa e dramática com ausência de movimento contínuo em qualquer direção específica’ (Lind, 2011). Nessa leitura, um pico súbito na dinâmica da VUCA faz grandes agentes – grandes empresas, estados-nação, organizações – chacoalharem com força, em comportamentos impensados de culto à carga e mudanças drásticas de direção, enquanto velhas certezas são varridas para longe. Para o arqueduque do cyberpunk, Bruce Sterling, essa é a Transição-para-Lugar-Nenhum: “Não existe progresso nem conservadorismo, pois não sobrou nada à ser conservado e nenhuma direção para se progredir”. (Bruce Sterling, Reboot 11).

Do Partido Republicano dos Estados Unidos ao Occupy Wallstreet, de Benghazi à Wuhan, “engrenagens giram furiosamente e motores estão sendo acionados, sem efeito algum”(Lind, 2011) Bem, nenhum efeito aparente. Apesar da minha evidência bamba, sou tentado a interpretar isso como um movimento aparentemente retrógrado. Ainda não está tudo perdido!

Então, apesar de possivelmente perdermos 2012 para a agitação sem rumo da turboparalisia, não vai ser o fim do mundo – e certamente não de forma que siga o plano dos nossos supracitados, parentes meso-americanos. O preocupante é que, não precisa ser. O meme já escapou do laboratório. Enquanto eu escrevo, ele já está afetando o comportamento das pessoas, apagando o limite entre cultura pop e discurso público. Para o arqueoastrônomo Anthony Aveni, o impacto retórico do fenômeno 2012, nos dá pistas de um mal-estar cultural mais profundo. Sem acesso às certezas do Progresso com P maiusculo: — “nós nos voltamos para fora, para entidades imaginadas que estão fora do espaço e do tempo – entidades que talvez possuam conhecimentos superiores… Se nós não podemos dialogar com nós mesmos, talvez possamos conversar com o Outro – mesmo que se nunca tenha falado nossa língua. A Evolução precisa de ajuda; nosso mundo precisa ser salvo. Os Mayas nos oferecem uma solução transcendente, um alinhamento, uma epifania. E por isso nós os romantizamos.” (Aveni, 2009;161)

Mesmo se apagassemos da história a torrente de eventos históricos mundiais de 2011, só esse desespero já teria sido suficiente para garantir que 2012 fosse mais estranho do que o de costume. É o suficiente encarar os desafios do pós-normal com um aceno sem convicção a uma cosmologia baseada em sacrifício humano e cultivo de milho ? Certamente não. Se estamos procurando por respostas para nossa crise histórica-global em mayas invisíveis, então algo, em algum lugar, deu bastante errado. Em um cenário de esgotamento do petróleo, de proteína, da atenção e da confiança, talvez nós tenhamos chegado ao esgotamento do futuro, com 2012 como ‘a mítica muralha onde a imaginação do Ocidente chegou a um abrupto fim’. (Montuori, 2011: 224)

O argumento de Montouri é persuasivo. Em termos de visões do futuro, o que nos foi deixado para imaginar ? Microsoft cria vídeos, Hollywood o apocalipse, e os sonhos de jetpack de baby boomers grisalhos. Enquanto isso, presos entre apocalipse econômico e transformações, nós estamos sitiados por um mundo que mal compreendemos. Bruce descreve precisamente o clima:

“As coisas estão simplesmente se desmantelando, você não consegue acreditar nas possibilidades, mas nunca se deu conta que iria sentir tanto pavor. É como um salto para o desconhecido. Você está caindo em direção ao solo a novecentos quilômetros por hora, quando percebe que não existe solo algum (Bruce Sterling, Reboot 11).

Pré-programado para evitar risco desnecessário, nosso cérebro de mamífero nos diz para cavar; fortalecer; consolidar nossa posição. Puxando as cobertas, nós nos fingimos de morto, pelo medo do que podemos perder. E funciona, por algum tempo: o monstro não te come. Mas quando você abre os olhos, eles ainda estão lá – um par de olhos injetados de sangue, brilhando no escuro. Apesar dos monstros, esse não é o momento para se esconder. Bem longe disso! Tempos pós-normais pedem por medidas pós-normais; ele exige que você redobre suas apostas.Nas imortais palavras de Hunter S. Thompson, “quando as coisas ficam estranhas, os esquisitos se tornam profissionais ”.

