CONTRA a Quarta e Quinta Revolução Industrial

O texto à seguir, é de autoria do coletivo 325, até onde pude verificar, as influências ideológicas do grupo estão voltadas ao individualismo e ao insurrecionalismo, apesar de considerar essas práticas-ideias como válidas e celebrar a existência dessas pessoas e grupos, não temos (e não precisamos ter) grandes acordos com relação a como projetamos nossa luta na sociedade.

Dito isso, destaco dois pontos principais desse texto, como extremamente instigantes. Primeiro, a análise das Revoluções Industriais como processos de expropriação contra a classe trabalhadora e o papel desses eventos na desassociação do ser humano, com seu meio ambiente, meio social e atualmente, um processo de desligamento do indivíduo com seu próprio corpo.

O segundo ponto, é a capacidade de projeção de um futuro próximo, levando em conta tecnologias emergentes e tendências econômicas políticas. Como pessoas que projetam um mundo diferente, é vital que tenhamos um bom entendimento de pra onde os ventos apontam.

Publicado originalmente em inglês e espanhol em enoughisenough14.

CONTRA A Quarta e Quinta Revolução Industrial

“Uma característica da quarta revolução industrial é que ela não muda o que fazemos, muda a nós mesmos.” Klaus Schwab, excutivo e fundador do Fórum Econômico Mundial, Fórum que instalou um Centro para a Quarta Revolução Industrial em São Francisco, nos Estados Unidos.

Uma revolução industrial é um evento político, social e econômico em que a elite se apodera do que é livre – terra, natureza, talentos, relações sociais, habilidades e sonhos – e os reembala, os transformando em agentes dentro dos mecanismos de lucro e poder. Para fazer isso, eles privam a maior parte da população de autonomia, autodeterminação, autossuficiência, autoestima, relacionamentos, e liberdade.

Nós tivemos três revoluções industriais nos últimos 250 anos. No momento estamos às vésperas da quarta e quinta revolução industrial. Todas essas revoluções vieram a ser fundamentalmente baseadas na extração e devastação industrial de nosso ecossistema.

A Primeira Revolução Industrial aconteceu entre 1760 e 1970 quando água e vapor foram usados para mecanizar a produção através da invenção do motor a vapor, que também teve o efeito da “globalização” ou do deslocamento através de ferrovias. A Primeira Revolução Industrial quebrou a relação das pessoas com a natureza, avançando a era das cidades. A Segunda Revolução aconteceu entre 1870 e 1914 e trouxe o poder da eletricidade para o Ocidente, juntamente ao aço, óleo e o motor por combustão, possibilitando a produção em massa e erradicando as pequenas indústrias de artesãs. A Terceira Revolução Industrial começou nos em 1980 quando eletrônicos e tecnologia da informação automatizaram a produção e passaram a descentralizar até que a ascensão da revolução da tecnologia digital eventualmente “democratizou” o computador pessoal e a internet, um evento que ajudou a agravar a já enfraquecida relação entre a humanidade ocidental e o mundo natural, e também entre si, conforme cidadãos se tornaram parte de uma comunidade global ao invés de uma comunidade local, que tem desaparecido rapidamente. A Terceira Revolução Industrial e a insipiente Quarta Revolução tem criado solidão sistemática, isolamento, proliferação de problemas mentais e uma maior dependência do sistema: quando relações humanas e redes familiares já não podem mais ser garantias da nossa sobrevivência, somos levados a crer que a dependência nas máquinas pode.

Essas sucessivas revoluções industriais consolidaram e aprofundaram essa ruptura, não apenas com o mundo natural para boa parte da população mundial, agora urbana e dependente dos mecanismos da cultura civilizada, mas também levou a um aumento no distanciamento ainda maior entre ricos e pobres.

