nossa campanha é a vida

[tradução do capítulo 13 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Então, nós queremos mudar o mundo. Por onde começar? Um emaranhado de problemas e campanhas nos cercam por todos os lados, cada uma delas exigido atenção. Deveríamos lutar para preservar as últimas das florestas ancestrais, ajudar a comunidade empobrecida no fim da nossa rua, advogar pelos sem-teto, lutar contra o supremacismo branco, combater a violência policial, fechar locais de trabalho precário, ajudar o Movimento dos Sem Terra no Brasil? Os problemas parecem grandes de mais para uma só pessoa ser capaz de compreender. O mundo sofre de mais injustiça e dor que qualquer pessoa sozinha poderia sonhar em curar sozinha. Nós temos que fazer absolutamente tudo e ainda mais.

Ao nosso redor, há uma gama de ideologias oferecendo respostas prontas, seja no mais recente séquito dissidente do comunismo ou a visão de mundo Hare Krishna. Para os de nós que vem “mudando o mundo” por muitos anos, é fácil se tornar cínico sobre o supermercado de ideologias que os ativistas modernos podem comprar. Nós precisamos uma maneira de salvar nosso mundo enquanto evitamos respostas fáceis e falsos atalhos.

Focar em uma só campanha é uma via que comumente impede o avanço de ativistas. Cada campanha tenta se vender como a próxima e crucial batalha contra Os De Cima, onde objetivos finalmente serão alcançados. O inimigo de uma campanha específica é comumente apresentado como o real mestre dos títeres por de trás de todos os males do mundo, e os inimigos de todas as outras campanhas em competição, nada mais que fantoches manipulados. Cada campanha compete por membros dentro de um conjunto limitado de ativistas, tomando o tempo não só de outras causas mas da via cotidiana do ativista, levando a exaustão. Cada campanha busca que a compremos; poderia haver uma maneira de lutar por mudança sem tratar o ativismo como um mercado para justiça? Foco obsessivo em campanhas de uma só causa podem levar a acabarmos tratando causas, e uns aos outros, como objetos com um valor específico para expor ou consumir. Praticamente toda campanha é conectada e necessária, e nós precisamos vencer todas para de fato conseguirmos alcançar qualquer mudança; as vencendo de uma forma que o governo e as corporações jamais consigam se preparar. A anarquia tem flexibilidade o suficiente para superar os problemas tradicionais do ativismo, focando na revolução não como mais uma causa mas uma filosofia de vida. Essa filosofia é concreta como um tijolo arremessado em uma janela ou flores crescendo em jardins. Ao tornar nossas vias cotidianas revolucionárias, nós destruímos a separação artificial entre ativismo e a vida comum. Por que nos contentarmos com camaradas e colegas ativistas se podemos ter amigos e amantes?

Você Não Pode Explodir uma Ecologia Social

[tradução do capítulo 12 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

A anarquia se baseia na premissa que líderes não são nem necessários, nem desejáveis, ainda assim essa máxima tem tido pouco impacto na ala autoritária do movimento antiautoritário! Certos indivíduos (quase sempre homens velhos barbudos) desenvolveram cultos de seguidores que seguiram em um contexto histórico completamente diferente, muito depois da morte deles. É triste que muitos anarquistas se identifiquem com um ou outro clique, leiam somente certas revistas, tentam em vão convencer a todos que sua versão particular de anarco-purismo é o Único Caminho Correto™. Se nos insultamos mutuamente por causa de questões teóricas grandiosas, é claro que menos pessoas fora do círculo anarquista levarão nossas ideias a sério. Anarquistas não deveriam ler uns aos outros como competidores em algum campo cultural ou político, mas como potenciais amigos e camaradas desesperadamente precisando de pessoas com diferentes ideias e estratégias.

Nós não somos perfeitos, e assim como qualquer um escapando de uma experiência traumática como a sociedade ocidental moderna, a maioria de nós ainda carrega maus hábitos como dogmatismo, sexismo, e paternalismo. Um pouco de paciência entre nós, faria toda diferença. A última coisa com que nossas comunidades deveriam se parecer é com partidos políticos com expurgos e jogos de poder; melhor que nos tornemos uma tribo que cuida dos seus. Sobrevivência seja nas savanas da África ou nos shopping centers dos Estado Unidos, significa cuidar uns dos outros. Antes de nos obcecarmos sobre entrarmos em contato com organizações externas, as massas despolitizadas da classe trabalhadora, ou qualquer um fora das nossas comunidades, nós devemos primeiro aprender a nos relacionarmos uns com os outros baseados em solidariedade, apoio mútuo, compreensão e respeito. A empatia usada quando cuidamos uns dos outros é a ferramenta mais criativa que temos para nos envolvermos com o resto do mundo.

Picuinhas intelectuais nos dizem que essas facções competindo jamais poderiam ter um debate tranquilo enquanto tomam café, muito menos trabalharem juntos em um projeto prático, certo? Entretanto, trabalhar em projetos em comum é exatamente o que anarquistas de diferentes históricos mais têm feito. Nós não precisamos de unidade teórica, nós precisamos de solidariedade prática. Uma vez que nós reconheçamos e abracemos nossas diferenças coletivas, seremos capazes de espalhar a prática da anarquia por nossas comunidades e pelo mundo. Ir além das posições políticas caricatas (coloque uma faixa verde na sua estrela negra, e de repente o anarquismo está reduzido a salvar árvores; coloque uma faixa vermelha na sua estrela negra, e o anarquismo agora é apenas sobre guerra de classes) é absolutamente vital. Sectarismo leva diretamente ao autoritarismo, assim que você se identifica com o anarco-séquito correto, todas outras pessoas estão erradas. O fundador da ideologia correta inevitavelmente ganha mais poder do que seus seguidores, e o séquito reúne suas forças para travar uma guerra santa contra todas as outras espécies do arco-íris anarquista. Não precisamos repetir os erros de outros grupos de esquerda. É muito mais fácil para nós atacarmos uns aos outros do que destruir o Estado. Pessoas têm diferentes visões de libertação e qualquer sociedade anarquista terá uma diversidade de táticas e projetos. Hoje, nós precisamos de sindicatos anarquistas radicais capazes de pararem as máquinas, escritores radicais que inspirem e espalhem conhecimento, militantes para lutar contra os policiais nas ruas, e tree-sitter para salvar o que sobrou da natureza: em outras palavras, nós precisamos de mais anarquia!

Às Portas da Comunidade Anarquista

[tradução do capítulo 11 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Às Portas da Comunidade Anarquista

Desde sua infância, o anarquismo (como muitos movimentos sociais internacionais) tem sido definido por suas políticas. Nenhum problema até aí, nós somos seres políticos. Anarquistas possuem uma lista bem definida de inimigos: o Estado, o capitalismo, e as hierarquias. Nós temos uma lista igualmente bem definida de desejos: apoio mútuo, autonomia, e descentralização. Enquanto fazemos apostas de que a anarquia vai oferecer vidas melhores que a dos dinossauros, há pouco impedindo o anarquismo de se transformar em outra ortodoxia: tão ruim quanto o Comunismo, Socialismo, Liberalismo, Reformismo, Capitalismo, Mormonismo, ou qualquer outro “ismo”. Há muito, desenvolvimentos na América do Norte têm mostrado que a uma tendência específica ou tipo restrito de políticas anarquistas não são tão importantes quanto as comunidades compartilhadas que estamos criando por conta destas políticas. Essas comunidades se mantêm unidas através de práticas, táticas, e cultura. Nós não precisamos ser uma monocultura. Invés disso, pense no anarquismo como uma ecologia de culturas (como micróbios em uma placa petri ou como uma manifestação nas ruas) algo que demanda e floresce na diversidade.

Como qualquer grupo de amigos que trabalham e vivem juntos, nós estamos desenvolvendo uma cultura compartilhada apesar das nossas origens diversas. Cada grupo de anarquistas (incluindo pessoas que vivem sob princípios anarquistas sem nunca terem aberto um livro de Kropotkin, Emma, ou CrimethInc.) cria suas próprias práticas e cultura.

