Espalhando memes

[tradução do capítulo 06 do livro Anarchy in the age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

O Próximo Trem

“Eles são preguiçosos”. “Eles são sujos”. “Eles roubam e não são de confiança”. “São parasitas sugando nossos recursos”.

Todos nós já sacamos eles. Todos nós temos opiniões sobre eles. E a maior parte de nós já os deixou dormirem em nossos sofás. Nós sabemos tudos sobre os viajantes.

Essas são algumas das reclamações comuns que anarquistas vivendo em comunidades sedentárias têm contra seus parentes viajantes. Quando olhamos pra essas reclamações, elas infelizmente ecoam reclamações de outros lugares e outras pessoas. Esses são os mesmos chingamentos e esterotipos que pessoas do Leste Europeu têm contra Ciganos, suburbanos têm contra periféricos, que sindicalistas têm contra trabalhadores imigrantes mexicanos, ou que alemães têm contra trabalhadores vindos da Turquia.

Ao longo da história registada tem havido animosidade entre as pessoas em comunidades assentadas e os seus vizinhos nômades. Parte desse conflito sem dúvidas vem da crença de que quando recursos são escassos, nômades sem raízes irão roubar o que pessoas em comunidades assentadas trabalharam para conquistar. Alguns argumentam que essa tensão tem origem na inveja que pessoas assentadas têm por aqueles que parecem possuir mais liberdades e menos responsabilidades. Idependente das raízes desse conflito, o resultado final é o mesmo: desconfiança e hostilidade. Infelizmente muitos anarquistas caíram nas mesmas armadilhas de estereotipar e demonizar viajantes. Os anarquistas sempre foram viajantes!

Fosse Bakunin (talvez a primeira “criança viajante”) organizando a Primeira Internacional Negra, ou Emma Goldman agitando os celeiros ao redor dos EUA, anarquistas há muito tem levado seus projetos e ideias para a estrada. Hoje, continuamos a levar nossos projetos para estrada. Hoje continuamos levando nossas políticas e projetos como e onde quer que se vá: pulando de trem em trem em pequenos grupos, em bandos de bicicleta, em vans abarrotadas de instrumentos de alguma banda, esperando vôos, em tours de lançamento de livros em vans de soccer moms, ou simplements no dedão. Existem inúmeras razões para se viajar que existem para além do campo do puro hedonismo individual. Viagens tem potencial político e cultural que pode fortalecer nossas comunidades, fazendo polinização cruzada de ideias e oferecer apoio mútuo.

Espalhando Memes

Contato cara a cara é mais significativo que a comunicação através da televisão, telefone, internet, revistas, ou livros como esse aqui. Existe algo maravilhoso sobre encontrar uma pessoa de outra comunidade e compreender que vocês compartilham projetos e paixões parecidos. Viagens nos unem. Agora que anarquia não é somente o domínio de áridas feiras de livro e campus de universidades, um dedicado segmento de nossas comunidades tem espalhado ideias ao longo do país e do mundo. Essas ideias, as vezes chamadas de “memes” passam por mutações e mudam, aparecendo em lugares e contextos inesperados.

O Reclaim The Streets (RTS) surgiu dos protestos anti-estradas no Reino Unido, era uma tentativa de salvar os bosques nativos, incluindo as batalhas por Twyford Down. Conforme mais e mais ativistas urbanos se envolviam, o escopo dos protestos lentamente se transformaram de serem contra estradas especificas e passaram a ser sobre a cultura do automóvel em geral. Tripods e outras táticas que vinham sendo efetivas para paralisar a construção das estradas foram utilizadas para bloquear pistas no meio de Londres. O que começou como um protesto comum se tornou algo especial. Festas de rua foram improvisadas, com música, teatro de fantoches e a ação direta se espalhou pela Inglaterra por um ano, e em dois anos, a ideia havia se espalhado até a Finlândia. Dentro de quatro anos o RTS se transformou no Global Day of Action (você estava nas ruas em 30 de Novembro de 1999 ? Foi um Global Day of Action também) com mais de dez mil pessoas na capital do petróleo da Nigéria, Port Harcourt tomando as ruas, cantando e dançando, paralisando os agentes do conglomerado assassino Shell. Mutando conforme cruzava o Atlântico até os Estados Unidos, o fenômeno RTS se espalhou das rodovias de Londres para as estações de metrô de Nova York e os subúrbios de Naperville, Illinois. Uma parte significativa desse fenômeno era transmitido por pessoas transmitindo suas experiências com outras através de suas viagens. O meme da RTS transcendeu seu contexto inicial para se tornar significativo para pessoas ao redor de todo o mundo.