O objetivo da Quarta Revolução Industrial (4RI) é a convergência das tecnologias físicas, biológicas e digitais sob o propósito de uma nova visão da humanidade e do planeta. 4RI, CyberPhysical ou Indústria 4.0 envolve conectividade em massa, inteligência artificial, robótica, acesso de conhecimento via internet, armazenamento, veículos autônomos, poder de processamento massivo via 5-G, impressão 3D, nanotecnologia, biotecnologia, genética, bio-printing (manufatura de células, órgãos e corpos), expansão do tempo de vida, realidade aumentada, ciência de materiais, armazenamento de energia, computação quântica, e Internet das coisas (IoT) como em prédios smart e cidades smart, blockchain e criptomoedas. Essas são tecnologias “disruptivas”, em sentido amplo: administração, finança, logística, sociedade, ontologia humana. Ela também é implementada através do apelo da 4RI para nossa “conveniência, conforto, harmonia e prazer”. É isso que significa um mundo de “tecnologias sem fricção”, um mundo tecnificado.

Nesse mundo novo, o Covid-19 deu a tecno-elite ótimas das oportunidades: Populações globais fisicamente isoladas umas das outras, em alguns países sendo permitido um abate tácito de humanos que até então eram um fardo para um sistema que não precisava deles. Nossa dependência total da tecnologia, para a comunicação, trabalho e entretenimento, o uso dessas tecnologias para instituir vigilância massiva, e experiências de medo e mortes em escala até então inimagináveis. Esse cenário também nos revelou algumas verdades: Apesar de dois séculos de “progresso”, tudo que as elites fizeram foi proteger seus próprios empreendimentos, sistemas públicos de assistência foram destruídos; e a humanidade tem sido “desconectada” da natureza tão completamente que de fato, nós não conseguimos sustentar a nós mesmos durante uma crise, sem o sistema e que as promessas da elite – sejam políticas, econômicas ou tecnológicas – jamais serão cumpridas.

Se a 4RI é a consolidação dos meios – as novas tecnologias em si – que as elites irão tentar usar para confrontar a instabilidade resultante da desigualdade de recursos, colapso climático e a ascensão da computação e do poder pós-industrial, então, a Quinta Revolução Industrial (5RI) começa no momento em que houver aceitação massiva dessas novas tecnologias que convergem com nossos corpos, ambientes e realidades em tal grau que a máquina-mundo será sempre presente, desde a nano escala até o ponto mais distantes que os humanos atingirem no espaço.

Esse é o motivo pelo qual se você fizer qualquer pesquisa básica sobre 5RI, vai encontrar apenas capitalistas usando green-washing sobre o dito “desenvolvimento sustentável” e baboseira pró-mercado sobre uma tecno-utopia que irá “melhorar a vida de todos”. Isso é por que os tecnocratas e as elites não querem que a verdadeira natureza desses desenvolvimentos tecnológicos seja conhecida até que seja tarde de mais para se fazer algo a respeito. Progresso tecnológico, nos foi dito, é “inevitável”. A 5RI irá nos levar a mudanças conceituais tão grandes com relação a como vemos nossos corpos, tecnologias e o “mundo natural” que muitas dessas definições passarão a ter limites menos nítidos. Para “relíquias humanas” como nós, que pensam em próteses apenas como a solução de deficiências, 4RI fornece a tecnologia, e através dos desenvolvimentos da mesma, logo os resultados da 4RI serão melhor que a do membro original. 5RI não é apenas sobre estender e refinar as incursões da 4RI, é sobre vender massivamente essas ideias, alinhando o público com essas tecnologias através de propagandas que apelem para os instintos humanos mais básicos. A 5RI é a aceitação de que os órgãos robóticos-cibernéticos são superiores ao orgânico, e o desejo pelo artificial em detrimento do caos orgânico.