Em 2012, as coisas vão ficar bem mais estranhas.

3. AÇÃO E TOMADA DE DECISÃO PARA A ESQUISITA PROFISSIONAL

Em 1991, Bruce Sterling deu uma palestra em San Jose. Exaltando as potências e virtudes de ser estranho, ele implorou que a audiência evitasse a bocarra aberta da armadilha de ursos que é a mediocridade.

“Você não chega onde quer por aculturação. Não seja uma pessoa polida. Pessoas polidas são suaves e chatas. Seja uma pessoa espinhosa. Cultive espinhos em todos os ângulos. Fique atravessado na garganta deles como um baiacu.” (Sterling, 1991)

Com sua perspectiva e habilidades únicas, a esquisitona – e sua subcategoria, a gonzo futurista – está particularmente bem posicionada para lidar com uma década turbulenta. Com um olho na estrada à frente, ela pode encarar ou se esquivar de situações conforme elas surgem, mapeando um caminho seguro através dos campos de batalha VUCA de um mundo turboparalítico. Uma coisa podemos afirmar: daqui 5-10 anos, nosso mundo será (alguma forma) de computação onipresente. Quando tudo são sensores, e o “big data” do pós-normal ameaça enterrar a todos nós em constante barulho, a capacidade de afinar nossos sentidos talvez se prove nossa maior vantagem. Para o futurista Scott Smith, “armazenamento de quantidades massivas de dados é apenas um exercício de acumulação se nós não podemos ver, contextualizar e usar os padrões no barulho” (Smith, 2011). O analista de padrões tem poucas chances de ter seu trabalho terceirizado ou automatizado, mas, para tornar úteis os padrões em meio ao ruído, nós precisamos aprender a distinguir entre padrões reais e as faces nas nuvens.

Nós precisamos de reconhecimento de padrões. Reconhecimento de Padrões[7]. A protagonista do livro de mesmo nome, de 2003 de William Gibson, Cayce Pollar, é pensada algo como um “vórtex de mídia autoconsciente”, o que nos dá um modelo para a gonzo futurista. Para Cayce, a experiência vivida no 9/11 virou uma chave em algum lugar dentro dela, tornando-a hipersensível à estética de marcas corporativas. No começo da história, ela encontra o nicho dos coolhunters e da consultora criativa, explorando a reação pré cognitiva de seu corpo a logos (os piores, induzindo náusea e pânico).

‘Dorotea removeu do envelope, uma arte de uns 30 centímetros. Segurando ela pelos cantos superiores, entre a ponta de seus indicadores, ela mostra pra Cayce (…) Tem um desenho ali, um tipo de escrito japonês feito com pincel grosso, uma mídia, ela sabe, para ser a marca de Herr Heinzi. Para Cayce, aquilo lembrava bastante um espermatozoide curvado, como se fosse feito pelo cartunista underground Rick Griffin, por volta de 1967. Ela sabia quase imediatamente que aquilo não ia, para os padrões opacos de seu radar interno, funcionar. Ela não tinha como explicar como sabia disso’ (Gibson, 2003)

(Gibson, 2003: 12)

A “base” de domínio de conhecimento específico de Cayce é ao mesmo tempo ampla e profunda – perceba a referência à Rick Griffin – ela não tem meios de saber como sabe. Ela está ciente de um “radar interno”, mas, como algo separado de sua mente consciente, não tem ideia de como isso funciona. Apesar de Cayce usar suas capacidades como fonte de renda, seu papel como sensitiva/coolhunter é mais uma disposição corporal do que carreira. Analisando os detalhes e implicações da obra de Gibson, a teórica literária Lauren Berlant descreve como a disposição de Cayce permite que ela “surfe a onda do momento, para fazer da situação o que é, algo a ser vivido, se envolvido por, e deixar passar”. Soa um tanto gonzo, não soa ? Sem ter as habilidades quase sobrenaturais de Cacey, nossa gonzo futurista precisa de uma prótese; algum tipo de aikido cognitivo.