As viagens abrem a possibilidade de não apenas aprender sobre pessoas, projetos e resistências em uma comunidade geográfica específica, mas permite aos viajantes que se envolvam ativamente naquela comunidade. Uma das primeiras coisas que viajantes podem oferecer a seus anfitrioes é a realização de tarefas domésticas (como lavar pratos!) mas eles podem fazer muitos mais. A viajante traz com ela conhecimentos, a paixões, e habilidades: uma vida inteira de experiências e relatos de outros lugares. Sem trabalhos formais e outras restrições de tempo tradicionais, viajantes podem ser “reforços” políticos e culturais para a guerrilha na qual estamos atualmente engajados na América do Norte. No lugar de ser um recipiente passivo de informação, encontros cara a cara nos tornam parceiros ativos em um diálogo cultural. Essa é a premissa básica de conferências, convergências, e encuentros. Eventos de sucesso como a conferência da Zona Autônoma Permanente de Louisville (PAZ) reuniu pessoas de todos os cantos do país (e de fora) para compartilharem ideias, ofercer treinamentos e oficinas, trocar patches e stencils, fazer contatos e; sim; até passar um tempo de qualidade.

Nessas trocas, diversidade é importante: não apenas variedades racial ou étnica, mas também geográfica. Anarquistas no Kansas têm sua própria versão de anarquia, que tem algo em comum com a anarquia no Maine. Em vários níveis, elas devem ter algo ha ver com a anarquia boliviana ou coreana. Todas essas comunidades geográficas adaptam práticas anarquistas ao seu próprio ambiente local. Enquanto similaridades são certamente importantes, as diferenças são de onde a maioria dos projetos interesantes surgem. Variação local é o que mantém a cultura viva e imediata, assim uma visão única não sufoca inovações. Como dialéticas de uma só linguagem, as variantes regionais da anarquia nos tornam mais ricos e coloridos. No lugar de uma ideologia hogênea, de livros, a anarquia fez morada em milhares de comunidades, baseadas na sobreposição de culturas, políticas e práticas compartilhadas. Essas diferentes anarquias não precisam estar unificadas, ou terem um visual uniforme. Quando um viajando originalmente de Chicago trás experiências para um acampamento em defesa das florestas da Cascadia ou uma fazenda ocupada do Brasil, eles espalham suas próprias varaiações do meme anarquista. Só o tempo dirá o que acontece depois.

Quanto mais, melhor

Receber uma pessoa vinda de outro lugar para a sua cidade, aumenta a moral. Quando anarquistas saídos de meia dúzia de lugares chegaram em bandos em uma reversa de Nativos Americanos no norte do estado de Nova York, para ajudar a proteger famílias Oneida de serem desalojadas de suas casas, isso só foi possível pois a cultura da viagem carrega em si o desejo de oferecer apoio mútuo. As famílias foram surpreendidas ainda que tenham gostado de receber a ajuda de estranhos, ao messmo tempo em que os anarquistas ficaram contentes de se fazarem parte da luta comunitária, mesmo que temporariamente. Nesse caso, a luta por autonomia teria sido impossível sem a dedicação dos membros da comunidade assentada. Os viajantes usaram de sua “liberdade”(tempo livre e flexibilidade) para assegurar o sucesso da luta. Em um local bastante diferente, as hortas comunitários do sul do Bronx, incluindo o amado Cabo Rojo, foram mantidos por meses por viajantes e anarquistas de outros locais que construíram uma micro comunidade junto de seus camaradas em território okupado. Convergências, manifestações, e conferências ofereceram oportunidades para que pessoas de diferentes comunidades geográficas compartilharem e aprender uns com os outros. viajantes também permitir que grupos em conflitos locais pudessem contar com ajuda de improváveis aliados apesar do siolamento geográfico. Se a cultura anarquista do território nacional ou internacional pode em algum momento ser observada, é provável que seja durante esse tipo de interação.

