Friedrich Kniestedt no Brasil
Tom Goyens
publicado originalmente em tomgoyens.substack.com
29 de Dezembro, 2022
Em Outubro de 1945, sessenta e seis alemães vivendo no Brasil peticionaram ao governo, exigindo que fossem reconhecidos como ativistas anti-nazismo, diferente de seus compatriotas que simpatizavam com o Terceiro Reich e agora estavam sendo assediados. O representante da petição era Friedrich Kniestedt, um anarquista alemão de setenta e dois anos, pinceleiro e editor, figura de liderança do movimento anti-nazista do Brasil, onde os anarquistas desempenharam um papel significante.
Vamos olhar mais de perto para os anarquistas transnacionais combatendo o militarismo e fascismo através da figura de Kiestedt. A razão é simples: para melhor nos capacitar a lidar com a atual ascensão do fascismo da Extrema Direita em inúmeros países e para descobrir as possibilidades de uma resistência antifascista com sólida tendência anarquista. Kniestedt nunca serviu ao exército e nunca cometeu um ato de violência, mesmo assim lutou incansavelmente contra o autoritarismo. Ele começou a vida combatendo o Kaiser e acabou enfrentando Hitler; deixou sua terra nativa às vésperas da Grande Guerra apenas para enfrentar os camisas marrons no Sul do Brasil. Militantes como Kniestedt reimaginaram as possibilidades anarquistas de acordo com as novas circunstâncias de repressão e exílio. Eles atacaram o autoritarismo na Direita assim como na Esquerda e debateram o quanto colaborar com grupos liberais para conter a maré hitlerista. Anarquistas alemães, em especial, combateram duramente a imagem nazificada de sua terra natal. Todas essas reflexões são tão relevantes hoje quanto era em 1933.
Friedrich Kniestedt era apenas um adolescente quando se tornou socialista, no fim dos anos de 1880, quando a Lei Anti-Socialistas de Bismarck estava com força total. Depois de 1890, quando a lei repressiva foi revogada, e um movimento abertamente socialista era possível novamente, continuou a frequentar encontros socialistas. Kniestedt se voltou ao anarquismo como artesão autônomo, prometendo se opor ao centralismo, autoritarismo e militarismo. Esteve ativo no movimento de trabalhadores e começou a falar publicamente, o que resultou em vários encontros com a lei, incluindo uma sentença de nove meses de prisão quando tinha vinte anos. Ele leu Peter Kropotkin, Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon, Max Stirner, e especialmente Leon Tolstoy, que por sua vida toda foi uma influência em seu anti-militarismo e oposição a violência de estado. Através de seu ativismo independente, se tornou amigo de anarquistas conhecidos como Gustav Landauer e Eich Mühsam, que mais tarde o levou ao anarquismo.
Conforme a Alemanha imperial escalava seus gastos militares, as atividades de Kniestedt foram sendo mais vigiadas. Esse foi um dos motivos que levou sua família a se mudar para Paris em 1908, onde continuou sua agitação antimilitarista e se tornou tesoureiro para um grupo que auxiliava pessoas radicais no exílio. Ele também ouviu a fala de Rudolf Rocker quando esteve em Londres. Entretanto, tensões internas do movimento e a descoberta de espiões eram profundamente frustrantes, e Kniestedt começou a pensar em sair da vida política. Em 1909, ele e sua família decidiram se unir a uma comunidade cooperativa nas florestas tropicais do Brasil, mas essa experiência comunal foi uma decepção por diversos motivos; atividades anarquistas sobre antimilitarismo não eram permitidas por medo de se oporem ao governo. Kniestedt tentou viver como agricultor, então se mudou brevemente para São Paulo, mas eventualmente retornou à Alemanha em 1912. Mas sua terra natal estava ainda pior; havia se tornado uma sociedade militarizada, envolta em chauvinismo hierárquico e mortificante obediência cega, como Kniestedt declarou [1]. Ele voltou ao circuito de palestras, chamando trabalhadores a recusarem se tornarem assassinos a serviço do estado e a apoiarem uma greve geral para barrarem a guerra. Em 27 de Janeiro de 1913, Kniestedt fez uma fala em um dos maiores protestos de desempregados da história da Alemanha, mas novamente a vigilância levou a prisões e a cadeia [2]. Refletindo sua recente experiência transatlântica, Kniestedt agora via o Brasil como uma terra onde ainda existia alguma liberdade sem a mentalidade de obediência cega a um líder. O Brasil podia ser a terra do futuro. Então, mais uma vez a família emigrou para o Brasil. “Deixei a Europa,” Kniestedt escreveu mais tarde, “sabendo que eu havia dado o máximo dentro das minhas habilidades e energias, para impedir a guerra” [3] Kniestedt partiu de Amsterdam; dois dias depois a Alemanha declarou guerra com a Rússia.