Nós estamos fartos de qualquer nova ortodoxia, apesar de ser isso que as pessoas criadas no Ocidente são treinadas para desejarem: a Próxima Grande Parada, seja um autor, programa de TV, movimento, ou qualquer outra coisa que não seja o que estamos fazendo com nossas vidas. Como a cultura pode ser bastante fluida, transferível, e mutável, isso tem funcionado em nossa vantagem. Ao invés da anarquia de cima, ditada pela mídia ou especialistas, existem dúzias de versões da anarquia competindo, divergindo e mutando. Essa é uma construção fundamentalmente boa. A maioria dos anarquistas é feliz com essa fluidez e diversidade. A monocultura dos dinossauros pode ser rejeitada em favor das vibrantes, anarquias folclóricas.

Comunidade é algo que os anarquistas compreendem e aspiram. Ainda que, o que essas comunidades deveriam fazer tem sido a causa de muitos debates ácidos. Dependendo para quem você perguntar pode ser uma estação de rádio pirata que chegue até o vizinho, travar combate em guerrilhas urbanas, uma casa coletiva, incendiar hoteis de luxo, ou uma manifestação gigante. Essas diferenças levam a argumentos banais que raramente ajudam as culturas ou comunidades pelas quais os críticos anseiam. Invés de gastar tempo se exibindo no pódio, todos nós podemos passar mais do nosso tempo criando algo que se pareça com sociedades anarquistas dentro da cultura transtornada na qual vivemos hoje! Essas comunidades de resistência estão acontecendo em todo mundo através da criação de zonas autônomas semi-permanentes como infoshops e hortas comunitárias, clínicas grátis e fazendas orgânicas, casas coletivas, e espaços de performance. Nós vemos lampejos de um mundo melhor em zonas autônomas temporárias como mobilizações e convergências, okupas e tree-sits [NT1], festas de rua e bocas-livres. Por que criar comunidade é uma trabalho duro, nosso trabalho é melhor aplicado manifestando e expressando nossas paixões nessas arenas, não meramente falando sobre elas.


[NT1] “tree sits” – ato de desobediência civil onde a manifestante se mantém em cima de uma árvore, arriscando a própria segurança física para desmotivar a derrubada de uma árvore específica. 

Zonas autônomas são manifestações físicas de ideias que cresceram tanto nos últimos anos, mesmo que elas pareçam ser pequenas fachadas de lojas, bibliotecas em porões, e galpões espalhados ao redor da América do Norte. Esses são os laboratórios e oficinas da anarquia. Conforme nossas redes se expandem, também cresce nossa habilidade de falar uns com os outros. Nossa capacidade de comunicação tem sido extremamente bem sucedida e prolífica: música, escrita, e performance. Dúzias de jornais anarquistas, milhares de zines, e um punhado de livros têm criado um meio de expressão e discórdia. O que temos hoje é mínimo comparado com o maquinário da mídia capitalista, mas nós devemos tentar competir com eles. Rejeição a massa não quer dizer que os anarquistas estão condenados a serem poucos, uma minoria irrelevante para o resto da nossa existência. É possível que centenas de milhares de coletivos e grupos de afinidade trabalhem juntos em solidariedade e respeito por suas diferenças.

O Reddit vai licenciar seus dados para treinar LLMs, por isso criamos uma extensão do Firefox que substitui seus comentários com qualquer texto (que não tenha direitos autorais)

publicado originalmente em The Luddite.

O Reddit vai passar a ter ações na bolsa de valores. Eles vêm se preparando para isso há um tempo, espremendo lucros da plataforma de todos os modos possíveis, como aumentar absurdamente os preços de aplicativos desenvolvidos por terceiros. Mais recentemente, eles assinaram um contrato com o Google para licenciar seu conteúdo para treinar as LLMs do Google.

Para celebrar esta fortuita ocasião, nós criamos uma extensão no Firefox que vai substituir todos os seus comentários (mais antigos que alguns dias) com qualquer texto que você escolher. Você pode escolher qualquer texto que quiser, mas por favor, não escolha um texto que tenha direitos autorias. O New York Times está atualmente processando a OpenAI por treinar o ChatGPT com material com seus de direitos autorais. Os dados do Reddit são especialmente valiosos, uma vez que não estão sujeitos a esse tipo de restrições, então, seria trágico se usuários decidissem misturar textos que possuem direitos autorias no meio deste rico corpus de dados de alta qualidade.

Aqui está o link da extensão novamente. A todos nossos amigos no Reddit, nós desejamos a vocês todo o sucesso que merecem!

Orgulho, Purismo e Projetos

[tradução do capítulo 10 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

Orgulho anárquico é algo que vale a pena de se promover em nossos projetos e nossas vidas. É uma forma de transparência, permite que aqueles com que interagimos saibam, em resumo, no que acreditamos, e como nos comportamos. Em suma, é honesto. Purismo anárquico é a sombra do orgulho anárquico. O purismo exige que todos que trabalham juntos devem compartilhar as mesmas políticas, agendas, e comportamentos; não apenas por um certo período de tempo ou projeto, mas por todas suas vidas. Isso cria uma tendência de purismo político disfuncional e desnecessária que pode ferir comunidades e criar debates absurdos sobre “quem é mais anarquista”. Esses debates devastaram as comunidades veganas e de direitos dos animais, sem mencionar ideologias dinossauras como o cristianismo. A diferença entre orgulho e purismo é sutil mas extraordinariamente importante Essas diferenças afetam como nós trabalhamos com outros e com quem escolhemos passar tempo e interagir.

Anarco-orgulho nos permite trabalhar com indivíduos que apreciam, se não compartilham, nossos princípios organizacionais, visões, e objetivos. Permite que todos tomem decisões bem informadas, seja para organizarmos uma festa juntos ou irmos às ruas juntos. Ainda assim, muitas pessoas que são anarquistas têm receio de comunicar esse fato para outras. Elas temem que o anarco-orgulho aliene seus possíveis aliados. Infelizmente, manter nossas motivações em segredo é paternalista e condescendente, e pode ser uma fácil racionalização para desonestidade. Esconder nossa identidade como anarquistas supõe que outras pessoas não são inteligentes ou experientes o suficiente para optar em trabalhar conosco baseado em nossas políticas. Sinceridade política permite a todos grupos compartilharem seus verdadeiros objetivos e interesses. Sinceridade previne ressentimento em alianças e parcerias e maiores desentendimentos. Se grupos ou indivíduos escolhem não trabalhar conosco, pois somos anarquistas, devemos respeitar a decisão. Isso é melhor do que tentar enganá-los e revelar isso “depois da Revolução” ou ação de rua, conforme o caso. Lutar pela construção franca e o diálogo aberto com grupos e indivíduos com os quais desejamos trabalhar é nossa melhor chance de criar solidariedade.

Célula, Clique, ou Grupo de Afinidade?

[tradução do capítulo 09 do livro Anarchy in the Age of Dinosaurs, por Curious George Brigade]

O termo “grupo de afinidade” é frequentemente utilizado em círculos anarquistas. Entretanto, existem alguns mal entendidos da natureza exata dos grupos de afinidade e como nós podemos usá-los criar mudanças radicais. Estruturas de grupos de afinidade compartilham algumas características óbvias com células e cliques, apesar deles existirem em diferentes contextos. Pode ser bastante difícil para um observador exterior determinar se um grupo específico de pessoas é uma célula, clique ou um grupo de afinidade, e isso sem dúvidas leva a confusões. Todos os três são grupos compostos por uns poucos indivíduos, digamos, de três a nove, que trabalham juntos, apoiam uns aos outros, e tem uma estrutura tipicamente fechada para pessoas de fora. Dependendo de seus objetivos, eles podem se engajar em uma multiplicidade de projetos, indo do cotidiano ao revolucionário, mas similaridades acabam aí.

Uma célula é parte de uma organização maior ou um movimento com uma política ideológica unificada. Geralmente células recebem instruções de uma comunidade maior, da qual fazem parte. Geralmente, células são orientadas pelo “trabalho”, e não entendem a socialização como um objetivo primário. Células específicas são conectadas umas com as outras (da mesma organização) por uma visão compartilhada, apesar de empregarem uma vasta gama de táticas.

Um clique, por outro lado, é um grupo de pessoas que isolaram a si mesmos de uma comunidade ou organização maior. Cliques sociais são comuns; bons exemplos podem ser encontrados em qualquer escola de ensino médio em grupos como esportistas, preppies, ou nerds. Os cliques tendem a ser isolados e preferirem criar limites rígidos entre eles mesmos e o resto da comunidade com a qual estão associados. Cliques raramente tem um foco em trabalho ou projetos.