Enquadrado entre uma nova realidade evolutiva de artificialização total, e inteligência artificial miniaturiza, intervindo em tudo ao alcance dos especialistas, o resultado da realidade da 4IR é uma visão de uma nova Terra e de uma nova “humanidade”. Uma “Humanidade +” que vive dentro de um planeta-prisão dependente de “energia verde”, regulada e sancionada por funcionários, cientistas e tecnocratas através de métodos como I.A., bio tecnologia e nanotecnologia. Se a 4RI é o desenvolvimento e convergência dessas novas tecnologias pós-industriais, então a 5RI surge de um grau acelerado de desenvolvimento e aceitação em massa desse mesmo complexo tecno-industrial. A 5RI é caracterizada pela velocidade exponencial sem precedentes (tempo-máquina) em oposição ao linear/não-linear (tempo humano) o que significa que mesmo os designers e engenheiros sociais desse admirável mundo novo admitem que não serão capazes de controlar o resultado dessas novas tecnologias. Isso tende em direção a criação de algo ainda mais horrível que a ficcional Skynet do Exterminador do Futuro. A Singularidade Tecnológica. Ray Kurzweil descreve em The Singularirty is Near que “é difícil pensar em qualquer problema que uma super inteligência não possa resolver ou ao menos nos ajudar a resolver. Doença, pobreza, destruição ambiental, sofrimentos desnecessários de todos os tipos: essas são coisas que uma super inteligência equipada com nano tecnologia será capaz de eliminar.” E completa, “Máquinas conseguem administrar recursos de uma maneira que humanos não conseguem.” Lendo essas declarações, é difícil de pensar em quaisquer problemas que não poderíamos resolver com nossa própria inteligência e através de meios mais simples, determinação, e uma mudança de perspectiva e de comportamento. De todo modo, é óbvio que humanos sempre foram bastante capazes de gerenciar recursos, a questão é que aqueles que detém e lucram com o status atual, através da força, negam o acesso amplo a esses materiais, e a maioria da população é conivente. Escolher não mudar a situação e não lutar contra o “futuro” é uma posição que maioria irá escolher.

Tanto é, que após um século de progresso tecnológico e promessas de erradicar a fome e a poluição, uns poucos são ricos além da compreensão enquanto as massas continuam lutando pelos recursos mais básicos; avanços médicos e mesmo remédios comuns ainda são escassos em muitos países. Para nos manterem quietos, eventualmente nos entregam bugigangas: internet, espertofones, apps, redes sociais, jogos de computador, live streams e podcasts, próteses e promessas de mais por vir. Mas os avanços reais não serão distribuídos de forma mais justa que a riqueza das revoluções industriais anteriores, e os avanços reais terão de ser resistidos por nós: a vigilância total em um mundo sem privacidade, exigências de controle mental absoluto, conformidade total através de condicionamento comportamental do cidadão e da “comunidade”, “moral cívica” e sistemas de benefício como a renda básica universal (mínima).

Se uma revolução industrial não consegue satisfazer suficientemente as necessidades da humanidade, para ser plenamente aceita, ela apaga essas necessidades ou se impõe através da força. No contexto da 4RI e da 5RI, as características que as máquinas atualmente não possuem – empatia, amor, intimidade, por exemplo – são danificadas no ser humano pelo próprio complexo tecno-industrial – do medo da intimidade e de relacionamentos em “tempo real” que resultam do uso das redes sociais, à falta de empatia que sabemos que é induzida por fármacos como paracetamol, venenos em nossa comida e no sistemas de água – então dirão que essa tecnologia de fato sacia nossas (agora modificadas) necessidades. Domesticados, escravos brutalizados de um sistema mecanizado de materialismo, ganância e egoísmo.

Isso é parte do domínio do mundo-máquina: discursos sobre reparar deficiências e curar doenças escondem a mecanização do corpo; falas sobre a extensão da vida significam que as elites reinarão para sempre. Enquanto os tecnopadres entoam cantos sobre libertação de nossos corpos orgânicos, a prisão biológica, através do upload de nossas consciências, conquistando imortalidade, e sendo capazes de considerar nossos corpos como meras “capas” a serem trocadas a qualquer momento que quisermos ou precisarmos, o que está acontecendo é que os corpos da maioria tem sido transformados em prisões por uns poucos que de fato se beneficiam dos avanços sobre extensão da vida e controle de doenças (sistemas públicos de saúde sem investimento, equipados com as tecnologias mais antigas e baratas, e para muitos, se quer esses sistemas estão disponíveis). Mas essas novas tecnologias transhumanistas não pretendem libertar a todos.