Dessa vez Kniestedt não se instalou no interior mas em Porto Alegre, a capital do estado mais ao sul, o Rio Grande do Sul, onde viveu entre trabalhadores germano-brasileiros e se tornou uma das lideranças da anarcossindicalista Associação de Trabalhadores Socialistas Alemães. Guerra e revolução na terra natal também abalou a vida de outros anarquistas alemães. Enquanto Kniestedt veio para o Brasil, Rudolf Rocker retornou à Alemanha após a guerra para ajudar e reviver o movimento anarcossindicalista. O amigo de Kniestedt, Erich Mühsam foi liberto da prisão, mas Landauer, com quem ele havia compartilhado o púlpito, teve um terrível fim nas mãos das milícias de extrema-direita. As tensões políticas e ideológicas da República de Weimar puderam ser sentidas nas comunidades em diáspora do sul do Brasil, onde Kniestedt emergiu como uma das principais figuras do movimento de trabalhadores. De 1920 a 1930, ele editou o jornal anarquista Der freire Arbeiter, o único periódico anarquista de língua alemã nas Américas, e abriu uma livraria internacional. Nesse papel, ele atacou o chauvinismo racial enquanto promovia tradições humanistas radicais. Em 1925, por exemplo, ele ridicularizou os alemães conservadores de Porto Alegre por celebrarem o aniversário do Kaiser, sete anos após sua renúncia [4].
No começo dos anos 30, Kniestedt parecia afastado do movimento quando foi abordado por um empreendedor que o ofereceu uma fábrica de vassouras, mas no fim, ele se recusou a participar da exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, elementos nazistas se tornaram mais ativos no Brasil depois de tomarem poder na Alemanha. O Brasil era uma terra fértil para fascistas buscando influenciar as comunidades italianas e alemãs, especialmente após o populista e autocrata Getúlio Vargas chegar ao poder em 1930. A polícia brasileira tolerava os grupos nazistas encorporados no Nazi Party’s Foreign Organization. Em 1932, quando os camisas marrons tentaram se apoderar da sociedade de apoio mútuo que Kniestedt era um dos representantes, os anarquistas revidaram e venceram [5]. Ele e outros fundaram a sessão de Porto Alegre da Liga dos Direitos Humanos, que reunia várias vertentes da esquerda, mas se consolidou como grupo anarquista. Lançaram o jornal Aktion com Kniestedt como editor e uma circulação de 9.000 exemplares (com 3.000 sendo enviados para Alemanha). Esse documento se tornou a única organização anti-nazista no Brasil e um competidor com os jornais de língua alemã simpáticos ao nazismo e assim combatendo o fascismo [6].