Grupos de afinidade são coletivos autônomos de indivíduos que compartilham uma visão particular. Apesar da visão não necessariamente ser idêntica entre seus membros, um grupo de afinidade compartilha certos valores e expectativas comuns. Grupos de afinidade surgem de comunidades maiores, sejam eles ambientalistas em uma bio região específica ou membros de um grupo de hip-hop que se apresentam juntos. Dois grupos de afinidade surgindo da mesma comunidade podem ter interesses, táticas e perspectivas bastante diferentes. Essa variedade é incomum entre células. Grupos de afinidade mantém uma forte conexão com suas comunidades natais e geralmente buscam formas de se conectar com outros grupos de afinidade e organizações naquela comunidade. Dessa forma, se diferem dos cliques que buscam separar. Um grupo de afinidade também pode trabalhar de perto com outros grupos fora de sua comunidade original.

Grupos de afinidade têm a vantagem política de serem capazes de criar conexões que unem diversas comunidades. Apesar de grupos de afinidade geralmente serem grupos fechados (um criticismo comumente trazido pelos dinossauros), a maioria dos anarquistas se sentem confortáveis sendo parte de múltiplos grupos de afinidade. Essas interconexões pessoais entre grupos de afinidade podem promover uma maior afinidade entre diversas comunidades e gerar solidariedade significativa. Esse é o efeito da “polinização cruzada”. Por exemplo, um membro de um grupo de afinidade de ação direta que também é membro de um coletivo de mídia feminista podem criar oportunidades para ambos os grupos. O coletivo de mídia pode se tornar mais militante enquanto o grupo de ação direta pode se tornar mais aberto a práticas e ideias feministas. Invés de tentar fundir ação direta, mídia, e feminismo militante em um desajeitado super-grupo, a ativista pode seguir buscando seus múltiplos interesses em dois grupos que focam em seus principais interesses. Paradoxalmente, esses grupos de afinidade fechados oferecem um local seguro e acolhedor para afinidades mais amplas e desenvolverem, assim criando uma rede mais ampla de apoio mútuo, compreensão e apoio.

Enquanto é importante compreender as limitações contextuais dos modelos de célula e clique, é um erro descartar os grupos de afinidade por serem elitistas ou fechados. Grupos de afinidade oferecem imensas possibilidades por aumentar o número de conexões entre comunidades, enquanto oferecem um ambiente acolhedor para que as pessoas busquem seus interesses e afinidades particulares.

Oque é anarco-transhumanismo ?

publicado originalmente por William Gillis, em  06/01/2012, fonte: The Anarchist Library

Anarco-Transhumanismo é o entendimento de que a liberdade social está inerentemente ligada com a liberdade material, e que liberdades são incontornavelmente uma questão de expandir sua capacidade e oportunidades de engajar com o mundo ao nosso redor. É a realização que nossa resistência contra aquelas forças sociais que nos subjugaram e limitaram não é nada mais que parte do espectro de esforços para expandir a agência humana; para facilitar nossas investigações e criatividade.

Isso significa não apenas estar livre das limitações arbitrárias de nossos corpos possam impor, mas livre para moldar o mundo ao nosso redor e aprofundar o potencial de nossas conexões entre nós através dele.

Significa que as ferramentas que nós usamos deveriam ser abertamente conhecidas e infinitamente customizáveis; isso significa corpos que não estão presos em processos sobre os quais não temos agência. Saber que o desejo por escolha por trás do controle de natalidade, pela regeneração de membros e mudança de sexo é o mesmo desejo que organiza trabalhadores e incendeia prisões. É a luta para se viver livre… e por poder fazer isso por mais um ano, mais uma década, mais um século. Significa não apenas transcender as restrições de gênero, mas da genética e todas as experiências humanas anteriores. Significa lutar para que nos seja permitida a plena realização de quem e do que queremos ser, quando e onde quisermos.

Significa desafiar e alterar as condições que de outra forma nos governariam. Significa que quando as ferramentas para melhorar a nós mesmos existem, nós devemos usá-las; que ninguém deveria passar fome quando essa escassez pode ser eliminada. Significa engajar de forma vigilante com a natureza, sem a oprimir ou render-se a ela. É o conhecimento de que a vitória da classe trabalhadora será livre somente quando cada trabalhador individualmente deter os meios de produção; capaz de fabricar toda e qualquer coisa por si mesmo. É o engajamento proativo com as condições ambientais que forçam hierarquias e o inescapável coletivismo. Significa libertar nossa sociedade de hierarquias de paisagens bidimensionais, mover nossas infraestruturas destrutivas para fora da nossa biosfera e eventualmente abandonar a civilização e tomar nosso lugar como caçadores e coletores entre as estrelas.

Significa criptografia; canais inquebráveis de comunicação privada adicionadas sobres uma inquebrável colmeia de ideias e conhecimentos. Isso também significa a abolição da privacidade pública; a criação de um mundo onde as ações que tomamos um com os outros seja compartilhável e verificável instantaneamente. E finalmente será a liberdade de ultrapassar os limites de banda da nossa linguagem e nos conectarmos mais e mais diretamente um com os outros; para fundirmos mentes e transcender subjetividades individuais como desejado.

Anarco-Transhumanismo é todas essas coisas e nenhuma delas.

Bombas de Semente, Hortas Autônomas e Você

Publicado originalmente em anarchosolarpunk, em 11 de Maio de 2021

Como você, como indivíduo, pode impactar sua comunidade sendo zika pra carai semeando em locais públicos.

Se você é estadunidense está mais que familiarizado com o inferno capitalista que pontuam as cidades, subúrbios, áreas industriais e shoppings ao nosso redor. Terrenos vazios onde antes haviam lares mas agora são lembranças vazias de um passado esquecido. Parques públicos vazios onde ninguém caminha pois caminhar é esquisito e perigoso em um país e numa cultura que gira em torno de carros. Shoppings com nada além de filiais de multinacionais, pequenas manchas de folhagem morta nas sarjetas e estacionamentos. Por alguma razão, elas têm irrigação mas nada cresce lá. Imensos data centers e galpões cercados por nada além de terreno aberto. Grama alta em terrenos baldios em vizinhanças que são desertos alimentares, onde as pessoas não têm acesso a vegetais frescos e baratos.

Hora de você mudar isso. Arranje algumas sementes, um pouco de terra, e um aglutinante para manter tudo em uma linda bolinha e comece a plantar vegetais, polinizadores, plantas nativas, ervas medicinais, tudo que quiser!

Transforme desertos alimentares em florestas de alimento com muito pouco investimento e esforço.

O que é uma bomba de sementes?

Uma bomba de sementes é basicamente um monte de sementes dentro de bolinhas que você pode arremessar, jogar ou largar em um lugar onde as plantas podem crescer. Pode ser em qualquer lugar. Você passa por lugares vazios com frequência, podem ser campos, parques, terrenos vazios, ou pequenos espaços em estacionamentos com um pouco de terra.

Normalmente se usa terra, argila e sementes e as amassa no formato de uma bolinha, mas você pode usar qualquer aglutinante orgânico pra manter tudo junto.

A maioria das misturas tradicionais usa 1 xícara de sementes com 5 xícaras de composto e 2-3 xícaras de argila em pó. Se você tem argila em pó, é uma boa opção. Eu vivo no Texas então eu só preciso ir no meu quintal pra encontrar argila. Você não precisa usar argila, qualquer aglutinante dá conta do recado.

Fazendo bombas de semente com farinha!

Sementes, Sementes, Sementes

Consiga algumas sementes. Pra isso, eu tenho usado sementes de vegetais mas use qualquer coisa que você quiser ver crescer. As vezes é bom plantar algumas polinizadoras para tornar um espaço mais bonito, talvez algumas ervas medicinais se você vive em uma área em que herbalismo é algo que faz parte das práticas culturais. Com os vegetais, não tem como dar errado, todos podem comê-los, e são úteis pra quem não pode pagar por eles em um mercado ou não tem acesso a legumes frescos.

Alface e quiabo crescem muito bem onde eu vivo. Você vai precisar dar uma olhada em alguns legumes que crescem na sua região e quando eles devem ser plantados. Ou você pode só não se importar e ver oque acontece, a vida é cheia de experimentos.

Role suas sementes no aglutinante + terra / composto com um pouco de água, molde em bolinhas, e deixe secar.