As autoridades se preocupem, com razão, com a nossa habilidade de mobilizar companheiros de outras comunidades geográficas. Em um particularmente infame momento do Reclaim the Streets em Durham, Carolina do Norte, o sargento da polícia foi ouvido dizendo que centenas dos anarquistas lá eram de Eugene e São Francisco, mesmo o evento tendo sido feito majoritariamente por pessoas locais. A polícia estava justificadamente chocada pela habilidade dos participantes de se unirem e fazer o que quer que quisessem. Para a polícia, a única explicação era que a “garotada de Seattle” teria vindo para ameaçar o distrito, eles estavam completamente ignorantes ao fato de que haviam anarquistas vivendo no território. Parte do sucesso específico deste evento foi o fato de os locais se reuniram com outros anarquistas da Carolina do Norte, ativistas universitários, crianças de rua, e algums viajantes experientes. Enquanto poucas comunidades locais são capazes de promover eventos em que eles não seja sobrepojudados pela polícia, viajar nos permite mobilizar números inesperados de pessoas e abalar as autoridades. Invés de contar com uma massa humana homogena para superar nossos inimigos, nos beneficiamos dos nossos talentos e diferenças individuais. Essa é a força básica do movimento antiglobalização e é uma tática que pode ser útil em uma variedade de circustãncias e lutas.

“Paciência, Fortalece o Andarilho” – Pixo em uma estação de trem em Waycross, Georgia

As fronteiras não são apenas físicas, elas também são mentais. Enquanto acreditarmos que somos cidadãos de países específicos, ou limitados a uma só comunidade, vamos estar perdendo. Todos nós devíamos viajar! Seja de um lado pro outro do país para uma manifestação contra o FMI, ou cruzar a cidade para encontrar um grupo com quem nós acabamos de começar um projeto, viajar é uma maneira bastante real de conectar as pessoas. Nossa solidariedade não deve ser limitada as pessoas que casualmente vivem no nosso bairro ou cidade.

Amizade é uma grande mídia para paixão: melhor que livros, zines, ou mesmo a Internet. Infelimente, muitos anarquistas vivem em locais distantes das cenas que apoiam seus sonhos e projetos. Viagens e viajantes podem ser um potencial catalizador para permitir que pessoas isoladas pelo acaso da geografia possam ver seus projetos crescer e prosperar sem precisarem se realocarem. Se os anarquistas sonham em ser mais que uma força marginal nos EUA, nós precisamos chegar mesmo nos cantos mais solitários desse imenso país. Ironicamente, ao invés de “arruinar” comunidades, viajantes podem ser a melhor chance que temos de construir comunidades locais de resistências através da troca de ideias, recursos, e trabalho de diferentes locais.

Alguns pessimistas vão argumentar que viagem em si não é algo radical. E isso é verdade: um milionário pode pular em um avião para Barbados e ter todo um hotel só pra si, do mesmo modo que um anarcopunk nos EUA pode pular de trem em trem por puro escapismo. O potencial da viagem está em suas liberdades relativas: tempo para se dedicar a projetos, a habilidade de transportar materiais e informação, flexibilidade em por energia em novos projetos, apoiar camaradas de locais distantes, a lista é longa. Viagens também podem ser usadas para combater o isolamento e nos dar esperança em um mundo hostil. Como qualquer viajante sabe, chegar a um lugar que você nunca foi antes, exige paciência e dedicação: que nossas estradas coletivas todas levem a anarquia.