O ativismo nazista no Brasil continuou a perseguir e intimidar, e tiveram algum sucesso se infiltrando em escolas onde se falava alemão e associações culturais. Kniestedt reportou incidentes onde o ideal anarquista de autodeterminação derrotou esses abusos. Por exemplo, quando nazistas entraram para a Federação de Ginástica, a maior organização germano-brasileira em Porto Alegre, membros enfurecidos se organizaram e expulsaram os nazistas na assembleia geral seguinte [7]. O jornal antifascista Aktion também se tornou alvo com ativistas nazistas acusando seu editor de difamação ou de ser comunista, acusações que obviamente envolveram a polícia [8]. Novamente, Kniestedt ganhou dois casos de difamação e relançou seu jornal sob dois nomes diferentes. Aktion era uma ameaça para o Terceiro Reich. Em 1937, a intimidação nazistas chegou a sua própria família quando descobriu que seu filho Max foi forçado a integrar a Frente de Trabalho Alemã, um grupo nazista, por medo de perder seu trabalho. Kniestedt, agora com aproximadamente sessenta anos, foi para prisão e para a cadeia inúmeras vezes, o tornando uma figura notória no Brasil.
Em 1934, Kniestedt teve a oportunidade de falar diretamente para o regime nazista como se sentia. Quando o Ministro das Relações Exteriores nazista revogou sua cidadania e a de outros vinte e sete exilados, Kniestedt respondeu que se sentia honrado com a decisão. “Me considero um opositor desse Estado,” escreveu , “Considero meu dever fazer o que sempre fiz, dizer somente a verdade e agir sobre ela” [9]. Declarou a si mesmo um cidadão do mundo, sem estados. Apesar de celebrar a diversidade brasileira, ele não estava ansioso para se naturalizar. Em 1936, declarou que se o Brasil continuasse a negar o direito de asilo aos cidadãos do mundo, ele juntaria suas coisas e encontraria outro lugar. Enquanto isso, Rudolf e Miller haviam chego aos EUA em 1933 onde palestraram sobre os perigos do nacionalismo, antissemitismo, e um mundo à beira da guerra. Os Rocker acreditavam que cerca de metade dos germano-estadunidenses apoiariam Hitler. Eles também se sentiam apátridas, mas a constante incerteza de seus passaportes causavam grande ansiedade. Isso mostra quão ineficiente era a política de emigração estadunidense frente um iminente desastre humanitário na Europa.
Quando os Estados Unidos e o Brasil foram à guerra com a Alemanha, Rocker e Kniestedt anunciaram apoio aos Aliados. Essa era uma mudança de suas posições anti guerra de 1914, mas agora, ambos traziam o mesmo argumento em favor do apoio, o que provocou criticismo por parte de alguns anarquistas. Para Rocker, não era sobre conservar democracias burguesas mas sobre preservar o que chamava de “possibilidades de livre desenvolvimento” [10] Para Kniestedt uma vitória dos Aliados a possibilidade de um novo movimento de trabalhadores e alguns direitos e liberdades democráticas. Em 1943, numa entrevista, Kniestedt explicou pelo quê o Movimento de Alemães Antinazistas lutava: um acordo com a Declaração de Casablanca que exigia rendição incondicional sem punições injustas do povo alemão, repúdio ao racismo e antissemitismo, a união de todos os alemães livres; um apelo para os prisioneiro de guerra alemães juntarem-se ao movimento; construindo sociedades de apoio mútuo e ajudando fugitivos, e uma saudação ao povo Sul americano que haviam recebido bem os alemães livres. Em 1945, Rocker e Kniestedt, ambos com setenta e dois anos, ajudaram a organizar uma campanha de apoio à anarquistas vítimas do fascismo, juntos de Helmut Rüdiger, um anarquista de quarenta e dois anos em exílio na Suécia.
É fato notório que um movimento antifascista, liderado por anarquistas e esquerdistas sem afiliações, foi capaz de resisti ao nazismo através da palavra impressa e da ação direta pacífica. A força desse movimento liderado por anarquistas no Brasil foi significativa, dado o fato que manteve uma contínua infraestrutura jornalística e organizacional por vinte anos. Mesmo elementos nazistas no Brasil entenderam que esse contramovimento era de alguma forma efetivo e não podia ser ignorado. É preciso deixar explicado que Kniestedt e Rocker não eram pacifistas; eles eram militante antimilitarismo nos dizendo que quando se trata de fascismo nós não podemos dar a outra face. Eles não podiam impedir guerras globais, mas eles inspiraram e preservaram autonomias locais.