Agora você está pronto para começar a plantar. Eu estive no parque do meu bairro e vi que a prefeitura instalou um irrigador próximo de uma jovem muda de carvalho. Isso resolve qualquer problema que pudesse surgir. Há bastante água durante os duros verões do Texas, vindos da irrigação e do escoamento da chuva de uma pequena colina. Proteção contra cortadores de grama por conta dos suportes tutorando as jovens árvores e alguma sombra à tarde vinda das mesmas árvores. Talvez você não encontre um lugar propício como esse, mas a natureza sempre encontra um caminho, tente de qualquer forma.

A História das bombas de semente

Historicamente, pelo que podemos ver, essa prática parece vir do Japão onde é chamado Tsuchi Dango ou “Bolinho de Terra”. Em 1930 Masanobu Fukuoka escreveu o livro “A Revolução de Uma Palha”, que reviveu a prática durante uma época de mudança na agricultura. Se você tem interesse em agricultura regenerativa, ele escreveu muitas sobre o tema e muitos fãs de hortas populares seguem as técnicas que ele aplicava.

“Por que fazer isso? É só comprar comida no mercado.”

Nem todos que vivem sob o capitalismo podem pagar por alimento.

Reflita um minuto sobre isso. Nós vivemos em um dos países mais ricos da história do nosso planeta e ainda assim grande parte da população não tem acesso a frutas e vegetais frescos.
Em muitos lugares sequer existem lojas onde se possa comprar comida de verdade. No interior de muitas cidades e áreas rurais as únicas opções são fast food, carregar suas compras em um péssimo sistema de transporte público, ou dirigir até um supermercado distante (se você tiver sorte o suficiente de ter um carro).

Autonomia é liberdade

Para sermos capazes de mudar esse sistema social capitalista, individualizado, altamente atomizado, racista e exploratório em que vivemos, precisamos construir autonomia. Precisamos ser capazes de sobreviver sem intervenção do estado (mesmo que o estado escolha nos ajudar). Não podemos depender de cadeias de abastecimento normais para nossas necessidades básicas, Covid-19 de fato nos mostrou como as cadeias de suprimento podem rapidamente colapsar durante uma catástrofe. Se os estados capitalistas não agem para combater a pobreza, fome, a escassez de comida e desertos alimentares, o povo vai precisar se unir e resolver seus problemas. Sem os problemas arbitrários, sem as diretrizes de qualificação ou regulamentações exageradas. Se você precisa de alimento, você recebe alimento. Se uma comunidade não tem acesso a alimentos frescos, nós plantamos. Fazendo isso nós nos fortalecemos coletivamente. Nenhum estado, governo, político, ou força é capaz de quebrar um grupo de pessoas trabalhando junto para resolver seus problemas.



Mais Informações

Como começar uma horta descentralizada

Se você está interessado nestas ideias, isso se chama poder dual. Construir redes autônomas para resolver problemas que envolvam comida, água, educação, riqueza, pobreza, moradia, está dentro do que chamamos apoio mútuo. Você pode não se considerar “de esquerda”, mas se você busca se libertar da exploração e quer dar fim a exploração humana, talvez você seja um.

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Um Anarquista Contra Hitler

Friedrich Kniestedt no Brasil

Tom Goyens

publicado originalmente em tomgoyens.substack.com

29 de Dezembro, 2022

Em Outubro de 1945, sessenta e seis alemães vivendo no Brasil peticionaram ao governo, exigindo que fossem reconhecidos como ativistas anti-nazismo, diferente de seus compatriotas que simpatizavam com o Terceiro Reich e agora estavam sendo assediados. O representante da petição era Friedrich Kniestedt, um anarquista alemão de setenta e dois anos, pinceleiro e editor, figura de liderança do movimento anti-nazista do Brasil, onde os anarquistas desempenharam um papel significante.

Vamos olhar mais de perto para os anarquistas transnacionais combatendo o militarismo e fascismo através da figura de Kiestedt. A razão é simples: para melhor nos capacitar a lidar com a atual ascensão do fascismo da Extrema Direita em inúmeros países e para descobrir as possibilidades de uma resistência antifascista com sólida tendência anarquista. Kniestedt nunca serviu ao exército e nunca cometeu um ato de violência, mesmo assim lutou incansavelmente contra o autoritarismo. Ele começou a vida combatendo o Kaiser e acabou enfrentando Hitler; deixou sua terra nativa às vésperas da Grande Guerra apenas para enfrentar os camisas marrons no Sul do Brasil. Militantes como Kniestedt reimaginaram as possibilidades anarquistas de acordo com as novas circunstâncias de repressão e exílio. Eles atacaram o autoritarismo na Direita assim como na Esquerda e debateram o quanto colaborar com grupos liberais para conter a maré hitlerista. Anarquistas alemães, em especial, combateram duramente a imagem nazificada de sua terra natal. Todas essas reflexões são tão relevantes hoje quanto era em 1933.

Friedrich Kniestedt era apenas um adolescente quando se tornou socialista, no fim dos anos de 1880, quando a Lei Anti-Socialistas de Bismarck estava com força total. Depois de 1890, quando a lei repressiva foi revogada, e um movimento abertamente socialista era possível novamente, continuou a frequentar encontros socialistas. Kniestedt se voltou ao anarquismo como artesão autônomo, prometendo se opor ao centralismo, autoritarismo e militarismo. Esteve ativo no movimento de trabalhadores e começou a falar publicamente, o que resultou em vários encontros com a lei, incluindo uma sentença de nove meses de prisão quando tinha vinte anos. Ele leu Peter Kropotkin, Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon, Max Stirner, e especialmente Leon Tolstoy, que por sua vida toda foi uma influência em seu anti-militarismo e oposição a violência de estado. Através de seu ativismo independente, se tornou amigo de anarquistas conhecidos como Gustav Landauer e Eich Mühsam, que mais tarde o levou ao anarquismo.

Conforme a Alemanha imperial escalava seus gastos militares, as atividades de Kniestedt foram sendo mais vigiadas. Esse foi um dos motivos que levou sua família a se mudar para Paris em 1908, onde continuou sua agitação antimilitarista e se tornou tesoureiro para um grupo que auxiliava pessoas radicais no exílio. Ele também ouviu a fala de Rudolf Rocker quando esteve em Londres. Entretanto, tensões internas do movimento e a descoberta de espiões eram profundamente frustrantes, e Kniestedt começou a pensar em sair da vida política. Em 1909, ele e sua família decidiram se unir a uma comunidade cooperativa nas florestas tropicais do Brasil, mas essa experiência comunal foi uma decepção por diversos motivos; atividades anarquistas sobre antimilitarismo não eram permitidas por medo de se oporem ao governo. Kniestedt tentou viver como agricultor, então se mudou brevemente para São Paulo, mas eventualmente retornou à Alemanha em 1912. Mas sua terra natal estava ainda pior; havia se tornado uma sociedade militarizada, envolta em chauvinismo hierárquico e mortificante obediência cega, como Kniestedt declarou [1]. Ele voltou ao circuito de palestras, chamando trabalhadores a recusarem se tornarem assassinos a serviço do estado e a apoiarem uma greve geral para barrarem a guerra. Em 27 de Janeiro de 1913, Kniestedt fez uma fala em um dos maiores protestos de desempregados da história da Alemanha, mas novamente a vigilância levou a prisões e a cadeia [2]. Refletindo sua recente experiência transatlântica, Kniestedt agora via o Brasil como uma terra onde ainda existia alguma liberdade sem a mentalidade de obediência cega a um líder. O Brasil podia ser a terra do futuro. Então, mais uma vez a família emigrou para o Brasil. “Deixei a Europa,” Kniestedt escreveu mais tarde, “sabendo que eu havia dado o máximo dentro das minhas habilidades e energias, para impedir a guerra” [3] Kniestedt partiu de Amsterdam; dois dias depois a Alemanha declarou guerra com a Rússia.

