publicado originalmente por Tech Learning Collective 2020-10-08
O princípio fundamental do Anarquismo é a resistência a um Archos, grego para
“mestre”. Advogar pelo anarquismo é se posicionar em oposição a um mestre, ou seja, reivindicar o direito fundamental de auto determinação, autonomia, e liberdade de um sistema centralizado de controle (especialmente controle coercitivo). Agir de maneira anárquica significa agir independente de um mestre. Não significa agir de maneira não coordenada ou desorganizada, e nem sempre significa uma total ausência de camadas de responsabilidades, mais comumente conhecidas como “hierarquias”.
A Internet é anarquista pois o parágrafo acima descreve não apenas os protocolos básicos de operação da Internet como Ethernet e TCP/IP, mas também as intenções originais de seus criadores. Quando Bob Metcalfe inventou a Ethernet em 1970, ele intencionalmente criou seu sistema de maneira que funcionaria anárquicamente. Diferente de tecnologias competidoras daqueles tempos como Token Ring, na qual participantes individuais se distinguiam entre si baseado em qual deles detinha todo o poder de falar em determinado momento (o portador do “token” da rede), a Ethernet de Metcalfe propositalmente permitia que o aparelho de qualquer participante pudesse dizer qualquer coisa na rede a qualquer momento que ele desejasse. Colisões e conflitos eram resolvidos de forma independente, pelos aparelhos individuais que estava criando o conflito, através de um simples conjunto de regras ( carrier sense multiple access with collision detection, ou CSMA/CD), um processo sem a medição de controladores externos.
Muitos engenheiros acreditaram que essa abordagem seria muito caótica para ser bem-sucedida. Como podia um sistema de coordenação funcionar sem um comando central ? Isso seria pura anarquia!
Hoje, toda conexão com a Intenet, rede local, uplink telefônico, datacenter backhaul, e sinal de WiFi que chega ao seu computador usa Ethernet. A abordagem anarquista se provou mais simples, mais eficiente, e absolutamente mais exitosa. Isso não é nenhuma surpresa para nenhum anarquista praticante, de todo modo muitos anarquistas praticantes ainda não reconhecem o anarquismo em ação quando postam mais um tuíte.
A maioria das pessoas, incluindo e talvez especialmente a maior parte dos tecnologistas digitais, são capazes de compreender intuitivamente os princípios de coordenação anárquicos. Existe uma miríade de exemplos modernos de tecnologias com nomes como algoritmos de concenso, orquestra de clusters, e distributed ledgers (como as “blockchains”) que, quando você para para analisa-las, em seus fundamentos, são abordagens anárquicas para resolução de problemas complexos em ambientes com vários níveis de confiança entre os participantes.
Ferramentas de organização de clusters de larga escala como Kubernetes, uma invenção da Google, funcionam primariamente graças a coordenação de uma série componentes cada um com uma responsabilidade específica, organizados horizontalmente para agirem independente uns dos outros, apenas respondendo a mudanças em seu ambiente conforme elas acontecem. O próprio Certificate Transparency Log (CTL) da Internet, que audita a emissão de certificados de segurança de websites como os que são oferecidos gratuitamente para donos de websites pela Let’s Encrypt, é um imenso banco de dados de concenso distribuído, mantido por muitas organizações independentes que usam a mesma tecnologia em que se baseia a Bitcoin. A própria espinha dorsal da Internet o Domain Name System (DNS) e o Border Gateway Protocol (BGP), são sistemas delegáveis onde qualquer um, a qualquer hora, pode participar simplesmente conectando-se com um computador com software livre e de código aberto na Internet e reivindicando responsabilidade sobre uma nova região autônoma chamada “domínio” na linguagem do DNS ou um “autonomous system number” (ASN) na linguagem do BGP..
Para os recém iniciados, isso tudo soa bastante frágil. Ainda assim, de algum modo, a Internet se provou surpreendentemente resiliente. Mas a maioria dos tecnologistas não são capazes de ver os paralelos entre sua amada tecnologia e o ponto de vista anarquista especialmente por que não passam muito tempo pensando sobre organização e política. Ao menos, não além do próximo ciclo eleitotral a cada quatro anos.