***
Tom Goyens é professor na Universidade de Leuven, Bélgica; e PhD em História.
[1] Kniestedt, Fuchsfeuerwild: Erinnerungen eines anarchistischen Auswanderers nach Rio Grande do Sul, memórias de Friedrich Kniestedt (1873-1947) (Hamburg: Verlag Barrikade, 2013), p. 101.
[2] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 111-2.
[3] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 134. [4] [Kniestedt,] “Kaiser Geburtstagfeier 1925,” Der freie Arbeiter (Porto Alegre), January 1925.
[5] Deutsches Volksblat (Porto Alegre), January 31, 1933, quoted in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 171.
[6] Kniestedt, “Rück-und Ausblick,” Aktion: Organ der Liga für Menschenrechte, Ortsgruppe: Porto Alegre (Porto Alegre), December 23, 1935, p. 1. See also Rivadavia de Souza, “Começou Combatendo o Kaiser e Acabou Combatendo Hitler,” Diretrizes (Rio de Janeiro), June 11, 1942, p. 16.
[7] [Kniestedt,] “Vorbeigelungen,” Alarm (Porto Alegre), February 15, 1937.
[8] “Processos por crime de injurias impressas,” O Estado (Florianopolis), June 9, 1934, p. 4.
[9] Kniestedt to Frick, February 10, 1935 (Porto Alegre), printed in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 182.
[10] Qoted in Peter Wienand, Der ‘geborene’ Rebell: Rudolf Rocker, Leben und Werk (Berlin: Karin Kramer Verlag, 1981), p. 419. 3
Um Anarquista Contra Hitler
Friedrich Kniestedt no Brasil
Tom Goyens
publicado originalmente em tomgoyens.substack.com
29 de Dezembro, 2022
Em Outubro de 1945, sessenta e seis germano-brasileiros peticionaram ao govern do Brasil, exigindo que fossem reconhecidos como ativistas anti-nazismo, diferente de seus compatriotas que simpatizavam com o Terceiro Reich e agora estavam sendo perseguidos. O representante da petição era Friedrich Kniestedt, um anarquista alemão de setenta e dois anos, pinceleiro e editor, figura de liderança do movimento anti-nazista do Brasil, onde os anarquistas desempenharam um papel significante.
Vamos olhar mais de perto para os anarquistas transnacionais combatendo o militarismo e fascismo através da figura de Kiestedt. A razão é simples: para melhor nos capacitar a lidar com a atual ascensão do fascismo da Extrema Direita em inúmeros países diferentes e para descobrir as possibilidades de uma resistência antifascista com sólida tendência anarquista. Kniestedt nunca serviu ao exército e nunca cometeu um ato de violência, mesmo assim lutou incansavelmente contra o autoritarismo. Ele começou a vida combatendo o Kaiser e acabou enfrentando Hitler; ele deixou sua terra nativa as vésperas da Grande Guerra apenas para enfrentar os camisas marrons no Sul do Brasil. Militantes como Kniestedt reimaginaram as possibilidades anarquistas de acordo com as novas circunstâncias de repressão e exílio. Eles atacaram o autoritarismo da Direita assim como na Esquerda e debateram o quanto colaborar com grupos liberais para conter a maré hitlerista. Anarquistas alemães, em especial, combateram duramente a imagem nazificada de sua terra natal. Todas essas reflexões são tão relevantes hoje quanto era em 1933.