Dessa vez Kniestedt não se instalou no interior mas em Porto Alegre, a capital do estado mais ao sul, o Rio Grande do Sul, onde viveu entre trabalhadores germano-brasileiros e se tornou uma das lideranças da anarcossindicalista Associação de Trabalhadores Socialistas Alemães. Guerra e revolução na terra natal também abalou a vida de outros anarquistas alemães. Enquanto Kniestedt veio para o Brasil, Rudolf Rocker retornou à Alemanha após a guerra para ajudar e reviver o movimento anarcossindicalista. O amigo de Kniestedt, Erich Mühsam foi liberto da prisão, mas Landauer, com quem ele havia compartilhado o púlpito, teve um terrível fim nas mãos das milícias de extrema-direita. As tensões políticas e ideológicas da República de Weimar puderam ser sentidas nas comunidades em diáspora do sul do Brasil, onde Kniestedt emergiu como uma das principais figuras do movimento de trabalhadores. De 1920 a 1930, ele editou o jornal anarquista Der freire Arbeiter, o único periódico anarquista de língua alemã nas Américas, e abriu uma livraria internacional. Nesse papel, ele atacou o chauvinismo racial enquanto promovia tradições humanistas radicais. Em 1925, por exemplo, ele ridicularizou os alemães conservadores de Porto Alegre por celebrarem o aniversário do Kaiser, sete anos após sua renúncia [4].

No começo dos anos 30, Kniestedt parecia afastado do movimento quando foi abordado por um empreendedor que o ofereceu uma fábrica de vassouras, mas no fim, ele se recusou a participar da exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, elementos nazistas se tornaram mais ativos no Brasil depois de tomarem poder na Alemanha. O Brasil era uma terra fértil para fascistas buscando influenciar as comunidades italianas e alemãs, especialmente após o populista e autocrata Getúlio Vargas chegar ao poder em 1930. A polícia brasileira tolerava os grupos nazistas encorporados no Nazi Party’s Foreign Organization. Em 1932, quando os camisas marrons tentaram se apoderar da sociedade de apoio mútuo que Kniestedt era um dos representantes, os anarquistas revidaram e venceram [5]. Ele e outros fundaram a sessão de Porto Alegre da Liga dos Direitos Humanos, que reunia várias vertentes da esquerda, mas se consolidou como grupo anarquista. Lançaram o jornal Aktion com Kniestedt como editor e uma circulação de 9.000 exemplares (com 3.000 sendo enviados para Alemanha). Esse documento se tornou a única organização anti-nazista no Brasil e um competidor com os jornais de língua alemã simpáticos ao nazismo e assim combatendo o fascismo [6].

O ativismo nazista no Brasil continuou a perseguir e intimidar, e tiveram algum sucesso se infiltrando em escolas onde se falava alemão e associações culturais. Kniestedt reportou incidentes onde o ideal anarquista de autodeterminação derrotou esses abusos. Por exemplo, quando nazistas entraram para a Federação de Ginástica, a maior organização germano-brasileira em Porto Alegre, membros enfurecidos se organizaram e expulsaram os nazistas na assembleia geral seguinte [7]. O jornal antifascista Aktion também se tornou alvo com ativistas nazistas acusando seu editor de difamação ou de ser comunista, acusações que obviamente envolveram a polícia [8]. Novamente, Kniestedt ganhou dois casos de difamação e relançou seu jornal sob dois nomes diferentes. Aktion era uma ameaça para o Terceiro Reich. Em 1937, a intimidação nazistas chegou a sua própria família quando descobriu que seu filho Max foi forçado a integrar a Frente de Trabalho Alemã, um grupo nazista, por medo de perder seu trabalho. Kniestedt, agora com aproximadamente sessenta anos, foi para prisão e para a cadeia inúmeras vezes, o tornando uma figura notória no Brasil.

Em 1934, Kniestedt teve a oportunidade de falar diretamente para o regime nazista como se sentia. Quando o Ministro das Relações Exteriores nazista revogou sua cidadania e a de outros vinte e sete exilados, Kniestedt respondeu que se sentia honrado com a decisão. “Me considero um opositor desse Estado,” escreveu , “Considero meu dever fazer o que sempre fiz, dizer somente a verdade e agir sobre ela” [9]. Declarou a si mesmo um cidadão do mundo, sem estados. Apesar de celebrar a diversidade brasileira, ele não estava ansioso para se naturalizar. Em 1936, declarou que se o Brasil continuasse a negar o direito de asilo aos cidadãos do mundo, ele juntaria suas coisas e encontraria outro lugar. Enquanto isso, Rudolf e Miller haviam chego aos EUA em 1933 onde palestraram sobre os perigos do nacionalismo, antissemitismo, e um mundo à beira da guerra. Os Rocker acreditavam que cerca de metade dos germano-estadunidenses apoiariam Hitler. Eles também se sentiam apátridas, mas a constante incerteza de seus passaportes causavam grande ansiedade. Isso mostra quão ineficiente era a política de emigração estadunidense frente um iminente desastre humanitário na Europa.

Quando os Estados Unidos e o Brasil foram à guerra com a Alemanha, Rocker e Kniestedt anunciaram apoio aos Aliados. Essa era uma mudança de suas posições anti guerra de 1914, mas agora, ambos traziam o mesmo argumento em favor do apoio, o que provocou criticismo por parte de alguns anarquistas. Para Rocker, não era sobre conservar democracias burguesas mas sobre preservar o que chamava de “possibilidades de livre desenvolvimento” [10] Para Kniestedt uma vitória dos Aliados a possibilidade de um novo movimento de trabalhadores e alguns direitos e liberdades democráticas. Em 1943, numa entrevista, Kniestedt explicou pelo quê o Movimento de Alemães Antinazistas lutava: um acordo com a Declaração de Casablanca que exigia rendição incondicional sem punições injustas do povo alemão, repúdio ao racismo e antissemitismo, a união de todos os alemães livres; um apelo para os prisioneiro de guerra alemães juntarem-se ao movimento; construindo sociedades de apoio mútuo e ajudando fugitivos, e uma saudação ao povo Sul americano que haviam recebido bem os alemães livres. Em 1945, Rocker e Kniestedt, ambos com setenta e dois anos, ajudaram a organizar uma campanha de apoio à anarquistas vítimas do fascismo, juntos de Helmut Rüdiger, um anarquista de quarenta e dois anos em exílio na Suécia.

É fato notório que um movimento antifascista, liderado por anarquistas e esquerdistas sem afiliações, foi capaz de resisti ao nazismo através da palavra impressa e da ação direta pacífica. A força desse movimento liderado por anarquistas no Brasil foi significativa, dado o fato que manteve uma contínua infraestrutura jornalística e organizacional por vinte anos. Mesmo elementos nazistas no Brasil entenderam que esse contramovimento era de alguma forma efetivo e não podia ser ignorado. É preciso deixar explicado que Kniestedt e Rocker não eram pacifistas; eles eram militante antimilitarismo nos dizendo que quando se trata de fascismo nós não podemos dar a outra face. Eles não podiam impedir guerras globais, mas eles inspiraram e preservaram autonomias locais.

***

Tom Goyens é professor na Universidade de Leuven, Bélgica; e PhD em História.

[1] Kniestedt, Fuchsfeuerwild: Erinnerungen eines anarchistischen Auswanderers nach Rio Grande do Sul, memórias de Friedrich Kniestedt (1873-1947) (Hamburg: Verlag Barrikade, 2013), p. 101.

[2] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 111-2.

[3] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 134. [4] [Kniestedt,] “Kaiser Geburtstagfeier 1925,” Der freie Arbeiter (Porto Alegre), January 1925.

[5] Deutsches Volksblat (Porto Alegre), January 31, 1933, quoted in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 171.

[6] Kniestedt, “Rück-und Ausblick,” Aktion: Organ der Liga für Menschenrechte, Ortsgruppe: Porto Alegre (Porto Alegre), December 23, 1935, p. 1. See also Rivadavia de Souza, “Começou Combatendo o Kaiser e Acabou Combatendo Hitler,” Diretrizes (Rio de Janeiro), June 11, 1942, p. 16.

[7] [Kniestedt,] “Vorbeigelungen,” Alarm (Porto Alegre), February 15, 1937.

[8] “Processos por crime de injurias impressas,” O Estado (Florianopolis), June 9, 1934, p. 4.

[9] Kniestedt to Frick, February 10, 1935 (Porto Alegre), printed in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 182.

[10] Qoted in Peter Wienand, Der ‘geborene’ Rebell: Rudolf Rocker, Leben und Werk (Berlin: Karin Kramer Verlag, 1981), p. 419. 3

Um Anarquista Contra Hitler

Friedrich Kniestedt no Brasil

Tom Goyens

publicado originalmente em tomgoyens.substack.com

29 de Dezembro, 2022

Em Outubro de 1945, sessenta e seis germano-brasileiros peticionaram ao govern do Brasil, exigindo que fossem reconhecidos como ativistas anti-nazismo, diferente de seus compatriotas que simpatizavam com o Terceiro Reich e agora estavam sendo perseguidos. O representante da petição era Friedrich Kniestedt, um anarquista alemão de setenta e dois anos, pinceleiro e editor, figura de liderança do movimento anti-nazista do Brasil, onde os anarquistas desempenharam um papel significante.