Isso precisa mudar, E nós somos a mudança.
Como ? Tal mudança não vai acontecer em cursos ou iniciativas tipo “aprenda a programar”. Não acontecerá através de campanhas sobre diversidade patrocinadas e centradas dentro da indústria da tecnologia. Tecnologistas, como a maioria das pessoas em uma posição social confortável e com posições sociais privilegiadas e estratificação de classes, não são propensas a examiar seus preconceitos ou mudar sua visão de mundo. É pouco razoável e estratégicamente imprudente de nossa parte esperar que isso ocorra.
Sendo sucinto, o custo de mudar a visão de mundo de um indivíduo é um esforço imenso. Como estratégia ampla, não é plausível. Não vale a pena lutar a “batalha pelos corações e mentes”, ao menos, não diretamente, pois o que muda corações e mentes não é a razão, mas a experiência. Não é citando fatos sobre o presente, mas tomando ações que inspirem a imaginação sobre o futuro. Não é engajando em debates, mas de fato fazendo mudanças concretas nas circusntâncias materias de alguém.
Já o custo de se treinar pessoas radicais em tecnologias modernas de informação, por outro lado, é menor. Também é difícil, certamente, mas aprender um novo conjunto de habilidades não é nem de longe tão difícil quanto aprender uma visão de mundo nova e totalmente oposta. Como estratégia geral, “tecnologizar radicais” tem potenciais ilimitados, enquanto “radicalizar tecnocratas” tem se provado uma desastrosa perda de tempo.
O cenário ativista de hoje é bem diferente dos dias das marchas dos Direitos Civis, do Movimento Anti Guerra, ou mesmo do Movimento Anti-Globalização, anterior ao 9/11. Se devemos cruzar um tipo diferente de terreno, nós precisamos de de um tipo difrente de veículo.
Essa não é uma ideia particularmente nova. Alguns vão se lembrar das Crypto Wars dos 1980 e 1990, nas quais os governos reservaram o uso de criptografia unicamente para usos militares. Cypherpunks e o começo da cultura “Hacker” nasce dessa época. Mas nem cypherpunks nem comunidades “hacker” eram particularmentre anarquistas, nem em ideologia nem em prática. Invés disso eles importaram e espelharam ideias vigentes como gênero, economia, e estereótipos raciais, gastando boa parte de seu tempo ingenuamente se imaginando em alguma longínqua utopia onde a mera existência de tecnologias baseadas em métodos anárquicos iriam inevitavelmente levar a uma reforma na sociedade com igualdade e justiça para todos mesmo quando a realidade se voltava cada vez mais rumo distopias dignas de pesadelos.
y the time they awoke from their Matte-fueled reveries several decades later, their world had been colonized and their comrades would be targeted as criminals under laws like the Computer Fraud and Abuse Act enacted a decade or more earlier. Famous exceptions such as Pirate Bay founder Peter Sunde notwithstanding, the earlier generation of hackers fumbled because they failed to recognize and center the importance of the anarchist principles underlying the very technologies they wrongly treated as inherently liberating.
Hacker tecnicamente habilidosos se embrulharam no brilho de seus computadores da mesma maneira que políticos se embrulham nas bandeiras de seus países. Em sua maioria, eles ignoraram as forças da indutrialização re-centralizando a Internet e a transformando em imensos shopping centers como Facebook. Décadas depois, quando acordaram de seus sonhos de descanso de tela, o mundo deles havia sido colonizado e seus camaradas seriam marcados como criminosos por leis como o Computer Fraud and Abuse Act promulgado dez anos antes. Exeções famosas à parte, como o fundador do Pirate Bay,Peter Sunde , a primeira geração de hackers falhou, pois falharam em perceber e dar importância aos princípios anarquistas sustentando as mesmas tecnologias que eles errôneamente consideraram como inerentemente liberatórias.