Friedrich Kniestedt era apenas um adolescente quando se tornou socialista, no fim dos anos de 1880, quando a Lei Anti-Socialistas de Bismarck estava com força total. Depois de 1890, quando a lei repressiva foi revogada, um movimento abertamente socialista era possível novamente, e ele continuou a frequentar encontros socialistas. Kniestedt se voltou ao anarquismo como artesão autônomo, prometendo se opor ao centralismo, autoritarismo e militarismo. Esteve ativo no movimento de trabalhadores e começou a dar palestras, o que resultou em vários encontros com a lei, incluindo uma sentença de nove meses de prisão quando tinha vinte anos. Ele leu Peter Kropotkon, Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon, Max Stirner, e especialmente Leon Tolstoy, que se por sua vida toda foi uma influência no seu anti-militarismo e oposição a violência de estado. Através de seu ativismo independente, se tornou amigo de anarquistas conhecidos como Gustav Landauer e Eich Mühsam, que mais tarde o levou ao anarquismo.
Conforme a Alemanha imperial escalava seus gastos militares, as atividades de Kniestedt foram sendo mais vigiadas. Esse foi um dos motivos que levou sua família a se mudar para Paris em 1908, onde continuou sua agitação antimilitarista e se tornou tesoureiro para um grupo que auxiliava pessoas radicais em exílio. Ele também ouviu a fala de Rudolf Rocker quando esteve em Londres. Entretanto, tensões internas do movimento e a descoberta de espiões eram profundamente frustrantes, e Kiestedt começou a pensar em sair da vida política. Em 1909, ele e sua família decidiram se unirem a uma comunidade cooperativa nas florestas tropicais do Brasil, mas essa experiência comunal foi uma decepção por diversos motivos; atividades anarquistas sobre antimilitarismo não eram permitidas por medo de se oporem ao governo. Kniestedt tentou viver como agricultor, então se mudou brevemente para São Paulo, mas eventualmente retornou a Alemanha em 1912. Mas sua terra natal estava ainda pior; havia se tornado uma sociedade militarizada envolta em chauvinismo hierárquico e obediência cega mortificante, como Kniestedt declarou [1]. Ele voltou ao circuito de palestras, chamando trabalhadores a recusarem se tornarem assassinos a serviço do estado e a apoiarem uma greve geral para barrarem a guerra. Em 27 de Janeiro de 1913, Kniestedt fez uma fala em um dos maiores protestos de desempregados da história da Alemanha, mas novamente a vigilância levou a prisões e a cadeia [2]. Refletindo sua recente experiência transatlântica, Kniestedt agora via o Brasil como uma terra onde ainda existia alguma liberdade sem a mentalidade de obediência cega a um líder. O Brasil podia ser a terra do futuro. Então, mais uma vez a família emigrou para o Brasil. “Deixei a Europa,” Knietedt escreveu mais tarde, “sabendo que eu havia dado o máximo dentro das minhas habilidades e energias, para impedir a guerra” [3] Kniestedt partiu de Amsterdam; dois dias depois a Alemanha declarou guerra com a Rússia.
Dessa vez Kniestedt não se instalou no interior mas em Porto Alegre, a capital do estado mais ao sul, o Rio Grande do Sul, onde viveu entre trabalhadores germano-brasileiros e se tornou uma das lideranças da anarcossindicalista Associação de Trabalhadores Socialistas Alemães. Guerra e revolução na terra natal também abalou a vida de outros anarquistas alemães. Enquanto Kniestedt veio para o Brasil, Rudolf Rocker retornou a Alemanha após a guerra para ajudar e reviver o movimento anarcossindicalista. O amigo de Kniestedt, Erich Mühsam foi liberto da prisão, mas Landauer, com quem ele havia compartilhado o púlpito, teve um terrível fim nas mãos das milícias de extrema-direita. As tensões políticas e ideológicas da República de Weimar puderam ser sentidas nas comunidades em diáspora do sul Brasil, onde Kniestedt emergiu como uma das principais figuras do movimento de trabalhadores. De 1920 a 1930, ele editou o jornal anarquista Der freire Arbeiter, o único periódico anarquista de língua alemã nas Américas, e abriu um livraria internacional. Nesse papel, ele atacou o chauvinismo racial enquanto promovia tradições humanistas radicais. Em 1925 por exemplo, ele ridicularizou os alemães conservadores de Porto Alegre por celebrarem o aniversário do Kaiser, sete anos após sua renúncia [4].