Vamos olhar mais de perto para os anarquistas transnacionais combatendo o militarismo e fascismo através da figura de Kiestedt. A razão é simples: para melhor nos capacitar a lidar com a atual ascensão do fascismo da Extrema Direita em inúmeros países diferentes e para descobrir as possibilidades de uma resistência antifascista com sólida tendência anarquista. Kniestedt nunca serviu ao exército e nunca cometeu um ato de violência, mesmo assim lutou incansavelmente contra o autoritarismo. Ele começou a vida combatendo o Kaiser e acabou enfrentando Hitler; ele deixou sua terra nativa as vésperas da Grande Guerra apenas para enfrentar os camisas marrons no Sul do Brasil. Militantes como Kniestedt reimaginaram as possibilidades anarquistas de acordo com as novas circunstâncias de repressão e exílio. Eles atacaram o autoritarismo da Direita assim como na Esquerda e debateram o quanto colaborar com grupos liberais para conter a maré hitlerista. Anarquistas alemães, em especial, combateram duramente a imagem nazificada de sua terra natal. Todas essas reflexões são tão relevantes hoje quanto era em 1933.

Friedrich Kniestedt era apenas um adolescente quando se tornou socialista, no fim dos anos de 1880, quando a Lei Anti-Socialistas de Bismarck estava com força total. Depois de 1890, quando a lei repressiva foi revogada, um movimento abertamente socialista era possível novamente, e ele continuou a frequentar encontros socialistas. Kniestedt se voltou ao anarquismo como artesão autônomo, prometendo se opor ao centralismo, autoritarismo e militarismo. Esteve ativo no movimento de trabalhadores e começou a dar palestras, o que resultou em vários encontros com a lei, incluindo uma sentença de nove meses de prisão quando tinha vinte anos. Ele leu Peter Kropotkon, Mikhail Bakunin, Pierre-Joseph Proudhon, Max Stirner, e especialmente Leon Tolstoy, que se por sua vida toda foi uma influência no seu anti-militarismo e oposição a violência de estado. Através de seu ativismo independente, se tornou amigo de anarquistas conhecidos como Gustav Landauer e Eich Mühsam, que mais tarde o levou ao anarquismo.

Conforme a Alemanha imperial escalava seus gastos militares, as atividades de Kniestedt foram sendo mais vigiadas. Esse foi um dos motivos que levou sua família a se mudar para Paris em 1908, onde continuou sua agitação antimilitarista e se tornou tesoureiro para um grupo que auxiliava pessoas radicais em exílio. Ele também ouviu a fala de Rudolf Rocker quando esteve em Londres. Entretanto, tensões internas do movimento e a descoberta de espiões eram profundamente frustrantes, e Kiestedt começou a pensar em sair da vida política. Em 1909, ele e sua família decidiram se unirem a uma comunidade cooperativa nas florestas tropicais do Brasil, mas essa experiência comunal foi uma decepção por diversos motivos; atividades anarquistas sobre antimilitarismo não eram permitidas por medo de se oporem ao governo. Kniestedt tentou viver como agricultor, então se mudou brevemente para São Paulo, mas eventualmente retornou a Alemanha em 1912. Mas sua terra natal estava ainda pior; havia se tornado uma sociedade militarizada envolta em chauvinismo hierárquico e obediência cega mortificante, como Kniestedt declarou [1]. Ele voltou ao circuito de palestras, chamando trabalhadores a recusarem se tornarem assassinos a serviço do estado e a apoiarem uma greve geral para barrarem a guerra. Em 27 de Janeiro de 1913, Kniestedt fez uma fala em um dos maiores protestos de desempregados da história da Alemanha, mas novamente a vigilância levou a prisões e a cadeia [2]. Refletindo sua recente experiência transatlântica, Kniestedt agora via o Brasil como uma terra onde ainda existia alguma liberdade sem a mentalidade de obediência cega a um líder. O Brasil podia ser a terra do futuro. Então, mais uma vez a família emigrou para o Brasil. “Deixei a Europa,” Knietedt escreveu mais tarde, “sabendo que eu havia dado o máximo dentro das minhas habilidades e energias, para impedir a guerra” [3] Kniestedt partiu de Amsterdam; dois dias depois a Alemanha declarou guerra com a Rússia.

Dessa vez Kniestedt não se instalou no interior mas em Porto Alegre, a capital do estado mais ao sul, o Rio Grande do Sul, onde viveu entre trabalhadores germano-brasileiros e se tornou uma das lideranças da anarcossindicalista Associação de Trabalhadores Socialistas Alemães. Guerra e revolução na terra natal também abalou a vida de outros anarquistas alemães. Enquanto Kniestedt veio para o Brasil, Rudolf Rocker retornou a Alemanha após a guerra para ajudar e reviver o movimento anarcossindicalista. O amigo de Kniestedt, Erich Mühsam foi liberto da prisão, mas Landauer, com quem ele havia compartilhado o púlpito, teve um terrível fim nas mãos das milícias de extrema-direita. As tensões políticas e ideológicas da República de Weimar puderam ser sentidas nas comunidades em diáspora do sul Brasil, onde Kniestedt emergiu como uma das principais figuras do movimento de trabalhadores. De 1920 a 1930, ele editou o jornal anarquista Der freire Arbeiter, o único periódico anarquista de língua alemã nas Américas, e abriu um livraria internacional. Nesse papel, ele atacou o chauvinismo racial enquanto promovia tradições humanistas radicais. Em 1925 por exemplo, ele ridicularizou os alemães conservadores de Porto Alegre por celebrarem o aniversário do Kaiser, sete anos após sua renúncia [4].

No começo dos anos 30, Kniestedt parecia afastado do movimento quando foi abordado por um empreendedor que o ofereceu uma fábrica de vassouras, ma sno fim, ele se recusou a participar da exploração dos trabalhadores. Enquanto isso, elementos nazistas se tornaram mais ativos no Brasil depois de tomarem poder na Alemanha. O Brasil era uma terra fértil para fascistas buscando influencias as comunidades italianas e alemãs, especialmente após o populista e autocrata Getúlio Vargas chegou ao poder em 1930. A polícia brasileira tolerava os grupos nazistas encorporados no Nazi Party’s Foreign Organization. Em 1932, quando os camisas marrons tentaram se apoderar da sociedade de apoio mútuo que Kniestedt era um dos representantes, os anarquistas revidaram e venceram [5]. Ele e outros fundaram a sessão de Porto Alegre da Liga dos Direitos Humanos, que reunia várias vertentes da esquerda, mas se consolidou como grupo anarquistas. Elas lançaram o jornal Aktion com Kniestedt como editor e uma circulação de 9.000 exemplares (com 3.000 sendo enviados para Alemanha. Esse documento se tornou a única organização anti-nazista no Brasil e um competidor com os jornais de língua alemã simpáticos ao nazismo e assim combatendo o fascismo [6].

O ativismo nazista no Brasil continuou a perseguir e intimidar, e tiveram algum sucesso se infiltrando em escolas onde se falava alemão e associações culturais. Kniestedtd reportou incidentes onde o ideal anarquista de autodeterminação derrotou esses abusos. Por exemplo, quando nazistas entraram a Federação de Ginástica, a maior organização germano-brasileira em Porto Alegre, membros enfurecidos se organizaram e expulsaram os nazistas na assembleia geral seguinte [7]. O jornal antifascista Aktion também se tornou alvo com ativistas nazistas acusando seu editor de difamação ou de ser comunista, acusações que obviamente envolveram a polícia [8]. Novamente, Kniestedt ganhou dois casos de difamação e relançou seu jornal sob dois nomes diferentes sobre diferentes nomes. Aktion era uma ameaça para o Terceiro Reich. Em 1937, a intimidação nazistas chegou a sua própria família quando descobriu que seu filho Max foi forçado a integrar a Frente de Trabalho Alemã, um grupo nazista, por medo de perder seu trabalho. Kniestedt, agora com aproximadamente sessenta anos, foi para prisão e para a cadeia inúmeras vezes, o tornando uma figura notória no Brasil.