Se eles tivessem trazido consigo um olhar mais explicitamente anarquista, teriam reconhecido que nem anarquia nem liberação são estados que podem ser descritos por suas máquinas do estado, mas que esses são processos constantes em que os indivíduos devem repetidamente agirem para reafirmar sua resitência contra a formação de um Archos.
Hoje isso significa que Anarquistas politicamente conscientes devem tomar a responsabilidade pela operação e administração das redes interconectadas de comunicação, se não mesmo, a Internet com I maiúsculo, para nos certificarmos que o fascismo será constantemente combatido e freado. Isso vai além de simplesmente não dar plataforma para fascistas e criar o código do próximo app de rede social ou mensageiro criptografado que vai virar hype. Isso não é o suficiente. Não passa nem perto de ser o suficiente.
Ao invés disso, nós anarquistas devemos nos tornar de fisicamente correr cabos de um bairro para outro. Devemos nós mesmos aprender a administrar funções vitais da internet como o Domain Name Syste, independente dos nossos provedores comerciais. Nós devemos aprender a criar uma infraestrutura, não necessariamente maior, mas paralela aos imensos datacenters e instalalos fisicamente nas comunidades que dependem deles, ao invés de deixa-los a um meio globo de distância, exatamente pela mesma razão nós devemnos abolir as delegacias de polícia cujas patrulhas são conduzidas por equipes que nem vivem na vizinhança pela qual são responsáveis por policiar.
Isso é uma enorme quantia de trabalho, mas não tanto parece a primeira vista. E o melhor de tudo, os recursos que são necessários em termos de dinheiro e equiopamento são mínimos e cada dia mais acessíveis. Também não há necessidade de escrever novos códigos ou criar novos apps para fazer isso acontecer. Nós já temos todos os materiais básicos que precisamos para o trabalho. A única coisa que nos falta é um amplo compromisso dos próprios anarquistas.
Na cidade de Nova York, vários coletivos Anarquistas e anarco-autonomistas tem lentamente convergido para fornecer a apoio na insfraestrutura digital e tecnológica para organizações anti-fascistas, anti-racistas, e anti-capitalistas de maneira reproduzível. Esses serviços vão desde treinamento em computação para ativistas e grupos de advocacia a assistência direta com componentes digitais para esforços de advocacia, e quando solicitado, até mesmo audições privadas quanto a segurança de algum aliado.
Alguns grupos como Anarcho-Tech NYC, são totalmente mantidos por trabalho voluntário operando sem nenhuma licença ou reconhecimento legal e uma caixa intencionalmeente o mais perto possível do zero.
Outros, como Tech Learning Collective, dão treinamentos técnicos livres, de contribuição voluntária, e de baixo custo para comunidades pouco assistidas e organizações que lutam pela justiça social, em um esforço de ajudar a financiar projetos radicias de bem estar social enquanto simultâneamente ajudam a melhorar as habilidades de estudantes politicamente motivados e tecnologicamente curiosos. O Tech Learning Collective é uma escola fundada e mantida exclusivamente por tecnologistas radicais, mulheres e queers, baseada na mentoria, e com foco na segurança, oferece aulas virtais (remotas/online) de computação em tópicos que vão desde o uso básico de computadores até as mesmas técnicas ofensivas de raqueamento utilizadas por agências nacionais de inteligência e agentes militares.
Junto de grupos focados em tecnologia como Shift-CTRL Space que conecta militantes a recursos tecnológicos livres, essa “coalizão arco-íris digital” com foco em assuntos como TI, infraestrutura de telecomunicações e iniciativas educacionais vem demonstrando como ter um grande impacto em organizações antifascistas no século 21.
Como anarquistas, nós gostamos de dizer que outro mundo é possível. A verdade é que, outro mundo está aqui todo esse tempo. Está na palma da nossa mão toda vez que lemos uma mensagem de texto de uma de nossas amigas. Tudo que precisamos fazer é aprender ccomo isso de fato funciona.