No começo dos anos 30, Kniestedt parecia afastado do movimento quando foi abordado por um empreendedor que o ofereceu uma fábrica de vassouras, ma sno fim, ele se recusou a participar da exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, elementos nazistas se tornaram mais ativos no Brasil depois de tomarem poder na Alemanha. O Brasil era uma terra fértil para fascistas buscando influencias as comunidades italianas e alemãs, especialmente após o populista e autocrata Getúlio Vargas chegou ao poder em 1930. A polícia brasileira tolerava os grupos nazistas encorporados no Nazi Party’s Foreign Organization. Em 1932, quando os camisas marrons tentaram se apoderar da sociedade de apoio mútuo que Kniestedt era um dos representantes, os anarquistas revidaram e venceram [5]. Ele e outros fundaram a sessão de Porto Alegre da Liga dos Direitos Humanos, que reunia várias vertentes da esquerda, mas se consolidou como grupo anarquistas. Elas lançaram o jornal Aktion com Kniestedt como editor e uma circulação de 9.000 exemplares (com 3.000 sendo enviados para Alemanha. Esse documento se tornou a única organização anti-nazista no Brasil e um competidor com os jornais de língua alemã simpáticos ao nazismo e assim combatendo o fascismo [6].
O ativismo nazista no Brasil continuou a perseguir e intimidar, e tiveram algum sucesso se infiltrando em escolas onde se falava alemão e associações culturais. Kniestedtd reportou incidentes onde o ideal anarquista de autodeterminação derrotou esses abusos. Por exemplo, quando nazistas entraram a Federação de Ginástica, a maior organização germano-brasileira em Porto Alegre, membros enfurecidos se organizaram e expulsaram os nazistas na assembleia geral seguinte [7]. O jornal antifascista Aktion também se tornou alvo com ativistas nazistas acusando seu editor de difamação ou de ser comunista, acusações que obviamente envolveram a polícia [8]. Novamente, Kniestedt ganhou dois casos de difamação e relançou seu jornal sob dois nomes diferentes sobre diferentes nomes. Aktion era uma ameaça para o Terceiro Reich. Em 1937, a intimidação nazistas chegou a sua própria família quando descobriu que seu filho Max foi forçado a integrar a Frente de Trabalho Alemã, um grupo nazista, por medo de perder seu trabalho. Kniestedt, agora com aproximadamente sessenta anos, foi para prisão e para a cadeia inúmeras vezes, o tornando uma figura notória no Brasil.
Em 1934, Kniestedt teve a oportunidade de falar diretamente para o regime nazista como se sentia. Quando o Ministro das Relações Exteriores nazista revogou sua cidadania e a de outros vinte e sete exilados, Kniestedt respondeu que se sentia honrado com a decisão. “Me considero um opositor desse Estado,” escreveu , “Considero meu dever fazer o que sempre fiz, dizer somente a verdade e agir sobre ela” [9]. Declarou a si mesmo um cidadão do mundo, sem estados. Apesar de celebrar a diversidade brasileira, ele não estava ansioso para se naturalizar. Em 1936, declarou que se o Brasil continuasse a negar o direito de asilo aos cidadãos do mundo, ele juntaria suas coisas e encontraria outro lugar. Enquanto isso, Rudolf e Miller haviam chego aos EUA em 1933 onde palestraram sobre os perigos do nacionalismo, antissemitismo, e um mundo à beira da guerra. Os Rocker acreditava que cerca de metade dos germano-estadunidenses apoiariam Hitler. Eles também se sentiam apátridas, mas a constante incerteza de seus passaportes causavam grande ansiedade. Isso mostra quão ineficiente era a politica de imigração estadunidense frente um iminente desastre humanitário na Europa.