Em 1934, Kniestedt teve a oportunidade de falar diretamente para o regime nazista como se sentia. Quando o Ministro das Relações Exteriores nazista revogou sua cidadania e a de outros vinte e sete exilados, Kniestedt respondeu que se sentia honrado com a decisão. “Me considero um opositor desse Estado,” escreveu , “Considero meu dever fazer o que sempre fiz, dizer somente a verdade e agir sobre ela” [9]. Declarou a si mesmo um cidadão do mundo, sem estados. Apesar de celebrar a diversidade brasileira, ele não estava ansioso para se naturalizar. Em 1936, declarou que se o Brasil continuasse a negar o direito de asilo aos cidadãos do mundo, ele juntaria suas coisas e encontraria outro lugar. Enquanto isso, Rudolf e Miller haviam chego aos EUA em 1933 onde palestraram sobre os perigos do nacionalismo, antissemitismo, e um mundo à beira da guerra. Os Rocker acreditava que cerca de metade dos germano-estadunidenses apoiariam Hitler. Eles também se sentiam apátridas, mas a constante incerteza de seus passaportes causavam grande ansiedade. Isso mostra quão ineficiente era a politica de imigração estadunidense frente um iminente desastre humanitário na Europa.

Quando os Estados Unidos e o Brsil foram a guerra com a Alemanha, Rocker e Kniestedt anunciaram apoio aos Aliados any. Esse era uma mudança de suas posições antiguerra de 1914, mas agora, ambos traziam o mesmo argumento em favor do apoio, o que provocou criticismo por parte de alguns anarquistas. Para Rocker, não era sobre conservar democracias burguesas mas sobre preservar oque chamava de “possibilidades de livre desenvolvimento” [10] Para Kniestedt uma vitória dos Aliados a possibilidade de um novo movimento de trabalhadores e alguns direitos e liberdades democráticas. Em 1943, numa entrevista, Kniestedt explicou pelo quê o Movimento de Alemães Antinazistas lutava: um acordo com a Declaração de Casablanca que exigia redição incondicional sem punições injustas do povo alemão, repúdio ao racismo e antissemitismo, a união de todos os alemães livres; um apelo para os prisioneiro de guerra alemães juntarem-se ao movimento; construindo sociedades de apoio mútuo e ajudando fugitivos, e uma saudação co povo Sul americano que haviam recebido bem os alemães livres. Em 1945, Rocker e Kniestedt, ambos com setenta e dois anos, ajudaram a organizar uma campanha de apoio a anarquistas vítimas do fascismo, juntos de Helmut Rüdiger, um anarquista de quarenta e dois anos em exílio na Suécia.

É fato notório que um movimento antifascista, liderado por anarquistas e esquerdistas sem afiliações, foi capaz de resisti ao nazismo através da palavra impressa e da ação direta pacífica. A força desse movimento liderado por anarquistas no Brasil foi significante, dado o fato que manteve uma continuada infraestrutura jornalística e organizacional por vinte anos. Mesmo elementos nazistas no Brasil entenderam que esse contramovimento era de alguma forma efetivo e não podia ser ignorado. É preciso deixar explicado que Kiestedt e Rocker não eram pacifistas; eles eram militante antimilitarismo nos dizendo que quando se trata de fascismo nós não podemos dar a outra face. Eles não podiam impedir guerras globais, mas eles inspiraram e preservaram autonomias locais.

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Tom Goyens é professor na Universidade de Leuven, Bélgica; e PhD em História.

[1] Kniestedt, Fuchsfeuerwild: Erinnerungen eines anarchistischen Auswanderers nach Rio Grande do Sul, memórias de Friedrich Kniestedt (1873-1947) (Hamburg: Verlag Barrikade, 2013), p. 101.

[2] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 111-2.

[3] Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 134. [4] [Kniestedt,] “Kaiser Geburtstagfeier 1925,” Der freie Arbeiter (Porto Alegre), January 1925.

[5] Deutsches Volksblat (Porto Alegre), January 31, 1933, quoted in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 171.

[6] Kniestedt, “Rück-und Ausblick,” Aktion: Organ der Liga für Menschenrechte, Ortsgruppe: Porto Alegre (Porto Alegre), December 23, 1935, p. 1. See also Rivadavia de Souza, “Começou Combatendo o Kaiser e Acabou Combatendo Hitler,” Diretrizes (Rio de Janeiro), June 11, 1942, p. 16.

[7] [Kniestedt,] “Vorbeigelungen,” Alarm (Porto Alegre), February 15, 1937.

[8] “Processos por crime de injurias impressas,” O Estado (Florianopolis), June 9, 1934, p. 4.

[9] Kniestedt to Frick, February 10, 1935 (Porto Alegre), printed in Kniestedt, Fuchsfeuerwild, 182.

[10] Qoted in Peter Wienand, Der ‘geborene’ Rebell: Rudolf Rocker, Leben und Werk (Berlin: Karin Kramer Verlag, 1981), p. 419. 3

A Internet sempre foi anarquista, por isso as Anarquistas precisam aprender a serem responsáveis por opera-la

publicado originalmente por Tech Learning Collective 2020-10-08

O princípio fundamental do Anarquismo é a resistência a um Archos, grego para

“mestre”. Advogar pelo anarquismo é se posicionar em oposição a um mestre, ou seja, reivindicar o direito fundamental de auto determinação, autonomia, e liberdade de um sistema centralizado de controle (especialmente controle coercitivo). Agir de maneira anárquica significa agir independente de um mestre. Não significa agir de maneira não coordenada ou desorganizada, e nem sempre significa uma total ausência de camadas de responsabilidades, mais comumente conhecidas como “hierarquias”.

A Internet é anarquista pois o parágrafo acima descreve não apenas os protocolos básicos de operação da Internet como Ethernet e TCP/IP, mas também as intenções originais de seus criadores. Quando Bob Metcalfe inventou a Ethernet em 1970, ele intencionalmente criou seu sistema de maneira que funcionaria anárquicamente. Diferente de tecnologias competidoras daqueles tempos como Token Ring, na qual participantes individuais se distinguiam entre si baseado em qual deles detinha todo o poder de falar em determinado momento (o portador do “token” da rede), a Ethernet de Metcalfe propositalmente permitia que o aparelho de qualquer participante pudesse dizer qualquer coisa na rede a qualquer momento que ele desejasse. Colisões e conflitos eram resolvidos de forma independente, pelos aparelhos individuais que estava criando o conflito, através de um simples conjunto de regras ( carrier sense multiple access with collision detection, ou CSMA/CD), um processo sem a medição de controladores externos.

Muitos engenheiros acreditaram que essa abordagem seria muito caótica para ser bem-sucedida. Como podia um sistema de coordenação funcionar sem um comando central ? Isso seria pura anarquia!

Hoje, toda conexão com a Intenet, rede local, uplink telefônico, datacenter backhaul, e sinal de WiFi que chega ao seu computador usa Ethernet. A abordagem anarquista se provou mais simples, mais eficiente, e absolutamente mais exitosa. Isso não é nenhuma surpresa para nenhum anarquista praticante, de todo modo muitos anarquistas praticantes ainda não reconhecem o anarquismo em ação quando postam mais um tuíte.

A maioria das pessoas, incluindo e talvez especialmente a maior parte dos tecnologistas digitais, são capazes de compreender intuitivamente os princípios de coordenação anárquicos. Existe uma miríade de exemplos modernos de tecnologias com nomes como algoritmos de concenso, orquestra de clusters, e distributed ledgers (como as “blockchains”) que, quando você para para analisa-las, em seus fundamentos, são abordagens anárquicas para resolução de problemas complexos em ambientes com vários níveis de confiança entre os participantes.

Ferramentas de organização de clusters de larga escala como Kubernetes, uma invenção da Google, funcionam primariamente graças a coordenação de uma série componentes cada um com uma responsabilidade específica, organizados horizontalmente para agirem independente uns dos outros, apenas respondendo a mudanças em seu ambiente conforme elas acontecem. O próprio Certificate Transparency Log (CTL) da Internet, que audita a emissão de certificados de segurança de websites como os que são oferecidos gratuitamente para donos de websites pela Let’s Encrypt, é um imenso banco de dados de concenso distribuído, mantido por muitas organizações independentes que usam a mesma tecnologia em que se baseia a Bitcoin. A própria espinha dorsal da Internet o Domain Name System (DNS) e o Border Gateway Protocol (BGP), são sistemas delegáveis onde qualquer um, a qualquer hora, pode participar simplesmente conectando-se com um computador com software livre e de código aberto na Internet e reivindicando responsabilidade sobre uma nova região autônoma chamada “domínio” na linguagem do DNS ou um “autonomous system number” (ASN) na linguagem do BGP..