Isso seria algo que em linhas gerais permitiria a ela entender instintivamente as dinâmicas do mundo pós-normal, e identificar os locais-chave e os pontos de ação. Até onde eu sei, o que temos de mais próximo que existe é o Ciclo OODA. Originalmente criado pelo estrategista John Boyd, o ciclo OODA é uma estrutura para aqueles que precisam tomar decisões sob pressão. OODA. Observar. Orientar. Decidir. Agir. A gonzo futurista é um indivíduo super empoderado de esperança. Ela talvez tenha sido uma graduada sem futuro, ou vítima de cortes no setor público, mas desde então, ela teve seu luto e seguiu em frente. Ela brinca, testa e brinca testando; Fazendo o melhor possível com as ferramentas e tecnologias à sua disposição. Se sente confortável pedindo (e dando) apoio para seus amigos, pares e tribo, suas habilidades de “criar sentido” são sociais e conectadas. Seu pensamento, ocasionalmente, “estará localizado dentro da mente de outras pessoas”.

A gonzo futurista é uma “generalista profunda” e uma “poliglota analítica”. Ela tem um senso quase sobrenatural dos impactos e implicações… [está] pronta para se adaptar quando necessário, construindo sistemas de longa duração quando possível. Como Cayce Pollard ela ‘é uma ‘mulher de afetos, não de sentimentos’ (…) [uma] imperatriz da amígdala’. (Berlant, 2008: 11)

A gonzo futurista é resiliente. Ela não trabalha duro, trabalha de maneira esperta. Ela tem um olho no “adjacente possível” (Johnson, 2011), troca códigos e contribui para a coletividade. Ela pode ser privilegiada, mas não tem interesse em competição, macho alfa medidor de piroca, ou pé rapado. O sucesso dela, não vem às suas custas. Bombardeada por estímulos, a gonzo futurista é uma cyborg OODA. Observa, orienta, decide, age. Vamos dixavar isso.

3A. OBSERVAR E ORIENTAR

Para a gonzo futurista, a fase de observação desse ciclo operacional se parece com uma etnografia. Esse tipo de observação é um atalho para todo tipo de levantamento de informação, então, faça leituras amplas, tire fotos, e faça perguntas. Sonde. Mantenha registros. Se algo parece fora do lugar, provavelmente é relevante.

Quando se trata de observação, seu nêmesis é o filtro da bolha – uma câmara de eco forjada pelo Google e Facebook; um “universo de informações únicas para cada um de nós… que altera fundamentalmente a maneira que encontramos ideias e informações” (Pariser, 2011:9) talvez a bolha seja confortável, mas “há menos espaço para encontros aleatórios que nos trazem inspiração e conhecimento “ (ibid.:15) O futuro é uma cena de crime, e todas as pistas estão lá fora. Entre no campo. Sempre que possível, maximize sua exposição ao que é aleatório – afie as ferramentas do “cyborg de mídia” (Sloan, 2010), e vá a mais festas.

As observações que você faz são as estrelas pelas quais vai navegar. O estágio de orientação do ciclo OODA começa assim, conforme você começa a construir um mapa da situação em que se encontra. Nessa fase você precisa confiar no seu instinto, no seu intestino, na pré-consciência e nos desconhecidos desconhecidos – as coisas que você não sabe que não sabe. Misturando novas informações com experiências anteriores, procurando por links. Procure por sinergias inesperadas. Para sinais fracos, cultive sensibilidade estética e cultural.

Foda-se a objetividade. Quando  a objetividade é impossível, a busca por ela, te deixa exposto a abusos. Brelant descreve a protagonista de Gibson, Cayce Pollard, como “imperatriz da amídala” (Berlant, 2008:11). Peter Diamandis e Steven Kotler descrevem essa porção do lobo temporal do cérebro como ‘seu sistema de alertas prévios, um órgão em constante alerta, sempre escaneando por qualquer coisa que poderia ameaçar a sobrevivência’ (Peter Diamandis e Kotler2 2012). Futurismo gonzo pede que você ouça sua amídala: eleve o subjetivo, o emocional, e o memético. O choque com o futuro é social e psicológico, então continue se perguntando: como essas observações fazem você se sentir ?