Quando os Estados Unidos e o Brsil foram a guerra com a Alemanha, Rocker e Kniestedt anunciaram apoio aos Aliados any. Esse era uma mudança de suas posições antiguerra de 1914, mas agora, ambos traziam o mesmo argumento em favor do apoio, o que provocou criticismo por parte de alguns anarquistas. Para Rocker, não era sobre conservar democracias burguesas mas sobre preservar oque chamava de “possibilidades de livre desenvolvimento” [10] Para Kniestedt uma vitória dos Aliados a possibilidade de um novo movimento de trabalhadores e alguns direitos e liberdades democráticas. Em 1943, numa entrevista, Kniestedt explicou pelo quê o Movimento de Alemães Antinazistas lutava: um acordo com a Declaração de Casablanca que exigia redição incondicional sem punições injustas do povo alemão, repúdio ao racismo e antissemitismo, a união de todos os alemães livres; um apelo para os prisioneiro de guerra alemães juntarem-se ao movimento; construindo sociedades de apoio mútuo e ajudando fugitivos, e uma saudação co povo Sul americano que haviam recebido bem os alemães livres. Em 1945, Rocker e Kniestedt, ambos com setenta e dois anos, ajudaram a organizar uma campanha de apoio a anarquistas vítimas do fascismo, juntos de Helmut Rüdiger, um anarquista de quarenta e dois anos em exílio na Suécia.
É fato notório que um movimento antifascista, liderado por anarquistas e esquerdistas sem afiliações, foi capaz de resisti ao nazismo através da palavra impressa e da ação direta pacífica. A força desse movimento liderado por anarquistas no Brasil foi significante, dado o fato que manteve uma continuada infraestrutura jornalística e organizacional por vinte anos. Mesmo elementos nazistas no Brasil entenderam que esse contramovimento era de alguma forma efetivo e não podia ser ignorado. É preciso deixar explicado que Kiestedt e Rocker não eram pacifistas; eles eram militante antimilitarismo nos dizendo que quando se trata de fascismo nós não podemos dar a outra face. Eles não podiam impedir guerras globais, mas eles inspiraram e preservaram autonomias locais.
***
Tom Goyens é professor na Universidade de Leuven, Bélgica; e PhD em História.
[1] Kniestedt, Fuchsfeuerwild: Erinnerungen eines anarchistischen Auswanderers nach Rio Grande do Sul, memórias de Friedrich Kniestedt (1873-1947) (Hamburg: Verlag Barrikade, 2013), p. 101.
[2] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 111-2.
[3] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 134. [4] [Kniestedt,] “Kaiser Geburtstagfeier 1925,” Der freie Arbeiter (Porto Alegre), January 1925.
[5] Deutsches Volksblat (Porto Alegre), January 31, 1933, quoted in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 171.
[6] Kniestedt, “Rück-und Ausblick,” Aktion: Organ der Liga für Menschenrechte, Ortsgruppe: Porto Alegre (Porto Alegre), December 23, 1935, p. 1. See also Rivadavia de Souza, “Começou Combatendo o Kaiser e Acabou Combatendo Hitler,” Diretrizes (Rio de Janeiro), June 11, 1942, p. 16.
[7] [Kniestedt,] “Vorbeigelungen,” Alarm (Porto Alegre), February 15, 1937.
[8] “Processos por crime de injurias impressas,” O Estado (Florianopolis), June 9, 1934, p. 4.
[9] Kniestedt to Frick, February 10, 1935 (Porto Alegre), printed in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 182.
[10] Qoted in Peter Wienand, Der ‘geborene’ Rebell: Rudolf Rocker, Leben und Werk (Berlin: Karin Kramer Verlag, 1981), p. 419. 3