Para os recém iniciados, isso tudo soa bastante frágil. Ainda assim, de algum modo, a Internet se provou surpreendentemente resiliente. Mas a maioria dos tecnologistas não são capazes de ver os paralelos entre sua amada tecnologia e o ponto de vista anarquista especialmente por que não passam muito tempo pensando sobre organização e política. Ao menos, não além do próximo ciclo eleitotral a cada quatro anos.

Isso precisa mudar, E nós somos a mudança.

Como ? Tal mudança não vai acontecer em cursos ou iniciativas tipo “aprenda a programar”. Não acontecerá através de campanhas sobre diversidade patrocinadas e centradas dentro da indústria da tecnologia. Tecnologistas, como a maioria das pessoas em uma posição social confortável e com posições sociais privilegiadas e estratificação de classes, não são propensas a examiar seus preconceitos ou mudar sua visão de mundo. É pouco razoável e estratégicamente imprudente de nossa parte esperar que isso ocorra.

Sendo sucinto, o custo de mudar a visão de mundo de um indivíduo é um esforço imenso. Como estratégia ampla, não é plausível. Não vale a pena lutar a “batalha pelos corações e mentes”, ao menos, não diretamente, pois o que muda corações e mentes não é a razão, mas a experiência. Não é citando fatos sobre o presente, mas tomando ações que inspirem a imaginação sobre o futuro. Não é engajando em debates, mas de fato fazendo mudanças concretas nas circusntâncias materias de alguém.

Já o custo de se treinar pessoas radicais em tecnologias modernas de informação, por outro lado, é menor. Também é difícil, certamente, mas aprender um novo conjunto de habilidades não é nem de longe tão difícil quanto aprender uma visão de mundo nova e totalmente oposta. Como estratégia geral, “tecnologizar radicais” tem potenciais ilimitados, enquanto “radicalizar tecnocratas” tem se provado uma desastrosa perda de tempo.

O cenário ativista de hoje é bem diferente dos dias das marchas dos Direitos Civis, do Movimento Anti Guerra, ou mesmo do Movimento Anti-Globalização, anterior ao 9/11. Se devemos cruzar um tipo diferente de terreno, nós precisamos de de um tipo difrente de veículo.

Essa não é uma ideia particularmente nova. Alguns vão se lembrar das Crypto Wars dos 1980 e 1990, nas quais os governos reservaram o uso de criptografia unicamente para usos militares. Cypherpunks e o começo da cultura “Hacker” nasce dessa época. Mas nem cypherpunks nem comunidades “hacker” eram particularmentre anarquistas, nem em ideologia nem em prática. Invés disso eles importaram e espelharam ideias vigentes como gênero, economia, e estereótipos raciais, gastando boa parte de seu tempo ingenuamente se imaginando em alguma longínqua utopia onde a mera existência de tecnologias baseadas em métodos anárquicos iriam inevitavelmente levar a uma reforma na sociedade com igualdade e justiça para todos mesmo quando a realidade se voltava cada vez mais rumo distopias dignas de pesadelos.

y the time they awoke from their Matte-fueled reveries several decades later, their world had been colonized and their comrades would be targeted as criminals under laws like the Computer Fraud and Abuse Act enacted a decade or more earlier. Famous exceptions such as Pirate Bay founder Peter Sunde notwithstanding, the earlier generation of hackers fumbled because they failed to recognize and center the importance of the anarchist principles underlying the very technologies they wrongly treated as inherently liberating.

Hacker tecnicamente habilidosos se embrulharam no brilho de seus computadores da mesma maneira que políticos se embrulham nas bandeiras de seus países. Em sua maioria, eles ignoraram as forças da indutrialização re-centralizando a Internet e a transformando em imensos shopping centers como Facebook. Décadas depois, quando acordaram de seus sonhos de descanso de tela, o mundo deles havia sido colonizado e seus camaradas seriam marcados como criminosos por leis como o Computer Fraud and Abuse Act promulgado dez anos antes. Exeções famosas à parte, como o fundador do Pirate Bay,Peter Sunde , a primeira geração de hackers falhou, pois falharam em perceber e dar importância aos princípios anarquistas sustentando as mesmas tecnologias que eles errôneamente consideraram como inerentemente liberatórias.

Se eles tivessem trazido consigo um olhar mais explicitamente anarquista, teriam reconhecido que nem anarquia nem liberação são estados que podem ser descritos por suas máquinas do estado, mas que esses são processos constantes em que os indivíduos devem repetidamente agirem para reafirmar sua resitência contra a formação de um Archos.

Hoje isso significa que Anarquistas politicamente conscientes devem tomar a responsabilidade pela operação e administração das redes interconectadas de comunicação, se não mesmo, a Internet com I maiúsculo, para nos certificarmos que o fascismo será constantemente combatido e freado. Isso vai além de simplesmente não dar plataforma para fascistas e criar o código do próximo app de rede social ou mensageiro criptografado que vai virar hype. Isso não é o suficiente. Não passa nem perto de ser o suficiente.

Ao invés disso, nós anarquistas devemos nos tornar de fisicamente correr cabos de um bairro para outro. Devemos nós mesmos aprender a administrar funções vitais da internet como o Domain Name Syste, independente dos nossos provedores comerciais. Nós devemos aprender a criar uma infraestrutura, não necessariamente maior, mas paralela aos imensos datacenters e instalalos fisicamente nas comunidades que dependem deles, ao invés de deixa-los a um meio globo de distância, exatamente pela mesma razão nós devemnos abolir as delegacias de polícia cujas patrulhas são conduzidas por equipes que nem vivem na vizinhança pela qual são responsáveis por policiar.

Isso é uma enorme quantia de trabalho, mas não tanto parece a primeira vista. E o melhor de tudo, os recursos que são necessários em termos de dinheiro e equiopamento são mínimos e cada dia mais acessíveis. Também não há necessidade de escrever novos códigos ou criar novos apps para fazer isso acontecer. Nós já temos todos os materiais básicos que precisamos para o trabalho. A única coisa que nos falta é um amplo compromisso dos próprios anarquistas.

Na cidade de Nova York, vários coletivos Anarquistas e anarco-autonomistas tem lentamente convergido para fornecer a apoio na insfraestrutura digital e tecnológica para organizações anti-fascistas, anti-racistas, e anti-capitalistas de maneira reproduzível. Esses serviços vão desde treinamento em computação para ativistas e grupos de advocacia a assistência direta com componentes digitais para esforços de advocacia, e quando solicitado, até mesmo audições privadas quanto a segurança de algum aliado.

Alguns grupos como Anarcho-Tech NYC, são totalmente mantidos por trabalho voluntário operando sem nenhuma licença ou reconhecimento legal e uma caixa intencionalmeente o mais perto possível do zero.

Outros, como Tech Learning Collective, dão treinamentos técnicos livres, de contribuição voluntária, e de baixo custo para comunidades pouco assistidas e organizações que lutam pela justiça social, em um esforço de ajudar a financiar projetos radicias de bem estar social enquanto simultâneamente ajudam a melhorar as habilidades de estudantes politicamente motivados e tecnologicamente curiosos. O Tech Learning Collective é uma escola fundada e mantida exclusivamente por tecnologistas radicais, mulheres e queers, baseada na mentoria, e com foco na segurança, oferece aulas virtais (remotas/online) de computação em tópicos que vão desde o uso básico de computadores até as mesmas técnicas ofensivas de raqueamento utilizadas por agências nacionais de inteligência e agentes militares.

Junto de grupos focados em tecnologia como Shift-CTRL Space que conecta militantes a recursos tecnológicos livres, essa “coalizão arco-íris digital” com foco em assuntos como TI, infraestrutura de telecomunicações e iniciativas educacionais vem demonstrando como ter um grande impacto em organizações antifascistas no século 21.

Como anarquistas, nós gostamos de dizer que outro mundo é possível. A verdade é que, outro mundo está aqui todo esse tempo. Está na palma da nossa mão toda vez que lemos uma mensagem de texto de uma de nossas amigas. Tudo que precisamos fazer é aprender ccomo isso de fato funciona.