Leia (e saia com) outras pessoas que entendem o que tá rolando. Minha lista inclui John Robb, Paul Mason, Carlota Pereza, Bruce Sterling, Noah Raford, Marina Gorbis, Jamais Cascio, e Venkatesh Rao. Sua lista deveria incluir pessoas o suficiente para cobrir qualquer fraqueza de indivíduos específicos. Nas palavras de Bob Johansen, é melhor entrar nesse estágio do ciclo com uma série de ‘opiniões fortes, mal amarradas.’ Esteja preparado para abandonar crenças conforme novas informações surgem. Intransigência é o inimigo. Não se afunde. A guerra contra o culto a carga nos obriga a questionar sabedorias consolidadas, desafie pensamento de manada, a desenterre os legados do futuro, onde quer que os encontre. Evite húbris. Você não tem todas as respostas, mas pode fazer as melhores perguntas.

Use seu próprio viés evolucionista em sua vantagem. Não seja apenas um escravo da sua amídala, bote ela pra trabalhar. Em Inside Jokes, Hurley, Dennet e Adams sugerem que o burburinho positivo do ‘humor’ existe para mitigar o risco de processos heurísticos rápidos que o cérebro se apoia ‘para dar saltos de lógica em tempo real’ (hurley, Dennet & Adams, 2011: 4). Para combater suposições e pensamento mágico:

‘é preciso que haja uma política de checagem dupla a esses candidatos a crenças e suposições, e a descoberta e resolução desses, em alta velocidade é sustentada por um poderoso sistema de recompensa – o sentimento de humor; de gozo – que deve sustentar essa atividade em competição com todas as outras coisas que você poderia estar pensando sobre (Hurley, Dennedt e Adams, 2011: 13).

Para Stuart Candy, ‘design é principalmente a busca por apps matadores, enquanto a futurista caça imps matadores’ (Candy, 2010. 188). Para cultivar uma sensibilidade cultural-estética a sinais fracos, você precisa amarrar os químicos liberados pela amídala estimulada e – mais tarde – a resposta humorada, a esses ‘imps matadores’, algo que demanda um certo nível de treinamento cerebral.

Nós não estamos falando de sudoku aqui. Maximize sua exposição a dissonância cognitiva e tudo que for estranho pra caralho. Em 2010-11, Sterling e Gibson começaram a falar de ‘fubar’ [8] como unidade métrica para a estranheza contemporânea. A gonzo futurista vive numa dieta informacional de notícias forjadas numa futuridade bruta, situações fodidas pra além da compreensão, e manifestações efêmeras de elevação tecnológica. Eles focam em coisas que excedem sua escala de referência, deliberadamente buscando o que provoca, nas palavras de Joseph Addison, ‘um compreensível senso de horror’.

Parte desse efeito vem de uma falta de limites e fronteiras, a súbita exposição de níveis de complexidade situacional previamente obscura, e a justaposição de elementos dissonantes. Como aponta Sardar, ‘desde que tudo é interconectado, complexo e caótico, e em rápida mudança, nada pode ser de fato ser descrito com certeza’ (Sardar, 2010). O melhor que podemos nesse caso, é mapeamento parcial; um sinal de ‘você está aqui’ em uma incerta visão panorâmica.

3B. DECIDIR E AGIR

Tendo se orientado de forma (semi-)efetiva em um ambiente volátil e incerto, o próximo desafio é passar de mapear o mundo para agir nele. As características desse novo ambiente operacional delimita o espaço em que você pode agir, com a complexidade e ambiguidade dos 2010’s apresentando uma série única de desafios para aqueles buscando deixar uma marca duradoura no mundo. Como argumenta Sardar, as condições da VUCA nos ensinam uma lição vital: as noções de controle e certeza estão se tornando obsoletas… [hoje,] não existe um único modelo de comportamento, modo de pensamento, ou método que ofereça uma resposta para todos nossos complexos problemas interconectados (Sardar, 2010)

Sem meios de prevenir contragolpes, ou consequências inesperadas ou mesmo contra produtivas, as agentes sociais de hoje precisam estar preparados para abrir mão do controle. Essa é uma guerra contra a timidez. A agente de 2012 precisa estar preparada para tomar decisões com informações incompletas, otimizando seus planos dentro dos limites do visível e conhecido. Ela entende o valor inerente do protótipo, do beta testing, da simulação e da interpretação. Estas são, nas palavras de Cascio, ferramentas e estratégias que empregam “repetição a serviço da complexidade, diversidade como meio de integração dinâmica em um ambiente em mudança” (Cascio, 2011). Igualmente, a gonzo futurista sabe quando não agir. Ela reconhece as diferenças entre se fazer de morta e se negar a agir. Ela deixa uma pegada discreta, e tem sempre uma mochila pronta para pegar a estrada.