Apesar das mentiras dos futuristas a implementação dessastecnologias irão aumentar a distância entre os incluídos e excluídos. Os poderosos criarão cidadelas, que os afastarão mais que nunca, da fúria dos de baixo. Conforme o corpo se torna matéria bruta para um novo setor da biociência, em um mundo onde máquinas farão a maior parte do trabalho, e o corpo humano em si se tornará mais um repositório para o Capital, e, novas formas de exploração e indústria. De fato, isso já está acontecendo. Com a pesquisa de células de estamina, edição de genes, bio enhancers, novos produtos farmacêuticos, próteses, análise e mapeamento em massa de células e DNA. O Eu soberano e o privado entrarão em um novo reino de valoração, mercantilização, ajustamentos e divisão social sem fim, á serviço do Capital, da bio-vigilância, da vaidade e da desigualdade. Na 4RI, a sociedade de consumo vai por caminhos muito mais profundos e sombrios que a compra de objetos. O objetivo final da 4RI é nos “desconectar” de nossos corpos e do nosso entendimento de nós mesmo como parte da biosfera e do bio ritmo, assim eles também podem ser vistos como algo a ser comprado, melhorado e “consertado”, uma série de partes mecanisticas, substituíveis, que podem ser artificialmente produzidas á um certo preço, e promovidas como possuindo melhores qualidades que as bases orgânicas originais. Um ser artificial que, uma vez que tenha entrado no templo da tecnologia é para sempre dependente e sustentado por fármacos, cirurgias e tecno-psiquiatricas, “updates”, dispositivos e corporações.

O futuro tecnológico do corpo humano talvez não seja a morte (para os poucos que podem se dar ao luxo de pagar pela imortalidade), mas será a mortificação, a existência fria e faminta de uma existência escravizada.

 

Enquanto isso, a Terra continua morrendo e desenvolvimentos tecnológicos, longe de prover as soluções que propagandeiam, estão a destruíndo, em uma velocidade exponencial, famintos por materiais, eletricidade e minerais raros. Apenas os minerais raros necessários para a fabricação dos espertofones, causam um dano incalculável para a saúde humana e do planeta

Baotou, interior da Mongólia, é o principal centro de extração de minerais raros, suas minas estão cercadas de resíduos tóxicos (subproduto da mineração), a maioria de thorium radioativo. No Congo, a extração de Coltan é conhecida por ter devastado e causado sofrimento imensurável para a terra, humanos, comunidades e vida selvagem. A corporação de mineração Molycorp, gosta de apresentar a si mesma como uma empresa de mineração ética, mas sua extração de neodymium para auto falantes, europium para criar as cores nas telas do iPhone e cerium que é usado como solvente para polir telas, continuam sendo pilhados em uma escala insustentável, que deveria ser mantido na Terra e requer grandes quantidades da natureza para depositar os substratos da criação das minas. Atualmente, não existe escapatória da simples realidade: tecnologia é dependente da destruição de ecossistemas, incluindo os últimos animais selvagens e comunidades indígenas, com populações humanas civilizadas cada vez mais confinadas em seus “habitats” tecnológicos – “smart” megalópoles.

Haverão pequenas brechas para se viver, e nossas redes e vidas individuais estarão sobre um escrutínio ainda maior, com ainda mais invasão em nossa autonomia, mas isso será mais ou menos terrível do que seria para um camponês, expulso de sua terra e forçado trabalhar nas fábricas nas novas cidades ? Ou a luta que os povos indígenas tem lutado ao redor do mundo ?

Nossa missão é tentar preservar o que pudermos de uma vida selvagem, cada vez menor e mais frágil, enquanto organizamos e fazemos ataques que atinjam não apenas a infraestrutura, mas também os símbolos e representantes do Estado, da Tecnologia e do Capital.

Nós precisamos pensar e nos preparar agora, adquirindo as habilidades e meios que nós e outros irão precisar para navegar nesse novo mundo e refletir sobre o que significa ser anarquista. Nós devemos tentar limitar o dano feito pela civilizações predatória, manter a memória combativa viva e relembrar por que e pelo que estamos lutando. Nós estamos encarando nada menos que a tentativa de apagamento de toda vida selvagem não domesticada, e o fim de maneiras de ser e pensar através do condicionamento social, repressão, coerção e participação voluntária. As estruturas irão se manter as mesmas: desigualdade, escravização, privilégio e opressão , autoritarismo, destruição, mediação e alienação.

Vão existir brechas neste sistema, sempre existirão. E assim, anarquia, a pulsão de liberdade e autonomia, também crescerá, através de cada brecha e fissura. A continuidade da luta está na questão da liberdade, da autonomia pessoal, da escravidão, do controle e da vigilância de muitos, por poucos, de acordo com sua própria agenda. Essas coisas não mudam, não importa se estamos falando da Primeira Revolução Industrial ou das próximas.