A gonzo futurista saúda as possibilidades sociais de agir-em-conjunto-com-outros. Embora tenha o cuidado de evitar a dinâmica do pensamento de manada, ela reconhece a importância do projeto autônomo e limitado no tempo. Seu mundo, afinal, é o mundo do pós-autor. Apesar das promessas do superempoderamento de armar o indivíduo com ferramentas de potência dantes nunca vistas, de biotecnologia de garagem através de impressões 3D e drones autônomos, ‘não existe necessidade ou regra inevitável que o empoderamento individual será inclusivo, estendido ou igualmente distribuído ou dedicado ao bem coletivo’ (Sardar, 2010:4). A maneira mais efetiva de prevenir os cenários mais distópicos é identificando uma tribo-de-afinidade; sua comunidade-de-interesse pessoal. Como Montouri disse, “em tempos pós-normais, a criatividade terá uma ou duas surpresas guardadas para nós… [e] paradoxalmente talvez se torne normal, no sentido que não será mais o domínio de gênios solitários torturados (o que não é, por sinal), mas um processo de todos, acontecendo todos os dias, em todo lugar.’ (Montuori, 2011: 221-222).

Quando você agir, aja com coragem, livre do medo das consequências além do seu controle. Tente não perder energia nos detalhes.

4. CONCLUSÕES

Voltando ao mundo de 2012, Sardar ecoa Aveni em argumentar que ‘nosso impasse atual representa o fracasso da imaginação… [e a] subserviência da imaginação a ortodoxia’. (Sardar, 2010). Conforme nós nos aproximamos das margens de nossas bases de referência, ‘o que considerávamos como normal, convencional e ortodoxo simplesmente não funciona mais’. […] Nesse contexto, nossas melhores armas são imaginação, criatividade e compreensão da absoluta incerteza dos tempos em que nos encontramos. Aqui, um único painel do gibi XKCD que – por hora – faz parte de um dos pilares da minha arquitetura cognitiva:

’Você é curiosa e esperta e entediada, e tudo que vê é a escolha entre trabalhar duro e fazer corpo mole. Você perde tantas aventuras por ficar esperando montar um plano. Para encontrá-las olhe para as menores escolhas, que sejam interessantes. E lembre-se, você está sempre criando o futuro conforme caminha. ’ (Munroe, ‘Choices’: Parte 4)

Esse, talvez mais que qualquer outra coisa, seja o evangelho segundo a futurista gonzo.

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] culto à carga – taqui um podcast sobre o assunto.

[2] cães pavlovianos – Pavlov é aquele cientista russo que tocava uma campainha toda vez que boatava comida pros cachorros, uma vez que eles tivesse se acostumado a associar o som da campainha com serem alimentados, salivavam só de ouvir o barulho, mesmo que a comida não estivesse lá. O campo de estudo dele envolve condicionamento, sacou ?

[3] Saia pra fazer compras que tudo vai voltar ao normal –

[4] homem de palha – Os druidas galeses supostamente construíam esses imensos “homens de palha”, onde eles botavam umas pessoas dentro e depois incendiavam, em homenagem aos deuses. Esses relatos provavelmente são infundados e criados pelos gregos, na época que estavam em guerra com os galeses. No primeiro volume do Livros de Sangue, Clive Barker tem um conta que faz uma vaga referência a essa lenda. Nunca-jamais assista o filme de mesmo nome estrelado por Nicholas Cage.

[5] djinn – Segundo islâ, djinns são outra criação de Alá, irmão dos humanos, mas que vivem invisíveis entre nós… E é claro, existe a versão da cultura de massa ocidental da “pessoa engraçada que mora numa garrafa e me garante desejos”.

[6] névoa de guerra – Um conceito comum nos estudos de conflitos, já que os campos de batalha tendem a ser difíceis de se compreender e prever imediatamente.

[7] Título original do livro no idioma gringo: Pattern Recognitions

[8] fubar -FUBAR – “Fucked up beyond any recognition”, termo militar para definir situações que saem de controle de forma inesperada e drástica. Uma incurssão que deveria ser simples e segura e se caba com muitas baixas, por exemplo.